domingo, maio 11

Raul Torres

Sou apaixonada pelo cantor e compositor Raul Torres (11/7/1906-12/7/70), nascido em Botucatu. Sua obra tem emboladas lindas, sambas, modas de viola, toadas, etc.

Publico abaixo algumas músicas que eu adoro:

Sabiá Triste

Meu sabiá
Não qué mais cantá
Pois a noite é escura
Não se vê luá
Tá fazendo ninho
É pra descansá

Sou cantadô
Já cantei na minha terra
Fica lá em riba da serra
Dos lados do lagamá
Eu comecei no primeiro de janeiro
Cantei doze meis inteiro
Só parei lá no Natá

Eu quando vejo uma caboca perfumada
Com a cabeça enfeitada de flô de maracujá
Pego no pinho e meu coração no peito
Passa pro lado direito com vontade de sambá

Por causa duma caboquinha que eu conheço
É que eu sofro e padeço e passo a vida a cantá
Quando ela passa com o lencinho no cangote
Meu coração dá pinote
Qué saí pra acompanhá

Quando eu morrê eu quero morrê cantando
No meu pinho rasqueteando
Inté o peito arrebentá
Meu coração quando ele ficá sozinho
Há de ir pulos caminho
Inté podê te encontrar.
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Samba-canção gravado em 1936 por Raul Torres e Jaime Vogeler

Mãe do Samba

Era meia-noite quando a cuíca roncou
Eu tava dormindo mas o samba me chamou

Acordei todo assustado
Não pude ficar assim
Eu entrei na batucada
Batendo o meu tamborim
Uma cabrocha no samba
Só cantava de improviso
No gingado da cabrocha, ai meu Deus
Quase que eu perco o juízo

Já quase de madrugada
Vejam só o que aconteceu
Apareceu o cabo-da-ronda
E o malvado me prendeu
A cabrocha vendo isso
Logo então me defendeu:
Não me prenda esse moleque
Quem toma conta dele sou eu!

Ai, eu tenho uma cabrocha
Cabrocha que Deus me deu
Quem gosta de mim é ela
Quem gosta dela sou eu
Eu vou avisar alguém
Alguém eu quero avisá
Terreiro que canta um galo
Ai, dois galos não pode cantá!
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Samba gravado em 1935.

Seu João Nogueira

Seu João Nogueira
O que é Sá Mariquinha
Eu vou soltá meu gado
Vá prende sua galinha

Seu João Nogueira comprou um galo no mercado
Mas ele foi tapeado, pensando que era primu
Pegou o galo pra criar com a galinhada
Mas no fim deu uma ninhada de filhote de urubu

Eu esta noite fiz barulho com a vizinha
Que deixou sua galinha avoá no meu quintá
Eu tenho um galo que é danado e perigoso
Quando ele fica nervoso pega frango pra matá

O meu cunhado tem um galo desordeiro
Que chega no galinheiro e quer ser governadô
É uma galinha toda cheia de etiqueta
Só porque foi da Marieta, a muié do imperadô

O meu avô já teve um galo de briga
Que teve o rei na barriga só porque foi campeão
Mas esse galo foi ficando fracassado
Um dia foi operado, tinha água no pulmão

eu tive um galo que era muito almofadinha
Conquistou uma galinha, a muié do garnizé
Agora o galo carregadinho de ano
E cheio de desengano tá bancando o coroné.
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Embolada de Raul Torres em parceria com João Pacífico, gravada por Raul Torres e Aurora Miranda em 1935.

Festa da Bicharada

Fui dançar com a bicharada
Passei meio apertadão
A onça tinha uma filha
Delicada de feição
No dia do casamento
Fizero grande reunião
E pra não misturá raça
Fez casá com primo-irmão

Viado juiz de paz
Serelepe era escrivão
Macaco era reverendo
Lagarto era sacristão
A noiva sabia assiná
O noivo não sabia não
Pra assiná a rogo dele
Mandaram chamá o leão

E depois formaro o baile
O maestro era o pavão
O cueio pianista
Sapo tocava violão
Por farta de sanfonista
Rato tocou rabecão
Aribu chegou atrasado
Ainda pegô no pistão

A preguiça e a capivara
Era as dama do salão
Inté endireitaram a sala
Com aquela linda feição
Anér de oro no dedo
Vestido de gorgorão
Sapatinho de fivela
Duas carrera de botão

