quinta-feira, abril 27

Guilherme de Brito e S. Jair do Cavaquinho

O samba perdeu dois baluartes este mês: S. Jair, há vinte dias, e Guilherme de Brito, há poucas horas, como pode ser lido aqui e aqui. E soube que há um outro grande sambista carioca bem doente... Estou de luto.

Pranto de Poeta
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Em Mangueira
Quando morre um poeta
Todos choram
Vivo tranqüilo em Mangueira porque
Sei que alguém há de chorar quando eu morrer

Mas o pranto em Mangueira é tão diferente
É um pranto sem lenço
Que alegra a gente
Hei de ter um alguém
Pra chorar por mim
Através de um pandeiro e de um tamborim.

A Flor e o Espinho
(Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha)

Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca a flor
Eu só errei quando juntei minh'alma à sua
O sol não pode viver perto da lua

É no espelho que eu vejo a minha mágoa
A minha dor e os meus olhos rasos d'água
Eu na sua vida já fui uma flor
Hoje sou espinho em seu amor.

Minha Honestidade Vale Ouro
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Teu coração é terra que ninguém passeia
Tu és igual a quem traiu Jesus na Ceia
Minha honestidade vale ouro
Foi Deus quem me deu este tesouro
Sou companheiro
Não mereço ser trocado por dinheiro

Sei que o remorso um dia vai te procurar
Serei teu amigo, irei te perdoar
Tu nunca soubeste ser bom companheiro
És igual a Judas
Que trocou Cristo por dinheiro.

O Dono das Calçadas
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito

Como é bom a gente ser amigo
Como é bom a gente ser querido
Pois só é assim quem pensa em Deus
Quando amanhece
Como é bom a gente socorrer a quem padece
Eu que já vaguei nas madrugadas
E já fui o dono das calçadas
Pra todos aqueles que me estenderam a mão
Dividi meu coração

Hoje me recebem nos salões iluminados
cabelos prateados, mas eu não vou mudar
Pois eu me apresento com o mesmo violão
E o mesmo coração que ainda tem amor pra dar.

Folhas Secas
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Quando eu piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha Estação Primeira
Não sei quantas vezes
Subi o morro cantando
Sempre o sol me queimando
E assim vou me acabando

Quando o tempo avisar
Que eu não posso mais cantar
Sei que vou sentir saudade
Ao lado do meu violão
Da minha mocidade.

Gotas de Luar
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Se eu pudesse roubar as gotas de luar
Que vi brilhar nos olhos teus
Guardava aquele encanto
Pra enfeitar meu pranto na hora do adeus

Sei que em muito breve tu irás me esquecer
Eu sei que vou sofrer
Por culpa da minha paixão
Eu devia te deixar
Mas vou continuar pra castigar
Meu pobre coração.
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Esta é uma das pérolas (amo esta música) que aprendi com o violonista e cantor João Macacão.

Meu Violão
(Guilherme de Brito)

Meu violão, causador do meu triste viver
Tu aumentas o meu padecer
Quando eu saio contigo
Meu violão
Se me levas para o mau caminho
E eu deixo o meu lar tão sozinho
Ela briga comigo
Meu violão
Se eu te sigo pela madrugada
Esquecendo aquela coitada
Que assim sofre tanto
Duas razões justificam a minha demora
É saber que por mim ela chora
E por ti é que eu canto.

Quando eu me Chamar Saudade
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Sei que amanhã quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão

Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora

Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga
Para aliviar meus ais
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais.

Minha festa
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Graças a Deus
Minha vida mudou
Quem me viu, quem me vê
A tristeza acabou
Contigo aprendi a sorrir
Escondeste o pranto de quem
Sofreu tanto
Organizaste uma festa em mim
É por isso que eu canto assim
Lararará, lararará...

