Conteúdo do Blig - meu ex-blog - 1
Publico aqui parte do conteúdo do meu falecido blog, o Coisas Nossas. Ele ainda está no ar, é possível ler os comentários desses posts e também ver as várias fotos. Mas como não confio no ig, achei melhor garantir e republicar tudo aqui. Abaixo o que escrevi entre janeiro e setembro de 2004 (com pequenas mudanças e atualizações).
26/09/2004 18:54
Discos da semana
Ouvi muito Jacob do Bandolim e Riachão, compositor baiano que eu tive a honra de acompanhar na sexta passada. Que fôlego, gente, que arraso. Riachão tem mais fôlego que a nossa banda toda, é mesmo impressionante. Ele é o máximo.
31/08/2004 12:13
Eduardo Gudin
Ele é um dos meus compositores prediletos aqui de SP.
Tem treze discos gravados, mas a maioria não foi lançada em CD. Eu poderia ficar horas aqui falando sobre suas músicas, lindas, seus discos, impecáveis, mas não há tempo. Então vou colocar um link para o site dele, não deixem de visitar. E algumas poucas letras, só para homenageá-lo, quando eu estiver com mais tempo vou escrever muitas outras. Detalhe importante: Gudin é um dos donos do famoso e tradicional Bar do Alemão, na Av. Antártica, nas Perdizes (SP). Altas rodas estão acontecendo ali. Gudin é um luxo!!!!!!
Ainda Mais
Eduardo Gudin/ Paulinho da Viola
Foi como tudo na vida
Que o tempo desfaz
Quando menos se quer
Uma desilusão assim
Faz a gente perder a fé
E ninguém é feliz, viu
Se o amor não lhe quer
Mas, enfim
Como posso fingir em pensar em você
Como um caso qualquer
Se entre nós tudo terminou
Eu ainda não sei, mulher
Mas por mim não irei renunciar
Antes de ver o que eu não vi
Em seu olhar
Antes que a derradeira chama que ficou
Não queira mais queimar
Vai
Que toda verdade de um amor
O tempo traz
Quem sabe um dia você volta para mim
E amando ainda mais.
E Lá se Vão Meus Anéis
(Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro)
Lá se vão meus anéis
Diz o refrão
Mas meus dedos são dez
Duas mãos
E a mulher que tu és
Oh, não
Isso não são papéis, não são
Não merece os meus réis de pão
Mete os pés pelas mãos
Todos sabem que o meu coração
É uma casa aberta não sei por quê
Portas e janelas dão pra você
Dão, deram e darão
É porque a chave do meu coração
Somente o teu coração pode abrir
E lá vai meu coração por aí
Mas não perdoa não
E lá se vão meus anéis.
Lá se vão meus anéis
Outros virão
Nas primeiras marés encho as mãos
Mas me pôr aos teus pés
Oh, não
Nem que fosse o que resta então
Nem que virem cruéis os bons
E infiéis os cristãos.
Verde
(Eduardo Gudin/Costa Netto)
Quem
Pergunta por mim
Já deve saber
Do riso no fim
De tanto sofrer
Que eu não desisti
Das minhas bandeiras
Caminhos, trincheiras
Da noite
Eu
Que sempre apostei
Na minha paixão
Guardei um país
No meu coração
Um foco de luz
Seduz a razão
De repente a visão
Da esperança
Quis
Esse sonhador
Aprendiz
De tanto suor
Ser feliz
Num gesto de amor
Meu país
Acendeu a cor
Verde
As matas no olhar
Ver de perto
Ver
De novo um lugar
Ver adiante
Sede de navegar
Verdejantes tempos
Mudança dos ventos
No meu coração.
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18/08/2004 14:12
Ary Barroso
Ah, como eu amo as músicas desse grande compositor e pianista... Vou escrever algumas letras aqui, mas volto em breve pra colocar os detalhes das gravações, pois agora não dá ;-)
Camisa Amarela
(Ary Barroso, 1939)
Encontrei o meu pedaço na avenida de camisa amarela
Cantando a Florisbela, oi
A Florisbela
Convideio-o a voltar pra casa em minha companhia
Exibiu-me um sorriso de ironia
E desapareceu no turbilhão da galeria
Não estava nada bom
O meu pedaço, na verdade, estava bem mamado
Bem chumbado, atravessado
Foi por aí cambaleando
Se acabando num cordão
Com o reco-reco na mão
Mais tarde, o encontrei num café
Zurrapa do Largo da Lapa
Folião de raça
Bebendo o quinto copo de cachaça
Isto não é chalaça...
Voltou às sete horas da manhã
Mas só na quarta-feira
Cantando a Jardineira, oi
A Jardineira
Me pediu, ainda zonzo, um copo d'água com bicarbonato
O meu pedaço estava ruim de fato
Pois caiu na cama e não tirou nem o sapato
Roncou uma semana
Despertou mal-humorado
Quis brigar comigo
Que perigo!
Mas não ligo
O meu pedaço me domina, me fascina, ele é o tal
Por isso não levo a mal
Pegou a camisa
A camisa amarela
Botou fogo nela
Gosto dele assim
Passada a brincadeira
Ele é pra mim
(Meu Senhor do Bonfim!)
Pra Machucar Meu Coração
(Ary Barroso, 1943)
Tá fazendo um ano e meio, amor
Que o nosso lar desmoronou
Meu sabiá, meu violão
E uma cruel desilusão
Foi tudo que ficou
Ficou
Pra machucar meu coração
Quem sabe não foi bem melhor assim
Melhor pra você e melhor pra mim
A vida é uma escola
Onde a gente precisa aprender
A ciência de viver pra não sofrer.
Maria
(Ary Barroso/Luiz Peixoto, 1932)
Maria
O teu nome principia
Na palma de minha mão
E cabe bem direitinho
Dentro do meu coração, Maria
Maria, de olhos claros, cor do dia
Como os de Nosso Senhor
Eu por vê-los tão de perto
Fiquei ceguinho de amor, Maria
No dia, minha querida
Em que juntinhos da vida
Nós dois nos quisermos bem
A noite em nosso cantinho
Hei de chamar-te baixinho
Não hás de ouvir mais ninguém, Maria
Maria, era o nome que eu dizia
Quando aprendi a falar
Da vozinha, coitadinha
Que eu não canso de chorar, Maria
E quando eu morar contigo
Tu hás de ver que perigo
Que isso vai ser, ai, meu Deus!
Vai nascer todos os dias
Uma porção de Marias
De olhinhos da cor dos teus, Maria
Maria...
No Rancho Fundo
(Ary Barroso/Lamartine Babo, 1931)
No rancho fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da cidade
No rancho fundo
De olhar triste e profundo
Um moreno conta as mágoas
Tendo os olhos rasos d'água
Pobre moreno
Que de tarde no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo o cigarro por companheiro
Sem um aceno
Ele pega da viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal desse moreno
No rancho fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria
Nem de noite nem de dia
Os arvoredos já não contam mais segredos
E a última palmeira já morreu na cordilheira
Os passarinhos internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza
Enche de trevas a natureza
Tudo por quê? Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno
Para uma casa de sapê
Se Deus soubesse
Da tristeza lá serra
Mandaria lá pra cima
Todo o amor que há na Terra
Porque o moreno vive louco de saudade
Só por causa do veneno
Das mulheres da cidade
Ele que era o cantor da primavera
Que até fez do rancho fundo
O céu maior que tem no mundo
O sol queimando
Se uma flor lá desabrocha
A montanha vai gelando lembrando o aroma da cabrocha.
Tu
(Ary Barroso, 1934)
Teu olhar é um sonho azul
Teu sorriso, uma promessa louca
Teus lábios, duas jóias de coral
No engaste sensual de tua boca
O mais lindo luar, tu
A grandeza do mar, tu
Só te quero a ti
Só te vejo a ti
Só palpito por ti
És minha vida, querida!
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08/08/2004 23:55
Escola Portátil de Música
Há umas três semanas estive em Vassouras, no Rio de Janeiro, para participar de uma oficina de Choro promovida pela Escola Portátil de Música.
A oficina foi emocionante. Não posso deixar passar em branco, tenho que registrar aqui o sucesso deste evento. Parabéns aos incansáveis Luciana Rabello e Maurício Carrilho que, além do trabalho exemplar que fazem na Acari, única gravadora especializada em choro, também estão à frente deste projeto, ao lado de grandes parceiros, como a pesquisadora e violonista Anna Paes, o bandolinista Pedro Aragão, dentre outros.
As aulas aconteceram numa escola pública e foram estimulantes, o dia todo, não dava vontade de parar. Os alunos estavam animadíssimos. A organização do evento – que coube, se não me engano, à Sarau Produções, foi impecável. Fiquei num hotel maravilhoso, com preço muuuito acessível, graças à parceria da Escola Portátil de Música com os hotéis da região. Um caderno da Oficina de Choro era distribuído a todos os alunos, contendo diversas partituras e um CD. Um ótimo material, nos moldes dos belos cadernos de choro lançados pela Acari. Ah, sim, e ganhamos uma camiseta também. É importante lembrar que tudo isso só foi possível graças à El Paso, empresa que patrocinou toda a oficina.
Quero fazer um apelo à Elpaso: por favor, traga esta oficina para São Paulo. Quem sabe vocês não conseguem uma parceria com alguma unidade do Sesc São Paulo? Este trabalho é exemplar, maravilhoso, e tem que ser divulgado por todo o Brasil.
A simpatia de todos os professores, em sua maioria com suas famílias (namorados (as), maridos, esposas, filhos, pais, mães), merece destaque. Foram 4 dias de atividades intensas, fico pensando: quantos alunos que conheci lá não vão se profissionalizar?
No último dia, os professores organizaram uma orquestra, cheguei a chorar de emoção. Adolescentes tocando clarinete, sax, baixo, violino, etc. Foi muuuito prazeroso participar e assistir de perto o trabalho destes mestres, em especial do Celsinho Silva, "meu" professor de pandeiro. Isso sem contar os diversos amigos que fiz, alunos e professores da Oficina de Choro no Rio, pessoas que adorei conhecer.
Quero agradecer a todos pelo carinho e pela iniciativa. El Paso, tomara que várias empresas brasileiras sigam seu exemplo. Parabéns!!!!!!!
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01/08/2004 20:43
No Ar: PRK-30
Já comentei aqui sobre o excelente livro de Paulo Perdigão: No Ar, PRK-30, lançado no ano passado (que traz dois cds), que fala sobre "o mais famoso programa de humor da era do rádio", feito por Castro Barbosa e Lauro Borges. Vou trascrever aqui alguns trechos, mas já aviso que não tem o mesmo efeito de ouvir os programas:
"Hora da Ginástica"
Professor Reinaldo Muniz Magalhães (Lauro Borges): "Vamos fazer agora o exercício 333.333 vírgula 3. Olhem bem na gravura. Todos de cócoras com os pés pra cima. Isso! Vamos dar 50 pulos pra frente. Assim, assim, assim... Respirando somente pela boca e pelo ouvido esquerdo. Agora, quero ver todos marchando ao som desta bonita valsa vienense. (Piano toca Pirata da Perna de Pau). Vamos marchar com alegria. Um, dois, um dois, três, quatro, 47, 52... Alto! Agora respirem com força, para fora. O senhor aí, de casaca amarela, não respire com tanta força! Pode faltar ar para os outros. Não seja egoísta!"