Da meia-noite pro dia
Se virô em namoração
Cutia namorô gato
Com a réstia do lampião
O cateto quando viu
Logo fez revolução
Quando foi daí a poco
Misturarô no facão

Quebraro o violão do sapo
Que ficô esmigaiado
O sapo ficô furioso
Com os dois óio arregalado
Deu um pulo para o lado
Ficô com o pescoço inchado
O violão não era dele
O sapo tinha emprestado

Jumento era o delegado
Lá daquela povoação
Só pra mor de otoridade
Tava ele no festão
Telefonou pra cadeia
Veio logo um bataião
Entre purga e percebejo
Tinha quase trêis milhão.
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Moda de viola de Raul Torres e João Pacífico gravada por eles em 1936;

Macumbero

Vou pedir pra macumbeiro
Num roubá o meu amor

Macumbero, macumbero
Macumba tá
Vive fazendo macumba
Pro meu amor me deixá

Meu amor brigou comigo
Porque sofre de nervoso
Vou fazer uma mandinga
De quatro pau amargoso

Limão brabo, ferro-quina
Gabiroba e fedegoso
Pra meu santo te livrá
Dos óio dos invejoso

Meu coração tá sofrendo
Vive triste, amargurado
Quando te vejo de longe
Ele lá bate apertado

Quando tu chega pertinho
Ele bate consolado
Encostado no teu peito
Ele bate conciliado.
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Jongo gravado em 1936.

Tua Mão será meu Pandeiro
(Raul Torres)

Eu já não posso cantar um samba
Porque o meu pandeiro furou
Agora eu vou fazer de pandeiro
A palma da tua mão
A palma da mão
Ó meu amor

A tua mão, feita de pele morena
Pra bater eu tenho pena
Tenho pena de bater
Esta batida é um doce sofrimento
Que sinto no pensamento
Vendo a ti por mim sofrer

O coração deste cantor brasileiro
Quando bate no pandeiro
Sente-se ufano e feliz
Eu quando canto só invoco a tua pessoa
Entre todas a mais boa
Mulheres do meu país.
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samba gravado em 1935.

Sereno Cai

É meia-noite
Lá no céu parece dia
Sereno cai no cabelo de Maria

No arto daquele morro
Corre água sem chovê
Pau verde não pega fogo
Quem qué bem logo se vê
Nhá Dona fazemô um trato
Isso vai do seu querê
Vassuncê trata de mim
Eu trato de vassuncê

Esta noite eu tive um sonho
Acordei com os óio vermelho
Somente por uma carta
Que da minha terra veio
Enciei o meu cavalo
Com meu lindo par de arreio
Vô largá de querê bem
Pra deixa desses passeio

Sou nascido em Cuiabá
Batizado no Uruguai
Mudai teu nome, Marica
Eu choro, não canto mais
Eu moro daqui bem longe
Na vila de Gramadinha
Tenho passado trabaio
Tô cumprindo a sina minha.
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Linda toada gravada por Raul Torres em 1933. Curiosidade: o coro nesta música traz ninguém mais, ninguém menos que Francisco Alves, Jaime Vogeler, Moreira da Silva, Castro Barbosa e Jonjoca.

domingo, maio 4

Umas e outras...

Hoje fui acordada às onze da madrugada por crianças gritando Palmeiras, por buzinas ensurdecedoras e fogos de artifício. Clima de Copa do Mundo nas ruas. Nunca vi isso... Futebol nunca me incomodou, mas confesso que é um assunto que começa a me irritar. Eu, que sempre morei perto do Palmeiras e praticamente nasci dentro do clube, ando estressada com toda essa paparicação em torno do futebol e afins... Ai, que preguiça! Meus amigos - do choro, do samba, das letras... todos, todos só falam em futebol. Que preguiça! Sem falar que o trânsito aqui no meu pedaço anda congestionadíssimo por conta dos jogos (e dos shows também que têm acontecido no clube). Impossível. Não posso mais passar na frente do Palmeiras porque está sempre parado ali, até porque fizeram um shopping (o Bourbon) ao lado do clube, coisa mais horrorosa que já vi em termos de arquitetura em toda a minha vida, e ali não se passa mais sem ficar pelo menos quinze minutos parado. Já que toquei nesse assunto, que tristeza ver no que está se transformando meu amado bairro (Pompéia) e adjacências. A Vila Romana, onde passei minha adolescência ao lado de meus amigos da escola, correndo pelas suas ruas arborizadas e desertas, repletas de casinhas e casarões charmosos, luta há anos contra a verticalização, mas as poucas casas que resistiram estão indo abaixo, dando lugar aos prédios altíssimos, chiquérrimos, alguns, horrorosos outros. Nesta foto é possível ver o Sesc, o Dic (loja de calçados já demolida que marcou minha infância), a minha casa onde morei quase sempre e a Vila Romana lá pra trás.



