terça-feira, junho 7

Sotaques do Choro

CHORINHO? NÃO, CHOROS E CHORÕES!!!!!

Estamos vivendo um momento histórico para o Choro Contemporâneo Paulista, onde a produção está constante e amadurecida, com linguagem e identidade próprias, com invenção, multiplicidade de formas, originalidade nos arranjos, experiências e misturas com outros gêneros, sem perder a essência da tradição e o tempero indispensável do improviso.

Vivenciamos nos últimos anos constantes lançamentos de CDs, eventos e projetos de pesquisa sobre a obra e o perfil de nossos chorões, mostras que contemplam as novas obras, as formações e os novos intérpretes do Choro Paulista Contemporâneo.

Podemos dizer que estamos prontos. Prontos para iniciar um processo de busca pelo reconhecimento. Iniciar um conjunto de ações para chamar a atenção do público e da crítica. Mostrar a nossa cara! Precisamos de visibilidade, não uma visibilidade mercadológica, econômica, e sim uma visibilidade de reconhecimento histórico. Não só em relação à memória e preservação do gênero, mas também em relação a sua importância na formação e na evolução da música instrumental brasileira.

O choro tem seu reconhecimento no senso comum. Temos uma “certa admiração coletiva” pelos “velhinhos fofinhos que tocam chorinho no barzinho, ou na pracinha, e lembram o querido avô e um Brasil do passado.” Precisamos urgentemente desconstruir essa imagem, e também precisamos mostrar que o choro contemporâneo não está somente em centros urbanos específicos, e sim em todo o país.

O Choro é um gênero brasileiro de música instrumental urbano, de caráter nacional com sotaques regionais. Ele não parou de ser produzido, continua forte, e atemporal, é um gênero vivo e essencial para a música brasileira. Sua produção regional acompanhou o desenvolvimento urbano específico de cada centro do país. Em todas as regiões do Brasil temos produção de Choro contemporâneo; alguns centros apresentam uma produção com linguagem moderna, ousada. Outros produzem composições mais próximas da linha tradicional, uma releitura de grandes clássicos. Porém todos com uma assinatura própria, e com sotaques que revelam histórias regionais do Choro brasileiro.

O Choro nasceu no Rio de Janeiro, no século XIX, em pleno desenvolvimento urbano do Brasil. Então capital nacional, recebeu tratamento diferenciado durante mais de um século e meio por ser o centro político, econômico e cultural do nosso país naquele momento. O gênero surgiu como um modo de interpretação da polca, valsa, maxixe e outros ritmos europeus que eram trazidos da Europa pela elite brasileira. Foi lá que chegaram pela primeira vez esses gêneros europeus que foram recriados pelos grupos de “pau e corda”, e posteriormente misturados ao lundu e interpretados pelos regionais e bandas. Não é à toa que o Rio de Janeiro foi berço dos grandes mestres do Choro, e que foi de lá que o gênero se expandiu pelo Brasil através da rádio Nacional.

O choro ganhou vida e se espalhou por todo território brasileiro. Sendo considerada a base da música popular nos primeiros anos de século XX, o Choro foi harmonizado por Pixinguinha, consagrou-se, e formou grandes artistas de todo o país.

Com os outros movimentos da música brasileira, nas décadas de 1950 e 1960, e com o aparecimento da televisão, o Choro foi perdendo espaço nos grandes meios de comunicação, e restringiu-se aos quintais das casas de músicos e admiradores, nos bares com grupos de amigos, porém, manteve-se vivo em núcleos de preservação e formação de instrumentistas. Nas décadas de 70 e 80, após uma forte influência de Jacob do Bandolim, o Choro retorna, não mais com a força de tempos anteriores, mas com uma geração que apresenta uma nova proposta: a formação de chorões.

O aparecimento de novos chorões, como Rafael Rabello, com uma nova leitura do gênero, transformou o Choro em linguagem da música instrumental brasileira moderna. O Clube do Choro de Brasília é uma mostra, de muito sucesso, do modo como o Choro se reorganizou no Brasil. A Escola Rafael Rabello e a Escola Portátil promoveram a formação de importantes músicos de hoje.

Em uma pesquisa inicial conseguimos o contato com nove clubes de choro que, de uma forma ou de outra, encontram-se em atuação no país. Porém, se procurarmos na internet, é possível encontrar referências de doze ou mais clubes de choro espalhados pelo território brasileiro e fora dele, como em Miami e Paris. Alguns clubes são profissionalizados e regulamentados, organizados em Associações e OSCIP; outros, ainda bastante amadores, mas todos com o mesmo objetivo, promover a preservação e a produção do Choro contemporâneo brasileiro.