"Agora, todos de quatro no chão para o exercício chamado de 'cachorrinho'. Isso! Levante a perninha direita, abaixe a perninha direita, levante a perninha direita..."
Megatério: "Um momento, professor, mas esse 'cachorrinho' só levanta a perninha direita por quê?"
Professor: "É porque ele é canhoto. Vamos ao exercício chamado 'saca-rolha', que é feito com ajuda de uma pessoa da família. Um: pegue a pessoa e vá torcendo seu pescoço com toda a força para a direita, assim como a gente torce o pescoço de um frango. Vá torcendo até estalar. Segure firme. Não se incomode com os olhos da pessoa, que ficam espichados como sapo-boi. Não solte. Depois, sim, a cara do parceiro já deve estar meio estúpida. Se ele desmaiar, não se preocupe: um balde d'água pode ser que faça a pessoa voltar a si outra vez. Este exercício é ótimo. Facilita a gente virar a cabeça por todas as posições e dar três ou quatro voltas completas ao redor do corpo."
Megatério: "Isso é que é conforto! A gente se vê por todos os lados sem espelho. Uma maravilha!"
Professor: "Passemos ao exercício que se intitula 'boa bola'. É um exercício só para homens, porque é um pouco pesado, violento. Atenção! Os senhores ginasticistas devem fazer esse exercício completamente vestidos, de calça, colete, paletó, gravata, como se fossem sair. Vamos começar! Primeiro, passem a perna esquerda por cima da cabeça e enfiem o pé direito no bolso traseiro do lado esquerdo da calça. Isso! Faça força que vai! Agora, pegue o pé que sobrou e faça a mesma coisa com ele: enfie-o no bolso traseiro da calça que está vazio. Meu amigo: você está quase redondinho, você está quase uma bola! Só sua cabeça que está atrapalhando! Pegue sua cabeça e enfie-a no bolso do colete. Isso! Agora, você é capaz de ir rolando até a porta do seu escritório, da sua repartição, de sua fábrica, sem gastar dinheiro, sem perder tempo esperando condução. Chegando lá, você desmancha essa bola e vai trabalhar disposto, alegre, satisfeito."
"Deitem-se agora de costas para o chão e levantem as perninhas pra cima, como se fossem um franguinho assado de confeitaria. Agora vamos dar um forte impulso pra cima, subir uns três ou quatro metros de altura e, ao cair, vamos todos plantar uma bananeira de cabeça pra baixo. Atenção, já! Isso! Gostei de ver! Dizem que todo homem deve ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. E assim, com esse exercício, você, meu ouvinte, já cumpriu uma dessas missões plantando uma bananeira."
"Agora, abram bem os braços pra trás. Levante o calcanhar esquerdo e coloque-o debaixo do sovaco do mesmo lado. Não saia dessa posição nem que um marimbondo lhe morda a ponta do nariz! Atenção aí: o senhor, de calção rasgado, não fuja. Encoste-se na parede e faça seu exercício. Todos firmes! Posição de sentido! Levante um pé acima da cabeça. Agora levante o outro. ( Ruído) Ih, desculpem. Rasguei o calção!"
Megatério: "Amigos ouvintes, pausa para mudar o calção."
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11/07/2004 21:49
Mônica Salmaso
Ganhei da minha querida 'boadrasta' o belíssimo Iaiá, finalmente. Está muito lindo. A música que eu mais gostei (por enquanto ;-) é a regravação de Vingança, com acordeon e arranjo de Toninho Ferragutti e clarinete, sax alto e arranjo de sopros de Proveta:
Vingança
(Francisco Mattoso e José Maria de Abreu)
Lá na beira do roçado,
Onde a tristeza não vem
Eu vivia sossegado
Com a viola do meu lado
Mais feliz do que ninguém
Numa festa no arraiá
Vi dois óio me olhá
Decidi no improviso,
Ela me deu um sorriso
E comigo foi morar
Nunca mais fui cantador
E a viola descansou
Eu vivia pra cabocla
Eu vivia pra cabocla
Só pensava em meu amor
Nunca fui feliz assim
Eu mesmo disse pra mim
Pensei que a felicidade
Pensei que a felicidade
Não pudesse ter um fim
Mas um dia a malvada
Foi-se embora e me esqueceu
Com um caboclo decidido
Juca Antônio conhecido
Cantador mais do que eu
Já cansado de esperar
Desisti de procurar
A cabocla que um dia
Levou minha alegria
Eu jurei de me vingar
Numa festa fui cantar
E a mulata tava lá
Juro por Nossa Senhora
Juro por Nossa Senhora
Que a cabocla eu quis matar
Mas fiquei sem respirar
Quando vi ela dançar
Ela tava tão bonita
Ela tava tão bonita
Que esqueci de me vingar.
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Gravada originalmente em 1935 por Gastão Formenti e Orchestra Victor Brasileira, lançada em 1936. A gravação original é bonita, mas esta regravação está um primor.
Outra que amei:
Cabrochinha
(Maurício Carrilho e Paulo César Pinheiro)
Ô, cabrochinha
Venha ver quem chegou
Chegou no bico do sapato
O seu mulato flozô
Bota um vestido curto
Aquele justo lilás
Que tem um corte do lado
E um decote atrás
Dei sorte na loteca
E uma merreca pintou
Repara só na beca
Que o teu nego comprou
Vou te levar pra jantar
Cabrochinha, dessa vez
Num restaurante francês
Mas "sivuplé", ô, "messiê" garçon
Leva o menu que eu não entendo lhufas
Eu vou pedir esse Don Perignon
Um escargot e um filet com trufas
Depois daquela sobremesa que flamba
A gente volta pro samba
A gente encerra o glamour
No fim da noite um bangalô
Penhoar e um abajur
Pra gente fazer l'amour
L'amour toujour.
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Também excelente. Já conhecia a gravação da Família Roitman.
Sinhazinha (Despertar)
(Chico Buarque)
Tá na hora de acordar, sinhazinha
Que tem muito o que fazer
Tem cabeça pra tratar
Tem que ler caderno B
Hora no homeopata
Fita no vídeo-clube
Tá na hora de acordar
Tem a vida pra viver
Tem convite pra dançar
Telefone pra você
Namorado pra brigar
Vinho branco pra esquecer
Tá na hora de acordar, sinhazinha
Eu não chamo uma outra vez
Que tem búzio pra jogar
Tem massagem no chinês
Instituto de ioga
Coleção nas vitrines
Tá na hora de acordar
Tá na idade de querer
Namorado pra casar
Casamento pra sofrer
A cabeça pra dançar
E a vontade de morrer
Disco novo pra rodar
Vinho branco pra esquecer.
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Um belo arranjo e piano de André Mehmari. Sinhazinha já foi gravada por Djavan no lp Para Viver um Grande Amor.
Vai (Menina Amanhã de Manhã)
(Tom Zé e Perna)
Menina amanhã de manhã
Quando a gente acordar quero te dizer
Que a felicidade vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens
Na hora ninguém escapa
Debaixo da cama, ninguém se esconde
A felicidade vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens
Menina, ela mete medo
Menina ela fecha a roda
Menina não tem saída
De cima, de banda ou de lado
Menina olhe pra frente
Menina, todo cuidado
Não queira dormir no ponto
Segure o jogo, atenção de manhã
Menina a felicidade
É cheia de praça, é cheia de traça
É cheia de lata, é cheia de graça
Menina a felicidade
É cheia de pano, é cheia de pena
É cheia de sino, é cheia de sono
Menina a felicidade
É cheia de ano, é cheia de Eno
É cheia de hino, é cheia de ONU
Menina a felicidade
É cheia de an, é cheia de en
É cheia de in, é cheia de on
Menina a felicidade
É cheia de a, é cheia de é
É cheia de i, é cheia de ó.
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Esta música é muito alto astral. Foi gravada por Tom Zé no lp Estudando o Samba e pelo Trio Mafuá.
As demais músicas do CD são: Estrela de Oxum (Rodolfo Stroeter e Joyce), Moro na Roça (adapt. de Xangô da Mangueira e Zagaia), Por toda a minha vida, (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), Assum branco (José Miguel Wisnik), Cidade lagoa, (Sebastião Fonseca e Cícero Nunes), Doce na feira (Jair do Cavaquinho e Altair Costa), Onde ir (Vanessa da Mata), É doce morrer no mar (Dorival Caymmi) e Na aldeia (Sílvio Caldas, De Chocolat e Carusinho).
Grandes músicos participam deste CD, vou citar só alguns, além dos já citados, pra vcs sentirem o clima: Maurício Carrilho, Luciana Rabello, Robertinho Silva, Celsinho Silva, Teco Cardoso, Jorginho Silva, Paulo Bellinati, Benjamim Taubkin, Sujeito a Gincho, Teresa Cristina, Caíto Marcondes, etc.
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Ontem ouvi um disco que há muitos, muitos anos estava fora da minha vitrola: Miltons , do Milton Nascimento. Que delícia. O solo de piano de Herbie Hancock na música San Vicente é um absurdo. Como pude ficar tantos anos sem ouvir essa maravilha eu não sei. Além de Fruta Boa, do Milton com o Fernando Brant, que eu amo loucamente, tenho que citar Sem Fim, pérola do Novelli e do Cacaso:
Quando me larguei
Lá de onde eu vim
Chão de sol a sol
Ramo de alecrim
Paletó de brim
Tempo tão veloz
Não chamei meu pai
Minha mãe não viu
Desgarrei de nós
Quando dei por mim
Um sertão sem fim
Pelo meu redor
Coração, não deixe de bater
Quando o meu amor
Disse adeus pra mim
Eu perdi a voz
Quis dizer que sim
Mas me desavim
E fiquei menor
Não achei meu pai
Minha mãe saiu
Me senti tão só
Procurei por mim
Um desvão sem fim
Pelo meu redor
Coração, não deixe de bater.
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01/07/2004 02:57
Chico Buarque (19/6/1944)
Seu aniversário já passou, mas nunca é tarde para homenageá-lo. Vou postar aqui algumas músicas dele que eu adoro. Na verdade eu gosto de todas, e cheguei à conclusão de que é impossível "fechar" um repertório do Chico. Mas tentei e aqui está uma pequena seleção por ordem cronológica. Vale citar que tirei boa parte das letras do excelente sítio do Chico
Tem Mais Samba
(Chico Buarque/1964)
Tem mais samba no encontro que na espera
Tem mais samba a maldade que a ferida
Tem mais samba no porto que na vela
Tem mais samba o perdão que a despedida
Tem mais samba nas mãos do que nos olhos
Tem mais samba no chão do que na lua
Tem mais samba no homem que trabalha
Tem mais samba no som que vem da rua
Tem mais samba no peito de quem chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer
Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver.