A Pompéia virou bairro chique... cada prédio que tem ali agora... dá até susto de ver. Idem as Perdizes (onde moro agora) e já estão atacando a Barra Funda... Tem casas lindas sendo demolidas. Onde será que isso vai parar?

Nesta foto aqui é possível ver a fábrica que deu espaço ao Sesc Pompéia (o prédio verde existe ainda hoje, fica na Clélia, na frente do Sesc quase). Minha ex-casa é na rua de trás, a casa coberta por aquela planta (unha de gato) em toda a sua fachada. É triste ver o que virou esse bairro hoje...



Nesta foto, então, dá até vontade de chorar... a fábrica que deu espaço ao Sesc Pompéia, a chácara que tinha ali (na Barão do Bananal) e no fundo a Av. Francisco Matarazzo, com suas fábricas que deram espaço aonde é hoje esse nojo desse Shopping Bourbon (que nem conheço ainda, não tive vontade). Bom, fico com os olhos marejados.



Melhor mesmo é escrever sobre música!

Praça 14 Bis

Um samba muito bom
Que me contagiou
Me ganhou
Bixiga amanheceu
Vai Vai já ensaiou
Clareou

Foi quando o farol fechou
Da praça
O samba me chamou
Se o samba vem do Rio
E da Bahia
O samba também vem
São Paulo sempre tem
Bixiga é o samba do lugar

Só que vem aqui dirá
Igual a mim
São Paulo é bom de amar
E assim o samba vem
Paulistamente eu vou cantar.
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Lindíssimo samba de Eduardo Gudin que estará no próximo CD da D. Inah.

Do Tatuapé, do Tucuruvi
(Henrique Vilar)

Eu nunca vi a Portela
Se eu sei que a Portela é bela
Foi de ouvir contar
Eu não conheço o Salgueiro
Se me sobrasse um dinheiro
Eu ia até gostar
A Beija-Flor, não duvido
De que ostente o colorido
De um colibri
A Imperatriz, nem se fala
Mas o samba que me embala é o daqui

Do Tatuapé, do Tucuruvi
Do chão do Carrão, do asfalto do Anhembi
Do Limão à Sé, da Sé ao Limão
Onde aprendi dedilhar meu violão

Não vi o mar nem o Cristo
Ninguém pode sem ter visto
Dar seu parecer
O meu olhar, meu tesouro
Viu tantas rosas de ouro ao entardecer
Não vi dançar o arvoredo
A lua nasce mais cedo no Peri-Peri
Que me perdoe o poeta
Mas o samba que me espeta é o daqui

Do meu Tietê, do meu Catumbi
Da Luz, do Perus, da Vila Jacuí
Onde pus o pé, onde dei a mão
Onde a Dorinha roubou meu coração

Não vi o mar, vi a garoa
E vi minha gente boa nela padecer
Até que o samba começa
A dor se não cai tropeça até o amanhecer
Eu não nasci em Mangueira
Mamãe era benzedeira lá no Mandaqui
Não canto versos de afronta
É que o samba que me conta é o daqui

Do meu Canindé, do meu Caxingui
Impérios da Casa-verde e Cambuci
Lá da Lavapés, nossa tradição
Que a Mocidade-Alegre esquece não
Treme Tremembé sem deixar cair
Que um samba de Sapopemba vem aí
Vem que vem com fé
Vai-Vai vai me dar razão
Ao sacudir os quadris de uma nação.
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Outro belo samba sobre SP, este do estreante Henrique Vilar, presente no CD Coisas sem Grito.

Publico aqui pra começar bem a semana uma foto com minha querida (e linda) Iara.