quinta-feira, agosto 9

Eu Brinco

((Pedro Caetano/Claudionor Cruz)

Com pandeiro ou sem pandeiro
Ê, ê, ê, ê, eu brinco
Com dinheiro ou sem dinheiro
Ê, ê, ê, ê, eu brinco

No céu a lua caminha
Tão triste, sozinha
Pra não ser triste também
Com pandeiro ou sem pandeiro
Meu amor, eu brinco

Tudo se acaba na vida
Morena querida
Se o meu dinheiro acabar
Com dinheiro ou sem dinheiro
Meu amor, eu brinco.
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Marcha gravada originalmente por Francisco Alves em 1943, com acompanhamento de Fon Fon e sua orquestra. Esta gravação é linda, tem um contracanto de clarinete que é um primor, um coro bem afinado, um arranjo impecável. Foi uma das mais cantadas do Carnaval de 1944.

Esta marchinha e outras que eu vou publicar aqui agora fazem parte do vol. 11 da coleção Carnaval - Sua história e sua glória, da Revivendo (N. 59), um dos meus prediletos.

O Homem não Deve Chorar
(Dunga e Claudionor Cruz)

O homem não deve chorar
E nem se lamentar
Quando a mulher não sabe amar, amar
Deve sorrir e fingir que não quer
Se der valor perde a mulher

Ela não tem esperança que alguém lhe faça feliz
Mulher é igual à criança
Não sabe o que faz
E nem sabe o que diz
(Não, não).
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Samba gravado por Roberto Paiva (um dos meus cantores prediletos da velha guarda) em 1944.

Não Pago o Bonde
(Leonel Azevedo e J. Cascata)

Não pago o bonde, Iaiá
Não pago o bonde, Ioiô
Não pago o bonde que eu conheço o condutor
Quando estou na brincadeira
Não pago o bonde nem que seja "por favor"

Não pago o bonde porque não posso pagar
O meu é muito pouco e não chega pra gastar
Moro na rua das Casas
Daquele lado de lá
Tem uma porta e uma janela
Mande a Light me cobrar.
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Bonita marchinha também, gravada magistralmente por Odette Amaral, acompanhada pelos Diabos do Céu em 1937. O "bonde" e a "Light" foram temas de várias músicas de carnaval. Vale aqui abrir um parentesis pra citar esta pesquisa feita pela Light:

'A Light é a empresa que mais inspirou os compositores da música popular brasileira. A Light e os serviços públicos por ela prestados ao longo dos mais de 100 anos de sua história são mencionados em 120 cancões. Só as referências ao bonde elétrico, serviço prestado pela Light entre 1907 e 1963, aparecem em 78 músicas, desde clássicos da MPB, como O Bonde São Januário, São Coisas Nossas, Canção do Condutor e Lá Vem o Ipanema, até evocações mais recentes, como Rio Antigo, de Nonato Buzar e Chico Anísio ("Eu que pego o bonde 12 de Ipanema / Pra ver o Oscarito e Grande Otelo no cinema / Domingo no Rian").

Entre as mais conhecidas destaca-se Uma Andorinha Não Faz Verão (1933), de Braguinha e Lamartine Babo, com seus famosos versos: "Dizem morena / Que teu olhar / Tem corrente de luz que faz cegar / O povo anda dizendo que essa luz do teu olhar / A Light vai mandar cortar". A energia elétrica fornecida pela Light foi citada em várias canções, como em Café Soçaite (1955), de Miguel Gustavo, cantada por Jorge Veiga e Ciro Monteiro: "Doutor de anedota / E de champanhota / Estou acontecendo no café soçaite / Só digo enchanté, muito merci, all right / Troquei a luz do dia pela luz da Light".

Outras citações do nome Light podem ser facilmente localizadas nas músicas sobre o inesquecível bonde elétrico. No carnaval de 1946 Alvarenga e Felisberto Martins lançaram a Canção do Condutor: "Seu condutor / All right! / Você assim / Vai acabar sócio da Light".'