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Este samba foi composto para o musical Balanço de Orfeu, de Luiz Vergueiro.
"O personagem principal, Chico Buarque de Hollanda, já não se lembra da história. Mas o publicitário Luiz Vergueiro, que dela participou, conservou-a em detalhes na memória. Ele era o produtor de um musical, Balanço de Orfeu, e a estréia, no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo, estava marcada para o dia 7 de dezembro de 1964. Dois dias antes, impaciente, Luiz esperava pela música que havia encomendado a seu amigo Chico e da qual, em boa medida, dependeria o sucesso da noitada. A primeira parte do show, Na onda do balanço, seria como um diálogo entre a Bossa Nova e a nascente Jovem Guarda, na qual muitos viam inquietante ameaça à música brasileira. De um lado, o jovem cantor Taiguara, de outro, uma cantora que acabaria não seguindo carreira, Claudia Gennari. Ele "engajado", ela "alienada", conforme o imperioso jargão da época. No final, previsivelmente, triunfaria a Bossa Nova - e, para que não pairasse dúvida, a moral da história seria resumida numa canção, a tal encomendada a Chico, a ser cantada por todos os participantes do espetáculo.
Pelas sete da noite daquela quarta-feira, aparece o compositor. Um desastre, constatou Luiz Vergueiro: a música (que se perdeu ali mesmo, para sempre) não era ruim, mas não servia - não passava a mensagem pretendida. Isso foi dito a Chico, que saiu furioso. No dia seguinte, véspera da estréia, às dez da manhã, o produtor o vê chegar outra vez, "com os olhos vermelhos pela noite em claro e um tremendo bafo de cana" - e uma canção ainda quentinha no violão. Era Tem mais samba, que muitos anos mais tarde Chico escolheria para ser o marco zero de sua obra, e que poderia ser tomada, também, como ilustração de uma das constantes em seu trabalho: a criação por encomenda (aquela foi a primeira), contra o relógio mas nunca em prejuízo da beleza e do prazer de criar."
© Copyright Humberto Werneck in Chico Buarque Letra e Música, Cia da Letras, 1989.
Desencontro
(Chico Buarque/1965)
A sua lembrança me dói tanto
Que eu canto pra ver
Se espanto esse mal
Mas só sei dizer
Um verso banal
Fala em você
Canta você
É sempre igual
Sobrou desse nosso desencontro
Um conto de amor
Sem ponto final
Retrato sem cor
Jogado aos meus pés
E saudades fúteis
Saudades frágeis
Meros papéis
Não sei se você ainda é a mesma
Ou se cortou os cabelos
Rasgou o que é meu
Se ainda tem saudades
E sofre como eu
Ou tudo já passou
Já tem um novo amor
Já me esqueceu.
Lua Cheia
(Toquinho/Chico Buarque/1965)
Ninguém vai chegar do mar
Nem vai me levar daqui
Nem vai calar minha viola
Que desconsola, chora notas
Pra ninguém ouvir
Minha voz ficou na espreita, na espera
Quem dera abrir meu peito
Cantar feliz
Preparei para você uma lua cheia
E você não veio
E você não quis
Meu violão ficou tão triste, pudera
Quisera abrir janelas
Fazer serão
Mas você me navegou
Mares tão diversos
E eu fiquei sem versos
E eu fiquei em vão.
Com Açúcar, Com Afeto
(Chico Buarque/1966)
Com açúcar, com afeto
Fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa
Qual o quê
Com seu terno mais bonito
Você sai, não acredito
Quando diz que não se atrasa
Você diz que é operário
Vai em busca do salário
Pra poder me sustentar
Qual o quê
No caminho da oficina
Há um bar em cada esquina
Pra você comemorar
Sei lá o quê
Sei que alguém vai sentar junto
Você vai puxar assunto
Discutindo futebol
E ficar olhando as saias
De quem vive pelas praias
Coloridas pelo sol
Vem a noite e mais um copo
Sei que alegre ma non troppo
Você vai querer cantar
Na caixinha um novo amigo
Vai bater um samba antigo
Pra você rememorar
Quando a noite enfim lhe cansa
Você vem feito criança
Pra chorar o meu perdão
Qual o quê
Diz pra eu não ficar sentida
Diz que vai mudar de vida
Pra agradar meu coração
E ao lhe ver assim cansado
Maltrapilho e maltratado
Ainda quis me aborrecer
Qual o quê
Logo vou esquentar seu prato
Dou um beijo em seu retrato
E abro os meus braços pra você.
Carolina
(Chico Buarque/1967)
Carolina
Nos seus olhos fundos
Guarda tanta dor
A dor de todo esse mundo
Eu já lhe expliquei que não vai dar
Seu pranto não vai nada mudar
Eu já convidei para dançar
É hora, já sei, de aproveitar
Lá fora, amor
Uma rosa nasceu
Todo mundo sambou
Uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo
Pela janela, ói que lindo
Mas Carolina não viu
Carolina
Nos seus olhos tristes
Guarda tanto amor
O amor que já não existe
Eu bem que avisei, vai acabar
De tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar
Agora não sei como explicar
Lá fora, amor
Uma rosa morreu
Uma festa acabou
Nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela
O tempo passou na janela
Só Carolina não viu.
Januária
(Chico Buarque/1967)
Toda gente homenageia
Januária na janela
Até o mar faz maré cheia
Pra chegar mais perto dela
O pessoal desce na areia
E batuca por aquela
Que, malvada, se penteia
E não escuta quem apela
Quem madruga sempre encontra
Januária na janela
Mesmo o sol quando desponta
Logo aponta os lados dela
Ela faz que não dá conta
De sua graça tão singela
O pessoal se desaponta
Vai pro mar levanta vela.
Um Chorinho
(Chico Buarque/1967)
Ai, o meu amor, a sua dor, a nossa vida
Já não cabem na batida
Do meu pobre cavaquinho
Quem me dera
Pelo menos um momento
Juntar todo sofrimento
Pra botar nesse chorinho
Ai, quem me dera ter um choro de alto porte
Pra cantar com a voz bem forte
E anunciar a luz do dia
Mas quem sou eu
Pra cantar alto assim na praça
Se vem dia, dia passa
E a praça fica mais vazia
Vem, morena
Não me despreza mais, não
Meu choro é coisa pequena
Mas roubado a duras penas
Do coração
Meu chorinho
Não é uma solução
Enquanto eu cantar sozinho
Quem cruzar o meu caminho, não pára não
Mas não faz mal
E quem quiser que me compreenda
Até que alguma luz acenda, este meu canto continua
Junto meu canto a cada pranto, a cada choro
Até que alguém me faça coro pra cantar na rua.
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Composto para o filme Garota de Ipanema, de Leon Hirszman
Até pensei
(Chico Buarque/1968)
Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caía
Toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade
Morava tão vizinha
Que, de tolo
Até pensei que fosse minha
Junto a mim morava minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me vinha
Eu andava pobre
Tão pobre de carinho
Que, de tolo
Até pensei que fosses minha
Toda a dor da vida
Me ensinou essa modinha
Que, de tolo
Até pensei que fosse minha.
Benvinda
(Chico Buarque/1968)
Dono do abandono e da tristeza
Comunico oficialmente
Que há lugar na minha mesa
Pode ser que você venha
Por mero favor
Ou venha coberta de amor
Seja lá como for
Venha sorrindo, ai
Benvinda, benvinda, benvinda
Que o luar está chamando
Que os jardins estão florindo
Que eu estou sozinho
Cheio de anseios e esperança
Comunico a toda a gente
Que há lugar na minha dança
Pode ser que você venha
Morar por aqui
Ou venha pra se despedir
Não faz mal
Pode vir até mentindo, ai
Benvinda, benvinda, benvinda
Que o meu pinho está chorando
Que o meu samba está pedindo
Que eu estou sozinho
Venha iluminar meu quarto escuro
Venha entrando como o ar puro
Todo novo da manhã
Venha minha estrela madrugada
Venha minha namorada
Venha amada
Venha urgente
Venha irmã
Benvinda, benvinda, benvinda
Que essa aurora está custando
Que a cidade está dormindo
Que eu estou sozinho
Certo de estar perto da alegria
Comunico finalmente
Que há lugar na poesia
Pode ser que você tenha
Um carinho para dar
Ou venha pra se consolar
Mesmo assim pode entrar
Que é tempo ainda, ai
Benvinda, benvinda, benvinda
Ah, que bom que você veio
E você chegou tão linda
Eu não cantei em vão
Benvinda, benvinda, benvinda, benvinda, benvinda
No meu coração.
________________________
Não é demais??? Benvinda participou do IV Festival de MPB da TV Record, em dezembro de 1968, e ganhou primeiro lugar no júri popular.
Pois é
(Tom Jobim/Chico Buarque/1968)
Pois é
Fica o dito e o redito por não dito
E é difícil dizer que foi bonito
É inútil cantar o que perdi
Taí
Nosso mais-que-perfeito está desfeito
E o que me parecia tão direito
Caiu desse jeito sem perdão
Então
Disfarçar minha dor eu não consigo
Dizer: somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim
Enfim
Hoje na solidão ainda custo
A entender como o amor foi tão injusto
Pra quem só lhe foi dedicação
Pois é, e então...
Sabiá
(Tom Jobim/Chico Buarque/1968)
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer.
_______________________
Foi composta para a soprano Maria Lúcia Godoy e antes de ter letra se chamou Gávea (retirado de Chico Buarque, letra e música). Interpretada por Cynara e Cybele, ganhou primeiro lugar no III FIC (Festival Internacional da Canção), em setembro de 1968. Mas foi recebida com vaias pelo público, que a comparou com a segunda colocada do mesmo festival, Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, do engajado Geraldo Vandré: "Sabiá era vista como uma canção desvinculada da realidade nacional. A pouca gente, naquele instante de exaltação, ocorreu torná-la como uma nova e premonitória Canção do Exílio." (retirado de Chico Buarque, letra e música).
Tantas vezes lembrada em nossa literatura, a "Canção do Exílio" (Gonçalves Dias, 1843) serviu de base para outros poemas que surgiram depois tratando do mesmo tema. De acordo com Gilberto Vasconcelos em seu livro Música Popular: De Olho na Fresta, Sabiá retoma o emblema característico da exaltação à terra, porém ao avesso, numa perspectiva invertida e pontilhada de negatividade: 'vou deitar à sombra de uma palmeira que já não há/colher a flor que já não dá'".