Se você me Ouvisse
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Se você me ouvisse
Não estaria chorando agora
Chora, chora
Vou-me embora
Vou deixar a saudade
Como lembrança
Adeus, linda criança
Se ficar vou sofrer
Muito mais do que já sofri
Vou com Deus
Vou sair daqui
O nosso sonho
Chegou ao fim
Não adianta chorar por mim

O amor quando nasce
É bonito a gente ver
Que bom se não chegasse
O momento do amor morrer
É por isso que eu sinto
O meu peito tão magoado
Quando vens me dizer
Que está tudo acabado.

Mulher sem Alma
(Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Fui tão bom pra ela
Dei meu nome a ela
Tudo no princípio eram flores
Sem saber que eu era demais
Entre seus amores
Quase passei fome
Para honrar seu nome
Tropecei nos erros
De uma mulher sem alma
Mas não perdi a calma

Eu não sei por que isso acontece
Em minha vida
Mais uma ferida
No meu peito a sangrar
Só a minha fé
É que me traz consolação
Pra tanta humilhação
Que eu vivo a suportar.

Tive o prazer de acompanhar S. Jair no show dele no Traço de União. E de ouvi-lo em mais algumas oportunidades, dentre elas as duas festas do site Samba-Choro, que prestou uma bela homenagem ao Seu Jair em 2004, em SP e no Rio. Retirei de lá o texto abaixo, escrito por Paulo Eduardo Neves e Christiane de Assis Pacheco.

Barracão de Zinco
(Jair Costa/José Bispo)

Lará-larará
lararara-larará
Em meu barracão de zinco
Depois que ela foi morar
A minha vida se descontrolou
Me sacrificando por uma mulher
Que não me tem amor

Ela só quer viver de grandeza
Quando passa mal não se conforma com a pobreza
Desta maneira não sei como hei de me arranjar
Foi esta mulher que desmoronou o meu lar

Mas eu vivo a cantar:
Lará-larará
lararara-larará
Lará-larará
lararara-larará
________________________
Jair do Cavaquinho era conhecido apenas como instrumentista (Jacob do Bandolim considerava-o a melhor palhetada do samba), até que resolveu compor. Em seu depoimento para o projeto Puxando Conversa, Jair conta como era a apresentação de sambas no terreiro. Lembra um pouco como é hoje a disputa de samba-enredo. O compositor distribuía as letras para as pastoras (o que nada adiantava, pois a maioria era analfabeta), cantava três vezes sua música sem percussão, depois entrava a batucada e as pastoras cantavam juntas. Elas é que decidiam se a música faria sucesso na quadra ou não. Ao fazer sua primeira composição, Jair quis logo uma música com um laraialará que fizesse as pastoras "levantar a saia sobre a cabeça". Conseguiu. Barracão de Zinco tem um dos mais poderosos laraiás do samba. Fez sucesso nos terreiros das escolas de samba cariocas e Jamelão, cujo nome é José Bispo, gravou a música assinando só com seu nome e fez sucesso. Só depois que seu Jair reclamou é que ganhou "parceria" na música que compôs sozinho.

Pecadora
(Jair do Cavaquinho/Joãozinho)

Vai, pecadora arrependida
Vai tratar da tua vida
Por favor, me deixe em paz
Tu me deste um grande desgosto
Eu não quero ver teu rosto
Palavra de rei não volta atrás
Eu quero um amor perfeito
para aliviar meu peito
que por ti já padeceu demais (ai, demais...)

Agora tens o mundo aos teus pés
a caminhar
Cansei-me de sofrer,
Cansaste de errar
Eu plantei flor, colhi espinho
Mas agora arranjei outra
para me fazer carinho
Vai pecadora!
_______________________________
Música gravada por Seu Jair (na época Jair Costa) no disco "Roda de samba" (vol. 1), do Conjunto A Voz do Morro (Musidisc, 1965), do qual Jair do Cavaquinho era integrante, ao lado de Paulinho da Viola, Zé Keti, Elton Medeiros, Anescarzinho, Nelson Sargento e José da Cruz. Seu parceiro, Joãozinho, depois do sucesso deste samba ficou conhecido - e passou a assinar - como Joãozinho da Pecadora. Recentemente foi trilha da novela Celebridade, da Rede Globo. Até aparecer o grupo, já era raro os compositores cantarem as próprias músicas, um grupo só de compositores era quase inédito. O disco fez tanto sucesso que mais dois volumes foram lançados.