Além do importantíssimo trabalho do Clube de Choro de Brasília, temos referências de Clubes de Choro em Porto Alegre, Curitiba e Santos, que promovem a formação de jovens instrumentistas, produzem CDs, mostras e festivais. Também temos as referências de Clubes de Choro de Taubaté, Juiz de Fora, João Pessoa, Maranhão, Florianópolis, além de grupos independentes de produtores e artistas de Belém, Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.

Atualmente, Rio de Janeiro e Brasília são considerados os grandes centros urbanos produtores de Choros e Chorões do Brasil. Não só por sua tradição, mas principalmente e merecidamente pelo modo como vêm “militando” alguns músicos chorões destas localidades, como o pessoal envolvido com a Escola Rafael Rabello, Escola Portátil, Acari Records, Instituto Jacob do Bandolim e Clube de Choro de Brasília. A presença dessas figuras em curadorias de editais e festivais, como também, as constantes autorias em publicações de críticas, artigos e livros sobre a história do Choro, legitimam seus trabalhos e fazem desses grupos as principais referências da produção do Choro contemporâneo nacional.

Portanto, me debrucei neste texto para chamar a atenção dos meus amigos chorões paulistas e paulistanos, admiradores do gênero, produtores parceiros. VAMOS MUDAR O NOSSO POSICIONAMENTO frente à busca por espaços de reconhecimento e visibilidade. Temos que produzir. Além da música precisamos legitimar a nossa produção. Portanto proponho um movimento em favor do reconhecimento dos diferentes sotaques do Choro contemporâneo.

Há aproximadamente dois anos alguns chorões e grupos de São Paulo passaram a ter acesso às ferramentas de fomento à cultura e conseguiram produzir trabalhos importantíssimos para o Choro paulista. O amadurecimento da nossa produção iniciou com a gravação do CD em homenagem ao compositor Esmeraldino Salles, em 2002, e fortaleceu-se com prêmio Visa recebido por Danilo Brito, as gravações do grupo Choro Rasgado em 2004 e Cochichando em 2008, e o aparecimento de diversos outros grupos que passaram a trabalhar composições autorais de choro.

Esse movimento ganhou mais força em 2008/2009 com as gravações de Cds, Circuito Metropolitano do Choro produzido pelo Clube do Choro de Santos, a circulação dos espetáculos de lançamento do grupo Cochichando, Quatro a Zero, Zé Barbeiro, Luizinho Sete Cordas e Euclides, patrocinados pela FUNARTE E Secretaria de Estado da Cultura, bem como os espetáculos no teatro do CPC-UMES do Izaías Bueno de Almeida e grupo. Agora, entramos em outro momento com o lançamento do trabalho “Panorama do Choro Contemporâneo Paulistano” que vem coroar a produção do Estado com a realização deste belíssimo projeto (www.panoramadochoro.com.br)

Proponho em médio prazo criarmos um Movimento Nacional de divulgação e promoção dos Sotaques do Choro Brasileiro. De início, vamos nos organizar em São Paulo, já conseguimos, através do clube do choro de Santos, a institucionalização oficial do dia 28 de junho – (data de nascimento do músico Garoto), como o dia Estadual do Choro.

Agora precisamos nos organizar para ampliar o mapeamento da produção paulista, e resgatar os vários registros da evolução do nosso “sotaque”, feitos ao longo de vários anos, por grandes amigos e parceiros. Temos como alguns exemplos as 60 horas captadas por Roberta Valente, Yves Finzetto e Beto Mendonça durante as gravações do CD Panorama do Choro, as milhares de partituras, áudios e vídeos dos diversos compositores chorões de São Paulo, as gravações de áudio caseiras da produtora Mariza Ramos, que faz um recorte de mais de 10 anos de rodas de choro particulares, ocorridas em casas de amigos e bares nos períodos de 96 a 05. As milhares de horas de registro em vídeo de chorões do Brasil inteiro captadas com investimento próprio pela produtora paulista Cris Canner e outros registros da cineasta Patrícia Francisco; enfim, temos muito material bruto para difundir a nosso produção contemporânea.

Sempre em busca de parceiros para divulgar e promover a diversidade dos Sotaques do Choro e principalmente a produção contemporânea do Choro paulista.

Karina Poli