"Pressões das autoridades sobre os organizadores do festival impediram a vitória da grande favorita (Pra não dizer que não falei das flores) do poeta paraibano e sua apresentação foi emocionante, com o povo cantando num clima que tinha tanto a ver com injustiça musical quanto com o momento político. Cynara e Cybele foram impedidas de bisar a primeira colocada. Confusa estava a imagem de Chico Buarque, pois o público não entendera sua mensagem, que na canção fazia uma crítica à problemática nacional num proposto auto-exílio e (...) falava de sua pátria através dos símbolos sabiá, palmeira e flor." (retirado do livro Poesia e política nas canções de Bob Dylan e Chico Buarque, de Lígia Viera César).
Retrato em Branco e Preto
(Tom Jobim/Chico Buarque/1968)
Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar, tanto pior
O que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto
E que no entanto
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes velhos fatos
Que num álbum de retrato
Eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado
E você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração.
Samba e Amor
(Chico Buarque/1969)
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã
De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar
No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?
Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã.
Apesar de Você
(Chico Buarque/1970)
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal...
Desalento
(Chico Buarque/Vinicius de Moraes/1970)
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos.
Atrás da Porta
(Francis Hime/Chico Buarque/1972)
Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei
Sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito (Nos teus pêlos)*
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que inda sou tua
Só pra provar que inda sou tua...
_______________________
* verso original vetado pela censura
Cala a Boca, Bárbara
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972/1973)
Ele sabe dos caminhos
Dessa minha terra
No meu corpo se escondeu
Minhas matas percorreu
Os meus rios
Os meus braços
Ele é o meu guerreiro
Nos colchões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai
Cala a boca - Olha o fogo
Cala a boca - Olha a relva
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Ele sabe dos segredos
Que ninguém ensina
Onde guardo o meu prazer
Em que pântanos beber
As vazantes, as correntes
Nos colchões de ferro
Ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai
Cala a boca - Olha a noite
Cala a boca - Olha o frio
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara.
______________________
Composta para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
Tatuagem
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972-1973)
Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava
Quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço
Quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva
Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes.
_______________________
Composta para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
Tira as Mãos de Mim
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972-1973)
Ele era mil
Tu és nenhum
Na guerra és vil
Na cama és mocho
Tira as mãos de mim
Põe as mãos em mim
E vê se o fogo dele
Guardado em mim
Te incendeia um pouco
Éramos nós
Estreitos nós
Enquanto tu
És laço frouxo
Tira as mãos de mim
Põe as mãos em mim
E vê se a febre dele
Guardada em mim
Te contagia um pouco.
______________________
Composta para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
Você Vai me Seguir
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972-1973)
Você vai me seguir
Aonde quer que eu vá
Você vai me servir
Você vai se curvar
Você vai resistir
Mas vai se acostumar
Você vai me agredir
Você vai me adorar
Você vai me sorrir
Você vai se enfeitar
E vem me seduzir
Me possuir, me infernizar
Você vai me trair
Você vem me beijar
Você vai me cegar
E eu vou consentir
Você vai conseguir
Enfim, me apunhalar
Você vai me velar
Chorar, vai me cobrir
E me ninar.
Fado Tropical
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972-1973)
Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além da sífilis, é claro)*
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar,
Esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial.
____________________________
Composta para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
* trecho original, vetado pela censura
Vai Levando
(Caetano Veloso/Chico Buarque/1975)
Mesmo com toda a fama
Com toda a brahma
Com toda a cama
Com toda a lama
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando essa chama
Mesmo com todo o emblema
Todo o problema
Todo o sistema
Toda Ipanema
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando essa gema
Mesmo com o nada feito
Com a sala escura
Com um nó no peito
Com a cara dura
Não tem mais jeito
A gente não tem cura
Mesmo com o todavia
Com todo dia
Com todo ia
Todo não ia
A gente vai levando
A gente vai levando
Vai levando
Vai levando essa guia.
_______________________
Do lp Chico Buarque & Maria Bethânia ao Vivo
João e Maria
(Sivuca/Chico Buarque/1977)
Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você
Além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock
Para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigada a ser feliz
E você era a princesa
Que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo
Sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim.
Se eu Fosse o teu Patrão
(Chico Buarque, 1977-1978)
Os homens cantam: Eu te adivinhava
E te cobiçava
E te arrematava em leilão
Te ferrava a boca, morena
Se eu fosse o teu patrão
Ai, eu te tratava
Como uma escrava
Ai, eu não te dava perdão
Te rasgava a roupa, morena
Se eu fosse o teu patrão
Eu te encarcerava
Te acorrentava
Te atava ao pé do fogão
Não te dava sopa, morena
Se eu fosse o teu patrão
Eu te encurralava
Te dominava
Te violava no chão
Te deixava rota, morena
Se eu fosse o teu patrão
Quando tu quebrava
E tu desmontava
E tu não prestava mais, não
Eu comprava outra morena
Se eu fosse o teu patrão
As mulheres cantam: Pois eu te pagava direito
Soldo de cidadão
Punha uma medalha em teu peito
Se eu fosse o teu patrão
O tempo passava sereno
E sem reclamação
Tu nem reparava, moreno
Na tua maldição
E tu só pegava veneno
Beijando a minha mão
Ódio te brotava, moreno
Ódio do teu irmão
Teu filho pegava gangrena
Raiva, peste e sezão
Cólera na tua morena
E tu não chiava não
Eu te dava café pequeno
E manteiga no pão
Depois te afagava, moreno
Como se afaga um cão
Eu sempre te dava esperança
De um futuro bão
Tu me idolatrava, criança
Se eu fosse o teu patrão.
____________________
Composta para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
Tango do Covil
(Chico Buarque/1977-1978)
Ai, quem me dera ser cantor
Quem dera ser tenor
Quem sabe ter a voz
Igual aos rouxinóis
Igual ao trovador
Que canta os arrebóis
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Deixa eu cantar tua beleza
Tu és a mais linda princesa
Aqui deste covil
Ai, quem me dera ser doutor
Formado em Salvador
Ter um diploma, anel
E voz de bacharel
Fazer em teu louvor
Discursos a granel
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Tu és a dama mais formosa
E ouso dizer a mais gostosa
Aqui deste covil
Ai, quem dera ser garçom
Ter um sapato bom
Quem sabe até talvez
Ser um garçom francês
Falar de champinhom
Falar de molho inglês
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
És tão graciosa e tão miúda
Tu és a dama mais tesuda
Aqui deste covil
Ai, quem me dera ser Gardel
Tenor e bacharel
Francês e rouxinol
Doutor em champinhom
Garçom em Salvador
E locutor de futebol
Pra te dizer febril
Bem-vinda
Tua beleza é quase um crime
Tu és a bunda mais sublime
Aqui deste covil.
_____________________
Composta para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
A Rosa
(Chico Buarque/1979)
Arrasa o meu projeto de vida
Querida, estrela do meu caminho
Espinho cravado em minha garganta
Garganta
A santa às vezes troca meu nome
E some
E some nas altas da madrugada
Coitada, trabalha de plantonista
Artista, é doida pela Portela
Ói ela
Ói ela, vestida de verde e rosa
A Rosa garante que é sempre minha
Quietinha, saiu pra comprar cigarro
Que sarro, trouxe umas coisas do Norte
Que sorte
Que sorte, voltou toda sorridente
Demente, inventa cada carícia
Egípcia, me encontra e me vira a cara
Odara, gravou meu nome na blusa
Abusa, me acusa
Revista os bolsos da calça
A falsa limpou a minha carteira
Maneira, pagou a nossa despesa
Beleza, na hora do bom me deixa, se queixa
A gueixa
Que coisa mais amorosa
A Rosa
Ah, Rosa, e o meu projeto de vida?
Bandida, cadê minha estrela guia
Vadia, me esquece na noite escura
Mas jura
Me jura que um dia volta pra casa
Arrasa o meu projeto de vida
Querida, estrela do meu caminho
Espinho cravado em minha garganta
Garganta
A santa às vezes me chama Alberto
Alberto
Decerto sonhou com alguma novela
Penélope, espera por mim bordando
Suando, ficou de cama com febre
Que febre
A lebre, como é que ela é tão fogosa
A Rosa
A Rosa jurou seu amor eterno
Meu terno ficou na tinturaria
Um dia me trouxe uma roupa justa
Me gusta, me gusta
Cismou de dançar um tango
Meu rango sumiu lá da geladeira
Caseira, seu molho é uma maravilha
Que filha, visita a família em Sampa
Às pampa, às pampa
Voltou toda descascada
A fada, acaba com a minha lira
A gira, esgota a minha laringe
Esfinge, devora a minha pessoa
À toa, a boa
Que coisa mais saborosa
A Rosa
Ah, Rosa, e o meu projeto de vida?
Bandida, cadê minha estrela guia?
Vadia, me esquece na noite escura
Mas jura
Me jura que um dia volta pra casa.
Eu Te Amo
(Tom Jobim/Chico Buarque/1980)
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás só fazendo de conta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.
O Meu Guri
(Chico Buarque/1981)
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri.
A História de Lily Braun
(Edu Lobo/Chico Buarque/1982)
Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom
Ele me comia
Com aqueles olhos
De comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz
E voltou
Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão
Foi desde então ficando flou
Como no cinema
Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilingüindo toda
Ao som do blues
Abusou do scotch
Disse que meu corpo
Era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale no decote
Disparei com as faces
Rubras e febris
E voltou
No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus
Numa turnê
Como amar esposa
Disse ele que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar
Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz.
__________________
Composta para o balé O grande circo místico
Embarcação
(Francis Hime/Chico Buarque/1982)
Sim, foi que nem um temporal
Foi um vaso de cristal
Que partiu dentro de mim
Ou quem sabe os ventos
Pondo fogo numa embarcação
Os quatro elementos
Num momento de paixão
Deus, eu pensei que fosse Deus
E que os mares fossem meus
Como pensam os ingleses
Mel, eu pensei que fosse mel
E bebi da vida
Como bebe um marinheiro de partida, mel
Meu, eu julguei que fosse meu
O calor do corpo teu
Que incendeia meu corpo há meses
Ar, como eu precisava amar
E antes mesmo do galo cantar
Eu te neguei três vezes
Cais, ficou tão pequeno o cais
Te perdi de vista para nunca mais
Mais, mais que a vida em minha mão
Mais que jura de cristão
Mais que a pedra desse cais
Eu te dei certeza
Da certeza do meu coração
Mas a natureza vira a mesa da razão.
________________________
Gravada originalmente no disco Pau Brasil, de Francis Hime (Somlivre). Mas a minha predileta é a gravação de Zé Luiz Mazziotti.
Beatriz
(Edu Lobo/Chico Buarque/1982)
Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ai, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida.