Vou partir
(Jair do Cavaquinho e Nelson Cavaquinho)

Vou partir
Não sei se voltarei
Tu não me queiras mal
Hoje é carnaval

Partirei para bem longe
Não precisa se preocupar
Só voltarei pra casa
Quando o carnaval acabar, acabar.

Eu e as Flores
(Jair do Cavaquinho / Nelson Cavaquinho)

Quando eu passo
Perto das flores
Quase elas dizem assim:
Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim

A nossa vida é tão curta
Estamos nesse mundo de passagem
Ó meu grande Deus, nosso criador
A minha vida pertence ao senhor.
_______________________________________
Jair e Nelson Cavaquinho foram vizinhos muitos anos, moravam na mesma rua. Fizeram várias parcerias nessa época, muitas permanecendo inéditas até hoje.

Doce na feira
(Jair do Cavaquinho/Altair Costa)

Vendendo doce na feira
Eu vi aquela cabocla
Que há tempos lá na Portela
Andava de boca em boca
Fez sofrer seus companheiros
Com as infiéis conquistas
Tanto fez que tanto fez
Que acabou se apaixonando
Por um volúvel sambista
Assim que eu vi a cabocla
Minha voz emudeceu
Tinha no peito um retrato
O retrato era eu!
(era eu, era eu, era eu!)
_______________________________________
Esta música, lançada no seu primeiro e único disco solo, gravado em 2002, fez sucesso entre as cantoras. Entrou no repertório de Teresa Cristina e foi gravada pela Mônica Salmaso.

Eu te quero
(Jair do Cavaquinho/Colombo)

Eu te quero ainda
Volta ao nosso ninho
Não me acostumo
A viver sozinho
Nosso barracão ficou vazio
Desde quando resolvestes me deixar
A tristeza foi morar comigo
Só por deboche ainda vives a cantar assim
Laialaiá, laialaiá, laialaiá...

Voltei
(Jair do Cavaquinho)

Voltei, voltei
Já chegou quem lhe socorre
Já lhe avisei
Que por falta de amor
Você não morre
Voltei pra matar os desejos seus
Pra não esquecer a quem não me esqueceu
Lhe adoro tanto, criatura
E o nosso amor ainda não morreu

Francamente
(Jair do Cavaquinho / Ari Araújo)

Francamente, eu estou encabulado
Ando triste, preocupado
Sem saber o que fazer do coração
Sei que estou perdidamente apaixonado
Por estes olhos vidrados de amor e de ilusão
Um negro brilho de amor
Num rosto triste, amargurado
Eu deslumbrei quando lhe vi
E me perdi, apaixonado
O teu sorriso juvenil a mim fez enfeitiçado
Não é possível tanto amor me ser negado.

Atraso em meu caminho
(Jair do Cavaquinho / Picolino)

Você foi um atraso em meu caminho
A viver com você, prefiro viver sozinho
Não sinto saudade dos carinhos teus
Sem eles eu vivo bem, graças a Deus
Se vens me pedir perdão eu não vou dar
Vivo bem a minha vida, não quero me atrapalhar

Vai andar!
Eu gostei tanto de você
Muito eu lhe quis, porém não fui feliz
Bem quero lhe dizer
Que me faz mal a tua presença
Vai, vai cumprir tua sentença.