7 Horas da Manhã
(Cyro de Souza)

Quatro horas da manhã eu já estou de pé
Enquanto eu lavo o rosto, ela faz o meu café
Embrulha o meu almoço
Eu me visto e vou andar
Pego o trem da Leopoldina e vou trabalhar

Sete horas da manhã, entro na repartição
Cumprimento o meu chefe e vou marcar meu cartão
Às dez horas, quando apita, eu saio para almoçar
Mais tardar, às seis e meia, vou regressando a meu lar.
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Samba gravado por Patrício Teixeira, acompanhado pelos Diabos do Céu, em 1941. Mais um samba sobre trabalho. Gosto muito desse tema. No útlimo ano de faculdade fiz um trabalho sobre o malandro e o trabalho na MPB mas, por incrível que pareça, não sei onde ele foi parar... esse assunto foi muito bem abordado neste artigo do Fábio Gomes, do site Brasileirinho

Nega Maluca
(Evaldo Ruy e Fernando Lobo)

Tava jogando sinuca
Uma nega maluca me apareceu
Vinha com o filho no colo
E dizia pro povo que o filho era meu, oi
(Não senhor)
Toma que o filho é seu
(Não senhor)
Guarde o que Deus lhe deu
(Não senhor)

Há tanta gente no mundo
Mas meu azar é profundo
Veja você, meu irmão
A bomba estourou na minha mão
Tudo acontece comigo
Eu que nem sou do amor
Até parece castigo
Ou então influência da cor.
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Samba muuuuuito bom gravado em 49 por Linda Batista.
Renato Vivacqua, um pesquisador que eu gosto muito, cita num de seus livros que "Como denunciou Nestor de Holanda, Nega Maluca teve sua Segunda parte xerocada de uma embolada de Jararaca e Ratinho chamada Vamos no Mato.

Vale a pena conhecer os livros desse ótimo pesquisador. Nesse link acima é possível ler um capítulo que ele dedica a um assunto deveras polêmico na música brasileira e que eu adoro: o plágio. E nesse CD da Revivendo identifiquei algumas músicas que foram inspiradas (ou que inspiraram) outras (não vou entrar no mérito agora pra ver quem plagiou quem pq não dá tempo, infelizmente). Mas por exemplo, a faixa 10 do disco, Dama de Ouro, frevo-canção dos Irmãos Valença (autores de O teu cabelo não nega), lembra muito Seu Libório, de João de Barro e Alberto Ribeiro. Ambas foram lançadas no mesmo ano, 1941. Também não vem ao caso, mas impossível não lembrar que Seu Libório e Paraquedista, do trombonista José Leocádio (grande sucesso da Orquestra Tabajara, 1946), são quase a mesma música.

Agora é Tarde
(Synval Silva)

É tarde demais pra você se arrepender
É tarde, é tarde
Jurei nunca mais querer
Você não ouviu meus ais
Agora é tarde demais, demais

O arrependimento
É sempre a base
De quem teve boa fase
Pra se aprumar
Meu perdão você não terá
Não adianta chorar.
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Lindo samba gravado pelo Cantor das Multidões, Orlando Silva, em 1937

Bicho-Papão
(Ernesto dos Santos -Donga- e Eduardo de Almeida)

Bicho-Papão
Bicho-Papão
Segura essa pequena
Que roubou meu coração

Roubou meu coração
E botou juntinho ao seu
Misturou o meu e o dela
E eu não sei qual é o meu!
Segura essa pequena
Formidável, colossal!
Não tem medo do bicho
Nos dias de Carnaval

Loura ou morena
Inda mesmo mulatinha
Carnaval é uma loucura
E loucos não têm rainha!
Eu não digo nada
Com vontade de dizer
Abra a boca e feche os olhos
Que o Papão vai te comer.
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Marcha bem sugestiva gravada em 1935 por Jayme Brito, acompanhado pelo Diabos do Céu. Jayme Brito foi integrante do Trio T.B.T., ao lado dos irmãos Abner e Abdaná Trajano. O Trio durou de 1931 a 1932.

Máscara da Face
(Armando Cavalcanti e Klécius Caldas)

Deixou, deixou, deixou,
Deixou cair a máscara da face
Mostrou, mostrou, mostrou
Mostrou por fim que nunca teve classe

No começo, dei-lhe a mão
Depois, depois o coração
Para ela eu fui um pai
Um amigo e um irmão
Dei-lhe tudo o que podia
Sem pensar num desenlace
Afinal não merecia
Tirou a máscara da face.
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Samba gravado por Dircinha Batista, A Força Revolucionária do Samba, em 1952.