__________________
Composta para o balé O grande circo místico
A Violeira
(Tom Jobim/Chico Buarque/1983)
Desde menina
Caprichosa e nordestina
Que eu sabia, a minha sina
Era no Rio vir morar
Em Araripe
Topei com o chofer dum jipe
Que descia pra Sergipe
Pro Serviço Militar
Esse maluco
Me largou em Pernambuco
Quando um cara de trabuco
Me pediu pra namorar
Mais adiante
Num estado interessante
Um caixeiro viajante
Me levou pra Macapá
Uma cigana revelou que a minha sorte
Era ficar naquele Norte
E eu não queria acreditar
Juntei os trapos com um velho marinheiro
Viajei no seu cargueiro
Que encalhou no Ceará
Voltei pro Crato
E fui fazer artesanato
De barro bom e barato
Pra mó de economizar
Eu era um broto
E também fiz muito garoto
Um mais bem feito que o outro
Eles só faltam falar
Juntei a prole e me atirei no São Francisco
Enfrentei raio, corisco
Correnteza e coisa-má
Inda arrumei com um artista em Pirapora
Mais um filho e vim-me embora
Cá no Rio vim parar
Ver Ipanema
Foi que nem beber jurema
Que cenário de cinema
Que poema à beira-mar
E não tem tira
Nem doutor, nem ziguizira
Quero ver quem é que tira
Nós aqui desse lugar
Será verdade
Que eu cheguei nessa cidade
Pra primeira autoridade
Resolver me escorraçar
Com a tralha inteira
Remontar a Mantiqueira
Até chegar na corredeira
O São Francisco me levar
Me distrair
Nos braços de um barqueiro sonso
Despencar na Paulo Afonso
No oceano me afogar
Perder os filhos
Em Fernando de Noronha
E voltar morta de vergonha
Pro sertão de Quixadá
Tem cabimento
Depois de tanto tormento
Me casar com algum sargento
E todo sonho desmanchar
Não tem carranca
Nem trator, nem alavanca
Quero ver quem é que arranca
Nós aqui desse lugar.
Imagina
(Tom Jobim/Chico Buarque/1983)
Imagina
Imagina
Hoje à noite
A gente se perder
Imagina
Imagina
Hoje à noite
A lua se apagar
Quem já viu a lua cris
Quando a lua começa a murchar
Lua cris
É preciso gritar e correr, socorrer o luar
Meu amor
Abre a porta pra noite passar
E olha o sol
Da manhã
Olha a chuva
Olha a chuva, olha o sol, olha o dia a lançar
Serpentinas
Serpentinas pelo céu
Sete fitas
Coloridas
Sete vias
Sete vidas
Avenidas
Pra qualquer lugar
Imagina
Imagina
Sabe que o menino que passar debaixo do arco-íris vira moça, vira
A menina que cruzar de volta o arco-íris
Rapidinho volta a ser rapaz
A menina que passou no arco era o
Menino que passou no arco
E vai virar menina
Imagina, imagina, imagina, imagina, imagina
Hoje à noite
A gente se perder
Imagina, imagina
Hoje à noite
A lua se apagar.
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Imagina e a próxima música, Meninos eu vi, foram compostas para o filme Para viver um grande amor, de Miguel Faria Jr., e gravadas lindamente por Djavan e Olívia Byton no lp Para Viver um Grande Amor, de 1983.
Meninos, Eu Vi
(Tom Jobim/Chico Buarque/1983)
Um grande amor
Para viver um grande amor
Eu vi o grande amor no claro olhar da minha amada, eu vi
Que todo grande amor ainda é pouco, ainda é nada, eu vi
Amores que jamais verei
Meninos, eu vivi
Vivendo a poesia de verdade
Também vi a cidade incendiada, eu tive medo
Eu vi a escuridão
Eu vi o que não quis
Amei mais do que pude, eu fiquei cego de paixão
E acho que enfim eu vi um homem ser feliz
Juro que um dia eu vi um homem ser feliz
Eu vi o grande amor escancarado em cada cara, eu vi
O amor evaporando pelos céus da Guanabara
Amores de imortal verão
Meninas, como eu vi
Vivendo a poesia de verdade
Eu vi uma cidade enfeitiçada, e tive medo
Eu vi um coração
Molhando o meu país
Amei mais do que pude, eu fiquei cego de paixão
E acho que enfim eu vi o homem ser feliz
Juro que um dia eu vi o homem ser feliz.
Mil Perdões
(Chico Buarque/1983)
Te perdôo
Por fazeres mil perguntas
Que em vidas que andam juntas
Ninguém faz
Te perdôo
Por pedires perdão
Por me amares demais
Te perdôo
Te perdôo por ligares
Pra todos os lugares
De onde eu vim
Te perdôo
Por ergueres a mão
Por bateres em mim
Te perdôo
Quando anseio pelo instante de sair
E rodar exuberante
E me perder de ti
Te perdôo
Por quereres me ver
Aprendendo a mentir (te mentir, te mentir)
Te perdôo
Por contares minhas horas
Nas minhas demoras por aí
Te perdôo
Te perdôo porque choras
Quando eu choro de rir
Te perdôo
Por te trair.
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Composta para o filme Perdoa-me por me traíres, de Braz Chediak
Vai Passar
(Francis Hime/Chico Buarque/1984)
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram
sambas imortais
Que aqui sangraram pelos
nossos pés
Que aqui sambaram
nossos ancestrais
Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar.
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Composta para o filme Perdoa-me por me traíres, de Braz Chediak
Choro Bandido
(Edu Lobo/Chico Buarque/1985)
Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim
Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim
Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons.
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Composta para a peça O corsário do rei de Augusto Boal
Ludo Real
(Vinicius Cantuária/Chico Buarque/1987)
Que nobreza você tem
Que seus lábios são reais
Que seus olhos vão além
Que uma noite faz o bem
E nunca mais
Que salta de sonho em sonho
E não quebra telha
Que passa através do amor
E não se atrapalha
Que cruza o rio
E não se molha.
Meio-dia meia-lua (Na ilha de Lia, no barco de Rosa)
(Edu Lobo/Chico Buarque/1987-1988)
Quando adormecia na ilha de Lia
Meus Deus, eu só vivia a sonhar
Que passava ao largo no barco de Rosa
E queria aquela ilha abordar
Pra dormir com Lia que via que eu ia
Sonhar dentro do barco de Rosa
Rosa que se ria e dizia nem coisa com coisa
Era uma armadilha de Lia com Rosa com Lia
Eu não podia escapar
Girava num barco num lago no centro da ilha
Num moinho do mar
Era estar com Rosa nos braços de Lia
Era Lia com balanço de Rosa
Era tão real
Era devaneio
Era meio a meio
Meio Rosa meio Lia, meio
Meio-dia mandando eu voltar com Lia
Meia-lua mandando eu partir com Rosa
Era uma partilha de Rosa com Lia com Rosa
Eu não podia esperar
Na feira do porto, meu corpo, minh'alma
Meus sonhos vinham negociar
Era poesia nos pratos de Rosa
Era prosa na balança de Lia
Era tão real
Era devaneio
Era meio a meio
Meio Lia, meio Rosa, meio
Meio-dia mandando eu voltar com Lia
Meia-lua mandando eu partir com Rosa
Na ilha de Lia, de Lia, de Lia
No barco de Rosa, de Rosa, de Rosa.
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Composta para o balé Dança da meia-lua
Todo o Sentimento
(Cristóvão Bastos/Chico Buarque/1987)
Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar
E urgentemente
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
E bota no corpo uma outra vez
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro, com certeza
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei, como encantado
Ao lado teu.
A Mais Bonita
(Chico Buarque/1989)
Não, solidão, hoje não quero me retocar
Nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas
Deixo que as águas invadam meu rosto
Gosto de me ver chorar
Finjo que estão me vendo
Eu preciso me mostrar
Bonita
Pra que os olhos do meu bem
Não olhem mais ninguém
Quando eu me revelar
Da forma mais bonita
Pra saber como levar todos
Os desejos que ele tem
Ao me ver passar
Bonita
Hoje eu arrasei
Na casa de espelhos
Espalho os meus rostos
E finjo que finjo que finjo
Que não sei.
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Composta para peça Suburbano coração, de Naum Alves de Souza
Futuros Amantes
(Chico Buarque/1993)
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você.
Piano na Mangueira
(Tom Jobim/Chico Buarque/1993)
Mangueira
Estou aqui na plataforma
Da Estação Primeira
O morro veio me chamar
De terno branco e chapéu de palha
Vou me apresentar à minha nova parceira
Já mandei subir o piano pra Mangueira
A minha música não é de levantar poeira
Mas pode entrar no barracão
Onde a cabrocha pendura a saia
No amanhecer da quarta-feira
Mangueira
Estação Primeira de Mangueira.
Injuriado
(Chico Buarque/1998)
Se eu só lhe fizesse o bem
Talvez fosse um vício a mais
Você me teria desprezo por fim
Porém não fui tão imprudente
E agora não há francamente
Motivo pra você me injuriar assim
Dinheiro não lhe emprestei
Favores nunca lhe fiz
Não alimentei o seu gênio ruim
Você nada está me devendo
Por isso, meu bem, não entendo
Porque anda agora falando de mim.
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Esta é minha pequena homenagem a um dos maiores compositores do Brasil.
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14/06/2004 18:58
Fernando Pessoa
Ontem foi aniversário do grande prosador e poeta português Fernando Antônio Nogueira de Seabra Pessoa (1888-1935). Para comemorar, eis alguns belos poemas:
Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar (10/8/1929)
Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar
Sem nada já que me atraia
Nem nada que desejar
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida
A vida é como uma sombra
Que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra
De um quarto que jaz vazio
O amor é um sono que chega
Para o pouco ser que se é
A glória concede e nega; não tem verdades a fé
Por isso na orla morena da praia calada e só
Tenho a alma feita pequena
Livre de mágoa e de dó
Sonho sem quase já ser
Perco sem nunca ter tido
E comecei a morrer muito antes de ter vivido
Dêem-me, onde aqui jazo
Só uma brisa que passe
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei
Não quero gozo nem dor
Não quero vida nem lei
Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar
Quero dormir na distância
De um ser que nunca foi seu
Tocado do ar sem fragrância
Da brisa de qualquer céu.
Aqui neste profundo apartamento (1924)
Aqui neste profundo apartamento
Em que, não por lugar, mas mente estou
No claustro de ser eu, neste momento
Em que me encontro e sinto-me o que vou
Aqui, agora, rememoro
Quanto de mim deixei de ser
E inutilmente, [...] choro
O que sou e não pude ter.
Aquilo que a gente lembra
Aquilo que a gente lembra
Sem o querer lembrar
E inerte se desmembra
Como um fumo no ar
É a música que a alma tem
É o perfume que vem
Vago, inútil, trazido
Por uma brisa de agrado
Do fundo do que é esquecido
Dos jardins do passado
Aquilo que a gente sonha
Sem saber de sonhar
Aquela boca risonha
Que nunca nos quis beijar
Aquela vaga ironia
Que uns olhos tiveram um dia
Para a nossa emoção -
Tudo isso nos dá o agrado
Flores que flores são
Nos jardins do passado
Não sei o que fiz da vida
Nem o quero saber
Se a tenho por perdida
Sei eu o que é perder?