Eu e as rosas
(Jair do Cavaquinho)

As rosas, muitas rosas
Não saem da minha imaginação
É a rosa da saudade
Rosa da esperança, rosa da compreensão
Uma destas rosas
Que mora dentro do meu coração
Rosas, rosas, rosas
Que engalanam o meu jardim
Quem zela por essas rosas
É a rosa que zela por mim

Desgosto profundo
(Jair do Cavaquinho)

Vivo tão sozinho neste mundo
O meu desgosto é profundo
Que nem podem calcular
Ando por aí ao Deus-dará
Não encontro ninguém por mais que eu procure
Que me venha consolar
Sei que todos fogem de mim
Mas me conformo porque o destino é mesmo assim
Não tenho mais prantos para derramar
Por isso eu levo a minha vida a cantar

Esta dor atroz quer sufocar a minha voz
Meu amigo violão inspirou-me esta canção
Para esquecer quem me fez sofrer
Uma grande traição dilacera o coração
Deixa-me cantar para minha dor afogar.

Você não soube ser mulher
(Jair do Cavaquinho)

Você não soube ser mulher
Usaste de má-fé
Querendo me trair
Por não saber dar valor você padece
Quem lhe faz o bem você esquece
Sofres por querer o mal
A quem não merece
Antes eu vivia a sofrer
E agora quem sofre é você
Não lastime a sorte
Olha o destino como é
Já lhe disse que a vida
Não é como a gente quer.

Cabelos Brancos
(Jair do Cavaquinho/Jandyr/Ari Araújo)

Quando os cabelos brancos em silêncio dizem mais
O corpo já não tem aquela mesma agilidade
O rosto já marcado se revela no espelho
Você está mais velho
As mulheres já não têm aquele mesmo interesse
Em seus sonhos só saudades
Alguns velhos endereços
Outros tantos esquecidos
É a vida que anoitece
Você está mais velho

Soltaram minha boiada
(Jair do Cavaquinho / Altair Costa)

Soltaram minha boiada
Campeiro, de madrugada você vai procurar
Se não encontrar nenhum
Que conta você vai dar?
Não vou lhe mandar prender
Mas tens que me pagar
Dinheiro você não tem
És pobre, trabalhador
Se não tem com o que pagar
Pra quê que procurou?

Roda de samba
(Jair do Cavaquinho/Clebinho)

Em roda de samba, meu bem
Eu sempre fui amarrado
Ouço bons versos no samba rasgado
Me proporcionam alegria sem fim
Se entro no samba esqueço da vida
Se vão meus deveres no meio de bambas
Eu sinto prazer e esqueço os problemas
Que afligem a mim
Do samba eu não deixo
Nem que me dê ouro ou muito dinheiro
Pois eu vivo assim de janeiro a janeiro
Assim vou morrer, Deus permita que sim
Pois tenho certeza que fazendo assim
Muita gente censura
Mas não sabem eles
Oh! Quanta doçura
Que existe no samba em fazer feliz.

Adeus palhaço
(Jair do Cavaquinho / Altair Costa)

Você viu Colombina?
Sumiu! Sumiu!
Já publiquei no jornal
Pra saber seu paradeiro
Ninguém viu!
Não sei qual a razão
Por que Colombina me traiu
Tenho a procurado como um louco
Meu Deus, o que foi que aconteceu?
Os meus sofrimentos não são poucos
Por que Colombina levou o que era meu
Ainda me deixou um bilhetinho:
Adeus palhaço, vou embora com o Pierrô

Acorda, negro velho
(Jair do Cavaquinho / Altair Costa)

Acorda, negro velho
(Acorda, negro velho)
Tanto tempo que passou
E ninguém lembrou de você
Só eu

Negro velho na fazenda
Na lavoura trabalhando
Quando chegou o cativo
Teu senhor tá te chamando
Lá vai negro velho
(Lá vai negro velho)

O castigo do negro era triste
O castigo do negro era triste
Era de doer o coração (coração)
Enquanto gemia no tronco
Enquanto gemia no tronco
Os outros ajoelhavam no chão (sobre o chão)
Imploravam o seu perdão
Santo Deus tenha dele dó, compaixão
Ê, ê, ê, ê, ê
Ê, ê, ê, ê, á
E a voz da Princesa
No espaço ecoava
Enquanto os negros cantavam assim

Salve a liberdade, ah
Salve a liberdade,
Povo dessa cidade
Salve a liberdade, ah.