Já Tirei meu Chapéu
(Lamartine Babo)

Para amar a paulista já tirei o meu chapéu
Para amar a paulista já tirei o meu chapéu
Teu amor, ó paulistinha
Já passou do viaduto
Já passou do Martinelli
Teu amor já está no céu

Paulista
Vai crescendo com São Paulo
Com São Paulo vai crescendo teu valor

Paulista
Eu desejo um pedacinho
Dez réis de carinho
Do teu grande amor.
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Marcha gravada por Lamartine Babo e Silvino Neto, acompanhados por Gaó e sua Orquestra, em 1937. Foi a primeira gravação de Silvino, que depois ficaria conhecido como humorista.

Ai, Cachaça
(Manezinho Araújo e Fernando Lobo)

Ai, cachaça
Por favor não me aborreça
Você desça pra barriga
Mas não suba pra cabeça, ai, ai

Tenho três fracos na vida
Dinheiro, cachaça e mulher
Com o dinheiro eu compro cachaça
E pago pra quem quiser
Só não posso perder a cabeça
Senão eu perco a mulher, não é?
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Ótimo samba gravado por Blecaute, acompanhado pela Tabajara, em 1951.
Foi regravado recentemente no excelente CD Cachaça Dá Samba, dos meus queridos amigos Alfredo Del-Penho e Pedro Paulo Malta, com os irmãos Cazes e meu amado amigo e talentoso Luis Filipe de Lima (Deckdisc). Inspirada nesse CD, reli Prelúdio da Cachaça - Etnologia, História e Sociologia da Aguardente no Brasil, do Luis da Câmara Cascudo.

Minueto
(Herivelto Martins e Benedito Lacerda)

Minueto tu és no Municipal
O maior sem igual
Mas no samba não tens medo só porque
Tu não és, tu não és
De Carnaval

Nosso samba foi sambar
No Tirol e virou tirolês
Mas chegando o Carnaval
Nosso samba voltou pro Brasil outra vez.
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Lindíssima marcha composta inspirada no Minueto em Sol Maior, de Beethoven (falei em plágio acima?), e gravada pelo Trio de Ouro em 47. Destaque pros maravilhosos agudos de Dalva de Oliveira - Segundo o pesquisador Abel Cardoso Junior, ela, nesta música, "recriou os trinados da região do Tirol, nos Alpes".

Boca-Negra
(Antônio Almeida e Alberto Ribeiro)

Boca-Negra deixou a maloca
Saiu da toca
E veio ao Rio passear
Chegou, olhou, provou mas não gostou
Seu Carioca,
Pra maloca eu vou voltar

Lá na minha tribo é bem melhor do que aqui
Vivo cantando o Guarani
Trá-lá-lá-lá-lá
Pra viver assim de tanga
Eu vivo lá!
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Gravada por Emilinha Borba, A Favorita da Marinha, em 1948, com acompanhamento da Orquestra Tabajara.

Partiu... Para Onde Não Sei
(Felisberto Martins e Henrqiue Mesquita)

Ai, não posso mais sofrer
Ai, não posso mais amar
Aquela que me acompanhava na minha jornada
Partiu para onde não sei
Por que vou chorar
Se eu nunca chorei?

Quem souber chorar
Venha me ensinar
Que eu quero aprender
Pra desabafar
Esta dor que me faz sofrer
Dores eu sinto demais
Não sei chorar
Mas ai dos meus ais.
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Samba lindo gravado por J. B. de Carvalho em 1940.

Se Eu Fosse o Getúlio
(Roberto Roberti e Arlindo Marques Jr.)

O Brasil tem muito doutor
Muito funcionário, muita professora
Se eu fosse o Getúlio mandava
Metade dessa gente pra lavoura

Mandava muita loura
Plantar cenoura
E muito bonitão
Plantar feijão
E essa turma da mamata
Eu mandava plantar batata.
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Com muito bom humor, esta marchinha, gravada em 1953 por Nelson Gonçalves e cantada no carnaval de 1954, dava a receita para resolver os problemas brasileiros, que se avolumaram nos últimos anos do segundo governo de Getúlio Vargas - meses mais tarde, em agosto, o presidente se mataria em meio a uma gravíssima crise política e institucional. A fórmula apresentada pelos sambistas era simples: enxugar o estado e fazer doutores e funcionários públicos pegar no cabo da enxada. (Retirado do site do
Franklin Martins, onde é possível ouvir esta marcha).

Espero voltar em breve pra dar continuidade ao meu especial Carnaval.
Boa semana a todos!