Mas tudo é música se há
Alma onde a alma está
E há um vago, suave, sono
Um sonho morno de agrado
Quando regresso, dono
Aos jardins do passado.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor
finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente
E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm
E assim nas calhas da roda
Gira a entreter a razão
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
As coisas que errei na vida (21/8/1934)
As coisas que errei na vida
São as que acharei na morte
Porque a vida é dividida
Entre quem sou e a sorte
As coisas que a Sorte deu
Levou-as ela consigo
Mas as coisas que sou eu
Guardei-as todas comigo
E por isso os erros meus
Sendo a má sorte que tive
Terei que os buscar nos céus
Quando a morte tire os véus
À inconsciência em que estive.
Bóiam leves, desatentos (4/8/1930)
Bóiam leves, desatentos
Meus pensamentos de mágoa
Como, no sono dos ventos
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas
Bóiam como folhas mortas
À tona de águas paradas
São coisas vestindo nadas
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas
Sono de ser, sem remédio
Vestígio do que não foi
Leve.mágoa, breve tédio
Não sei se pára, se flui
Não sei se existe ou se dói.
Caminho a teu lado mudo (4/11/1928)
Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado
Perguntas, sim ou não, não sei
Tenho saudades de tudo
Até, porque está passado
Do próprio mal que passei
Sim, hoje é um dia feliz
Será, não sei, incerto
Num princípio não sei quê
Há um sentido que me diz
Que isto - o céu largo e aberto -
É só a sombra do que é
E lembro em meia-amargura
Do passado, do distante
E tudo me é solidão
Que fui nessa noite escura?
Quem sou nesta morte instante?
Não perguntes... Tudo é vão.
Contemplo o lago mudo (4/8/1930)
Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece
O lago nada me diz
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo
Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?
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07/06/2004 04:59
Eu me Transformo em Outras
Hoje eu fui ao show da Zélia Duncan no Sesc Vila Mariana, graças ao convite muito especial da minha querida amiga Mariza.
O show foi espetacular, muito bem pensado, do princípio ao fim. Direção, produção, iluminação, a decoração do palco, o belíssimo vestido que Zélia usou, tudo, tudo lindo. E os músicos? Marco Pereira no violão de 8 cordas, Hamilton de Holanda no bandolim de 10 cordas (no CD. Como o Hamilton está em Portugal, neste show tocou o ótimo Henry Lentino), Márcio Bahia na bateria e na percussão e Gabriel Grossi na gaita. D-I-V-I-N-O!
O disco foi produzido por Bia Paes Leme que, aliás, participa cantando - muito bem - em dois momentos do show. Foi gravado em janeiro deste ano no Rio de Janeiro. E a capa, que maravilha. Trata-se de Cena de Carnaval, uma litografia de Jean-Batiste Debret.
A apresentação foi extremamente emocionante, chorei muito. A Zélia canta lindamente, é comunicativa, divertida, bem-humorada, direta. O repertório é de muito bom gosto, realmente o fino da bossa. Vou transcrever aqui as letras (que tirei do sítio dela) e algumas histórias que sei de cor, porque ainda não tenho o CD, que estava esgotado. (Já tenho, ganhei da minha amiga linda Anaí Rosa).
Quando esse nego chega
(Haroldo Barbosa)
Quando esse nego chega, ai
Meu coração me dói, dói
Parece que vai, vai saltar do peito
E vai rolando pelo chão, ai, que maldição
Nego, não me pise nele não
Mas o feitiço desse nego pega, ora se pega
E quando pega dá trabalho pra limpar
Quando a paixão é surda e muda, é cega
Não sossega
Fica no corpo até morrer
Ele namora quase tudo que é mulata
Não faz mal, sou democrata
Eu nasci pra padecer.
___________________
Conheço as gravações de Aracy de Almeida, Olivia Byton.
Quem Canta seus Males Espanta
(Itamar Assumpção)
Entro em transe se canto
Desgraça vira encanto
Meu coração bate tanto
Sinto tremores no corpo
Direto e reto, suando
Gemendo, resfolegando
Eu me transformo em outras
Determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto
Sozinha no apartamento
Às vezes eu choro tanto
Já logo quando levanto
Tem dias fico com medo
Invoco tudo que é santo
E clamo em italiano ó Dio come ti amo
Eu me transmuto em outras
Determinados momentos
Cubro com as mão meu rosto
Sozinha no apartamento
Vivo voando, voando, não passo de louca mansa
Cheia de tesão por dentro
Se rola na face o pranto
Deixo que role e pronto
Meus males eu mesma espanto
Eu me transbordo em outras
Determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto
Sozinha no apartamento
É pelos palcos que vivo
Seguindo o meu destino
É tudo desde menina, é muito mais do que isso
É bem maior que aquilo, sereia eis minha sina
Eu me descubro em outras
Determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto
Sozinha no apartamento.
Nova ilusão
(Claudionor Cruz/Pedro Caetano)
É dos teus olhos a luz
Que ilumina e conduz
Minha nova ilusão
É nos teus olhos que eu vejo
O amor, o desejo do meu coração
És um poema na Terra
Uma estrela no céu, um tesouro no mar
És tanta felicidade
Que nem a metade consigo exaltar
Se um beija-flor descobrisse
A doçura e a meiguice
Que teus lábios têm
Jamais roçaria as asas brejeiras
Por entre roseiras em jardins de ninguém
Oh, dona dos sonhos
Ilusão concebida
Surpresa que a vida
Me fez das mulheres
Há em meu coração
Uma flor em botão
Que abrirá se quiseres.
________________
Bom, este clássico da música brasileira foi gravado por diversos intérpretes. Dentre eles: Teca Calazans, Elba Ramalho, Alzira Espíndola, Claudionor Cruz, Paulinho da Viola, Nelson Gonçalves, Lúcio Alves, Terezinha de Jesus, etc.
A história desta música é muito curiosa. O cantor Silvio Caldas queria um choro-canção pra incluir num show na linha do Da cor do Pecado, do Bororó, que estava fazendo o maior sucesso na época, e pediu para o Claudionor Cruz se ele e o Pedro Caetano não poderiam fazer algo no gênero. Como os dois compositores não tinham tempo mas não podiam desperdiçar a oportunidade, resolveram que Claudionor faria a música e Pedro a letra, ambos pensando no Da Cor do Pecado. Assim fizeram e, no dia seguinte, foram mostrar pro Silvio, um sem saber o que o outro tinha feito. Silvio pegou o papel e foi cantando, enquanto o Claudionor tocava. É mais ou menos assim, eu não lembro dos detalhes ;-)
Nega manhosa
(Herivelto Martins)
Levanta, levanta nega manhosa
Deixa de ser preguiçosa
Vai procurar o que fazer
Nega, deixa de fita
Prepara minha marmita
Levanta, nega, vai te virar
Deixei embaixo do rádio uma nota de cinquenta
Vai à feira, joga no bicho
Vê se te aguenta
Economiza, olha o dia de amanhã
Eu preciso do troco
Domingo tem jogo no Maracanã
Do bate-bola sou um fã.
___________________
Este animado samba é de 1957, foi gravado originalmente por Nelson Gonçalves. Conheço a gravação de Noite Ilustrada & Isaura Garcia, Pocho e Seu conjunto, Zeca Pagodinho, etc.
Li no livro Herivelto Martins: Uma Escola de Samba, de Jonas Vieira e Natalício Roberto (Ed. Ensaio, 1992) que o Herivelto compôs este samba baseado na história de um amigo dele, o Darcy, que tinha uma mulher que não queria trabalhar, só vivendo encostada nele. Herivelto pretendia terminar o samba com o amigo, mas não teve tempo, Darcy morreu antes.
A Deusa da Minha Rua
(Newton Teixeira/Jorge Faraj)
A deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua costuma se embriagar
Nos seus olhos, eu suponho
Que o sol, num dourado sonho
Vai claridade buscar
Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta é uma paisagem de festa
É uma cascata de luz
Na rua uma poça d'água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu para o chão
Tal qual o chão da minha vida
A minh'alma comovida
E o meu pobre coração
Espelho da minha mágoa
Meus olhos são poças d'água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu, ela é nobre
Não vale a pena sonhar.
___________________
Esta valsa é de 1939 e foi gravada originalmente por Silvio Caldas. Teve muitas regravações: Paulo Fortes, Roberto Silva, Carlos José, Tito Madi, Roberto Nogueira, Carlos Alberto, Cauby Peixoto, José Domingos, Waldir Silva, Trovadores Urbanos, etc.
Ficou três anos encostada, até que Newton Teixeira, perdendo a paciência, "tirou Silvio Caldas do Nice e praticamento o arrastou ao estúdio".
Janelas Abertas
(Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
Sim, eu poderia fugir, meu amor
Eu poderia partir
Sem dizer pra onde vou, nem se devo voltar
Sim, eu poderia morrer de dor
Eu poderia morrer e me serenizar
Ah, eu poderia ficar sempre assim
Como uma casa sombria, uma casa vazia
Sem luz nem calor
Mas quero as janelas abrir
Para que o sol possa vir, iluminar nosso amor.
_________________
Conheço as gravações de Elizeth Cardoso, Silvia Telles, Grupo Chovendo na Roseira, Gal Costa, Elizeth e Rafael Rabello, etc.
Doce de Coco
(Hermínio Bello de Carvalho/Jacob do Bandolim)
Venho implorar
Pra você repensar em nós dois
Não demolir o que ainda restou pra depois
Sabes que a língua do povo
É contumaz, traiçoeira
Quer incendiar desordeira atear fogo ao fogo
Tu sabes bem quantas portas tem meu coração
E dos punhais cravados pela ingratidão
Sabes também
Quanto é passageira essa desavença
Não destrates o amor
Se o problema é pedir, implorar
Vem aqui, fica aqui
Pisa aqui neste meu coração
Que é só teu, todinho teu, o escurraça
E faz dele de gato e sapato
E o inferniza e o ameaça
Pisando, ofendendo, desconsiderando
Descomposturando com todo vigor
Mas se tal não bastar
O remédio é tocar
Esse barco do jeito que está
Sem duas vezes se cogitar
Doce de coco, meu bombocado
Meu mau pedaço de fato és um esparadrapo
Que não desgrudou de mim.
____________________
Eu gosto muito deste choro com letra, apesar de não curtir o "esparadrapo" e de não aguentar mais ouvir das cantoras: "Sabes que a língua do povo é quanto mais traiçoeira..."
Conheço as gravações da Elizeth, da Alaíde Costa e da Jane Duboc, dentre outras.
Tô
(Tom Zé/Elton Medeiros)
Tô bem debaixo pra poder subir
Tô bem de cima pra poder cair
Tô dividindo pra poder sobrar
Desperdiçando pra poder faltar
Devagarinho pra poder caber
Bem de leve pra não perdoar
Tô estudando pra saber ignorar
Eu tô aqui comendo para vomitar
Eu tô te explicando pra te confundir
Tô te confundindo pra te esclarecer
Tô iluminado pra poder cegar
Tô ficando cego pra poder guiar
Suavemente pra poder rasgar
Olho fechado pra te ver melhor
Com alegria pra poder chorar
Desesperado pra ter paciência
Carinhoso pra poder ferir
Lentamente pra não atrasar
Atrás da vida pra poder morrer
Eu tô me despedindo pra poder voltar.
____________________
Curiosa esta parceria, não? Esta música é o máximo. Foi gravada por Tom Zé em 1976.
Boca de Siri
(Wilson Batista/Germano Augusto)
Eu saí de sarongue
Mas que calor, mas que calor, mas que calor
Cantei no Bonde de São Januário, Alá
Alá-la-ô, alá-la-ô
Até dancei de índio, auê, auê
Quem encontrar o meu moreno por aí
Faça-me o obséquio, boca de siri
Quase que morri de insolação
Jogaram pó de mico
Mas não fiquei jururu
Continuei me exibindo
Me desmilinguindo no passo do canguru
O trem atrasou quando eu fui pra Meriti
Faz boca de siri.
______________
Esta também é genial, divertidíssima. Foi gravada originalmente por Odette Amaral em 1941. A letra traz referência às músicas vencedoras do carnaval daquele ano, Alá lá ô, Passo do Canguru, O Bonde São Januário, A Dança dos Índios, Pó de Mico, O Trem Atrasou. Conheço a gravação da Cristina, num maravilhoso cd dedicado a Wilson Batista.
Linda Flor
(Luiz Peixoto/Marquês Porto/Henrique Vogeler/Cândido Costa)
Ai, Ioiô
Eu nasci pra sofrer
Fui oiá pra você, meus óinho fechô
E quando os óio eu abri
Quis gritar, quis fugir
Mas você
Eu não sei por que você me chamou
Ai, Ioiô
Tenha pena de mim
Meu Sinhô do Bonfim pode inté se zangar
Se ele um dia souber
Que você é que é
O Ioiô de Iaiá
Chorei toda noite
Pensei
Nos beijos de amor que eu lhe dei
Ioiô meu benzinho do meu coração
Me leva pra casa, me deixa mais não.
___________________
Considero esta música uma das mais bonitas do nosso cancioneiro. A autoria é bem complicadinha, recebeu várias letras. Fiquei com preguiça de digitar, então retirei a história daqui(aproveitem para conhecer este excelente sítio ;-)
Meu Rádio e Meu Mulato
(Herivelto Martins)
Comprei um rádio muito bom prestação
Levei-o para o morro
E instalei-o no meu próprio barracão
E toda tardinha, quando eu chego pra jantar
Logo ponho o rádio pra tocar
E a vizinhança pouco a pouco vai chegando
E vai se aglomerando o povaréu lá no portão
Mas quem eu queria não vem nunca
Por não gostar de música
E não ter coração
Acabo é perdendo a paciência
Estou cansada, cansada de esperar
Eu vou vender meu rádio a qualquer um
Por qualquer preço, só pra não me amofinar
Eu nunca vi maldade assim, tanto zombar, zombar de mim
Disse o poeta, que do amor era descrente
Quase sempre a gente gosta
De quem não gosta da gente.
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Choro gravado originalmente por Carmen Miranda. E lindamente regravado pelo meu ídalo-mor, Marcos Sacramento.
Renúcia
Ah, esta eu não vou comentar nem pôr a letra porque já fiz isso no especial foxtrote, no mês passado.
Dream a Little Dream of Me
(Gus Kahn/Wilbur Schwandt/Andres Fabian)
Stars shinning brigth above you
Night breezes seems to whisper "I love you"
Birds singing in the sycamore tree
Dream a little dream of me
Say nighty-night and kiss me
Just hold me tight and tell me you miss me
While I'm alone and blue, as can be
Dream a little dream of me
Stars fading but I linger on, dear
Still craving your kiss
I'm longing to linger till dawn, dear
Just saying this
Sweet dreams till sunbeams find you
Sweet dreams that leave all worries behind you
But in your dreams whatever they be
Dream a little dream of me.
________________________
Amoooo esta música. Se eu fosse cantora ela faria parte do meu repertório. Foi gravada por Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, The Mamas And The Papas, etc.
Sábado em Copacabana
(Carlos Guinle/Dorival Caymmi)
Depois de trabalhar toda semana
Meu sábado não vou desperdiçar
Já fiz o meu programa pra essa noite
E já sei por onde começar
Um bom lugar pra se encontrar, Copacabana
Pra passear, à beira-mar, Copacabana
Depois um bar à meia-luz, Copacabana
Eu esperei por essa noite uma semana
Um bom jantar, depois dançar, Copacabana
Pra se amar, um só lugar, Copacabana
A noite passa tão depressa
Mas vou voltar lá pra semana
Se eu encontrar um novo amor, Copacabana.
___________________
Outra linda, gravada por Dorival Caymmi, Danilo Caymmi, Dick Farney, Lúcio Alves, Silvia Telles, Thereza Tinoco, Wanda Sá, etc. Retirei o trecho abaixo do sítio da Zélia: http://www2.uol.com.br/zeliaduncan/
"Esta música tem história comigo. Gravei pro songbook do Dorival Caymmi feito por Chediak e minha vida começou a mudar nessa época pra melhor. Eu e Marco (Pereira) resolvemos regravá-la e fica mais uma homenagem ao queridíssimo Almir."
Eu não sou daqui
(Wilson Batista/Ataulfo Alves)
Eu não daqui
Eu sou de Niterói
Sinto muito mas não posso
Aceitar o seu amor
Na terra de Araribóia
É que eu tenho quem me quer
Passe bem, seja feliz, oi
E até quando Deus quiser
Juro, tenho compromisso
Seu moço, preste atenção
Do outro lado da Baía
Empenhei meu coração
Vou embora, até loguinho
Por favor, não leve a mal
Estou em cima da hora
A barca deu o sinal.
____________________
Outro samba delicioso. Foi gravado por Aracy de Almeida, Cristina. Ela explicou no show quem foi Araribóia. Alguém aqui sabe? ;-)
Capitu
(Luiz Tatit)
De um lado vem você com seu jeitinho
Hábil, hábil, hábil e pronto
Me conquista com seu dom
De outro esse seu site petulante
wwwponto poderosa ponto com
É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio, e todo encanto, canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar
Na tela e no ar
Você é virtualmente amada, amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante
Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é não resistir, é capitular
Capitu, a ressaca dos mares, a sereia do sul
Captando os olhares, nosso totem tabu
A mulher em milhares, Capitu
De um lado vem você
No site o seu poder provoca o ócio, o ócio
Um passo para o vício, vício, vício
É só navegar, é só te seguir e então naufragar
Capitu, feminino com arte, a traição atraente
Um capítulo à parte, quase vírus ardente
Imperando no site, Capitu
De um lado
Um método
É só se entregar, é não resistir, é capitular
Capitu, a ressaca dos mares
A sereia do sul, captando os olhares
Nosso totem tabu a mulher em milhares, Capitu,
Feminino com arte, a traição atraente
Um capítulo à parte
Quase vírus ardente, imperando no site, Capitu.
_________________
Achei legal a Zélia incluir músicas "recentes" no disco. Esta foi gravada por Ná Ozzetti em seu CD Estopim (Ná Records, 1999). Bom, as letras do Luiz Tatit são um caso sério. Sou fã dele no úrtimo!
Presente
(Zé Miguel Wisnik)
Eu quero simplesmente
Te dar um presente
A rosa dos tempos desabrocha, desabrocha
Desabrocha novamente
Eu quero simplesmente
A vida semente
A mente que vibra
Vibra as fibras da cidade
Que vibra novamente
Eu quero simplesmente
Você nesse instante
Amante da vida, da vida amante
E o gozo do mundo, gozo sem fundo
Gozamos durante.
_____________________
Wisnik é outro autor que gosto muito. Esta foi gravada por ele no seu último CD, Pérola aos Poucos (Trama, 2003).
O Habitat da Felicidade
(Lula Queiroga/Lucky Luciano)
Felicidade não precisa de culpa
Felicidade é o alívio da dor
Felicidade é higiene mental
Exercício da alma
Só alguém
Que na vida tanto sofreu todo tipo de dor
Sabe dar valor
Aos caprichos da felicidade
Felicidade não precisa de culpa
Felicidade é fome de amor
Felicidade é a temperatura
Da febre que eu sinto
Eu sei que amanhã pode ser tarde
Pra recuperar
O tempo que eu passo sonhando acordado
Com a felicidade.
Jura Secreta
(Sueli Costa/Abel Silva)
Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que não roubei
A jura secreta que não fiz
A briga de amor que eu não causei
Nada do que posso me alucina
Tanto quanto o que não fiz
Nada do que eu quero me suprime
Do que por não saber ainda não quis
Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega é o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que não sofri.
___________________
Jura Secreta (gravada por Simone em 1977) não foi cantada no show, mas está no disco como faixa-bônus. Pus a letra aqui porque gosto muito dela. Zélia a gravou para a trilha da novela das 7 da Rede Globo, Da Cor do Pecado.
*
Como vocês puderam perceber, este disco merece todos os elogios do mundo.
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06/06/2004 06:24
Do Pará - sem escala -
para o Vale do Jequitinhonha...
Hoje vou falar (falar?) sobre o cantor, compositor, instrumentista, pintor e escritor Paulinho Pedra Azul. Sua pequena biografia e sua discografia estão aqui. Descobri Paulinho Pedra Azul por intermédio de uma família mineira (composta por 7 irmãos e muitos primos) que veio morar em SP na casa ao lado da minha (isso em 1985, acho). Eu e dois dos irmãos, a Hélia e o Marco Túlio Caixeta Guimarães, ficamos muito amigos e cantávamos e tocávamos violão o dia todo (nessa época eu nem sonhava em tocar pandeiro). Eles são extremamente musicais e foi com eles que comecei a exercer meus dotes de artista ;-)
Quando eles me mostraram o segundo lp do Paulinho, Uma Janela Dentro dos Meus Olhos, fiquei apaixonada. Foi amor à primeira "audição". Gamei mesmo. Vou comentar esse disco, lamentavelmente nunca lançado em CD.
Ele começa com duas canções muito bonitas, ambas de 1982:
Recado Para um Amigo Solitário
(Paulinho Pedra Azul)
Quando chegar na tua casa
E encontrar solidão
Lembre de mim que também vivo só
Quando encontrares a paz
Mande uma carta pra mim
Quero saber como fazer
Pra ser feliz tanto assim
Uma canção deve haver
Para fazer entender
Que nada tenho a dizer
Quando o jeito é viver.
__________________
Esta música tem um belo acompanhamento de "cavacolim". O som é de bandolim mesmo.
Precisamos de Amores
(Paulinho Pedra Azul)
Veja bem
O amor é uma coisa veloz
Está fugindo do meio de nós
E habitando as estrelas
Toda luz que faz parte da vida
Tem o calor de uma amiga
E faz a gente feliz
A vida é um espaço de ternura
Não precisa de amargura
Pra nascer um grande amor
E o tempo sai correndo para o nada
De que vale esses rancores
Precisamos de amores.
__________________
Nesta, além do sax do Roberto Sion e do violão do Paulinho, tem um lindo acompanhamento do Cézar do Acordeon.
Em seguida vem um choro cantado, delicioso:
Teu Triste Olhar
(Paulinho Pedra Azul, 1983)
Vejo em teu triste olhar
Uma estrada infinita de amor
Como uma estrela cadente
Que apaga da vida esta dor
A vida é tão cheia de amor
Quando a tua presença é fazer
Com a inocência dos olhos
Um bom coração pra viver
Um homem que traz na lembrança
O sorriso do dia numa canção
É maior que a estrela maior
Que proteje e ilumina o meu coração
Um verso, uma palavra, uma paixão
Belezas que fazem sorrir
Teus olhos são duas estrelas
Pra me refletir.
___________________
Este choro foi dedicado ao Paulinho da Viola (e ao Seu Dijon, que não conheço). É importante citar os músicos desta gravação. O próprio Paulinho no violão, Edmilson Capelupe no 7 cordas, Toninho Carrasqueira na flauta, Tião Carvalho no pandeiro, César do Acordeon no acordeon e Roberto Sion no sax-soprano. Fala aí, o Paulinho sabia das coisas ou não?????
No Olhar de Juliana
(Paulinho Pedra Azul, 1984)
Quando olhares para o céu
E ver um disco-voador
Diga que você conhece alguém
Que anda em busca de amor
Eles nunca saberão
Que os teus olhos luarão
Minha vida será luz
Do farol de um caminhão.
_________________
Aqui o destaque vai pros violinos do Zé Gomes...
O lado A termina com um choro chamado Pedra Azul, dele mesmo, de 1981.
Bailorena/Estrelas Mil
(Kaluca, 1983 - Paulinho P. Azul, 1981)
Era uma vez um casal de flores
Que se amavam num só coração
Era uma vez uma canção
Que só falava de amor
Hoje uma estrela do céu
Veio assentar na minha mão
Contar que eu vou também
Me iluminar...
___________________
Aqui são duas músicas, um tema instrumental no piano (Bailorena) que emenda com Estrelas Mil. Destaque novamente para o violino de Zé Gomes.
Noite Sem Luar
(Godofredo Guedes, 1934)
Vi no horizonte azul
A tarde desmaiar
E a noite aproximar
Enchendo de tristeza a solidão do mar
Roubando a natureza
A luz crepuscular
E à sós no meu jardim cismava a divisar
Na noite sem luar
A vela que singrando
O oceano imenso
Levava para o além o meu querido bem
Foi que então veio a saudade e eu chorei
Depois com lágrimas nos olhos eu jurei
Jamais prender-me por amor
No cárcere cruel da dor.
_____________________
Trata-se de uma valsa. Godofredo Guedes é o pai do Beto Guedes. E esta música é mesmo liiiiinda. Em seguida vem a instrumental Valsa em Si, de 1984.
Um Novo Sonho
(Paulinho Pedra Azul, 1984)
Uma menina leu a minha mão
E contou que eu ia me casar
De manhã, num raro sol de luz
Madrugada afora ao luar
As pessoas iam se amar
Pra toda vida
A menina desapareceu
Como uma estrela que nadou no céu
E deixou bem junto dos meus pés
Duas rosas brancas a exalar
Um perfume que nunca senti
Bate as asas doce colibri, vem
Me ajude a esquecer quem sou
E pensar, serei feliz.
___________________
O que me chama a atenção nesta música é a interpretação do Paulinho, muito comovente.
O disco termina com Uma Janela Dentro dos meus Olhos , de 1984, instrumental com vocal da cantora Rosa Maria.
O encarte é muito legal. Tem todas as letras, todos os créditos, várias fotos dos músicos, alguns desenhinhos. O Paulinho faz dedicatória em quase todas as músicas, pra várias pessoas e alguns músicos como Wagner Tiso e Odett Ernest Dias. E o disco é dedicado a Toninho de Vicenzo e Edu da Gaita. Não citei o nome de todos os músicos que participaram do disco, só de alguns.
A capa é branca com um desenho em branco e preto muito bonito, chamado "O Cantor", do próprio Paulinho. Até o selo do disco é lindo: trata-se da foto da Igreja Matriz, de 1919, em Pedra Azul.
Eu diria que é um trabalho impecável, com gosto de seresta, completo, que mostra um produtor musical ainda inexperiente (tem no disco algumas imperfeições técnicas que só uma chata como eu perceberia) mas com muito, muito bom gosto e talento.
No meu próximo post vou comentar o primeiro lp do Paulinho. Por que comecei pelo segundo? É que os discos chegaram pra mim nessa ordem...
31/05/2004 04:59
Belém do Pará
É impressionante como a música paraense é bonita. E desconhecida! Tenho alguns discos belíssimos, que quero divulgar aqui pra quem se interessar (só vou citar os cds):
Nilson Chaves: Tudo Índio, Gaia, Melhores Momentos, Nilson Chaves e Vital Lima, Não Peguei o Ita, Dez Anos II, Amazônia Brasileira (com o grande violonista Sebastião Tapajós, também paraense).
O divino Projeto Uirapuru: tenho os volumes 1 (Wilson Fonseca), 2 (Waldemar Henrique ), 3 (Alfredo Oliveira), 4 (Verequete), 5 (Nego Nelson) e 7 (Maria Lídia).
Nego Nelson e Bob Freitas (Solos do Nosso Solo)
Salomão Habib e Coral do Ideal Jr. (Ciranda e Cantiga)
Andréa Pinheiro (Fiz da Minha Vida uma Canção)
Amazônica Jazz Band (da coleção Pará Instrumental v. 3)
Choro Paraense (da mesma coleção, v. 4, que ganhei do meu querido amigoFernando Szegeri, outro louco alucinado pelo Pará).
Almir Gabriel (Na boca do peixe)
Marco André (Amazônia Groove)
Além do CD-pirata do 4. Servfest, uma fita da cantora Lucinha Bastos e vários lps da Fafá de Belém (Estou esquecendo alguma coisa, eu sei... Ah, Jaime Ovalle também é paraense! E claro, Jane Duboc).
Nestas raridades, em especial no disco do Verequete, dá pra conhecer um pouco o carimbó, ritmo paraense muito pouco divulgado por estas bandas. Outros ritmos: Boi-bumbá, Lundum, maracatu, marujuda, siriá, etc. Todos os cds que citei são maravilhosos, mas destaco um em especial, o meu predileto: Alfredo Oliveira (médico, escritor - fez a biografia do poeta e compositor paraense Ruy Paranatinga Barata, dentre outros livros - e fértil compositor). Uma pequena biografia dele pode ser lida aqui. O CD que tenho dele é simplesmente perfeito. Tem vários cantores, como Zé Renato, Leila Pinheiro (outra paraense), Eudes Fraga (dono de uma linda voz), Fátima Guedes, Flávio Venturini, Cláudio Nucci (outro cantor que adoro), dentre outros. Diversos gêneros: samba-enredo, choro, ciranda, forró, canção, samba, etc.
Não posso deixar de citar o belíssimo presente que ganhei: uma caixinha em formato de vitrola com um CD divino chamado Mestres da Guitarrada. É demais!
Outro grande músico é o violonista e compositor Nego Nelson. Aqui dá pra ver a capa do CD que eu mais gosto dele e sua biografia.
Tenho vários amigos paraenses que são músicos, a cantora e pesquisadora Railídia, o flautista/saxofonista Iury Gedelha e o excelente percussionista Mapyo, uma fera mesmo; Sem falar no Nego Nelson, que conheci recentemente. Além de grande músico, ele é um doce de pessoa, simpatia e talento. Ele me deu dois cds na última vez que esteve aqui, há um mês: Nego Nelson - Em Cantos e Nego Nelson: Choro Nosso de Cada Dia. E com ele também conheci o percussionista Dadadá Castro, que me presenteou com seu belo Cd: Almazônica.
Não deixem de pesquisar a música paraense, riquíssima. Boa semana a todos!
25/05/2004 21:37
Caetanices
Caetano Veloso deu uma entrevista para a revista Época deste mês. É muito triste ver um ídolo de adolescência escrever tamanha cretinice:
ÉPOCA - Você acha que a música americana é melhor que a brasileira?
Caetano - É, sim. Com o jazz, Cole Porter, Irving Berlinn e Gershwin; com a soul music e o rock; a música americana tem enorme riqueza, apesar de Caymmi, Tom Jobim, Chico e Gil. E os americanos têm James Brown. A influência dele é tamanha que hoje todo o mundo no Brasil se chama Brown: Mano Brown, Charlie Brown Jr., Carlinhos Brown!
A matéria pode ser lida na íntegra aqui.
Mas deixemos as declarações bombásticas de lado.
Sempre fui apaixonada pelo Caetano (desculpa, gente, nem tudo é perfeito ;-)
Adoro vários discos. Um deles é o Uns, lançado em 1985. Tem um repertório bem desconhecido, mas também sucessos como É Hoje (Didi/Mestrinho), que ouvi exaustivamente no carnaval daquele ano:
A minha alegria atravessou o mar
E ancorou na passarela
Fez um desembarque fascinante
No maior show da Terra
Será que eu serei o dono dessa festa
Um rei
No meio de uma gente tão modesta
Eu vim descendo a serra
Cheio de euforia para desfilar
O mundo inteiro espera
Hoje é dia do riso chorar
Levei o meu samba pra mãe de santo rezar
Contra o mau olhado eu carrego meu patuá
Eu levei !
Acredito
Acredito ser o mais valente
Nessa luta do rochedo com o mar
É hoje o dia da alegria
E a tristeza nem pode pensar em chegar
(Diga espelho meu)
Diga espelho meu
Se há na avenida alguém mais feliz que eu.
______________________
Esta gravação conta com a bateria da Escola de Samba União da Ilha, sob direção de harmonia de Marçal e - tchan tchan tchan tchan: Dino 7 Cordas, Neco no cavaco e Jorginho no pandeiro, dentre outros.
Eclipse Oculto e Você É Linda, ambas de Caetano, também fizeram muito sucesso:
Nosso amor não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto fomos quase nada
Tipo de amor que não pode dar certo
Na luz da manhã
E desperdiçamos os blues do Djavan
Demasiadas palavras, fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia
Como se o coração tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida
Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo de querer conquistar
Uma coisa qualquer em você
O que será?
Como nunca se mostra
O outro lado da lua
Eu desejo viajar pro outro lado da sua
Meu coração, galinha de leão
Não quer mais amarrar frustração
Ó eclipse oculto na luz do verão
Mas bem que nós fomos muito felizes
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas até irmos pro estúdio
Mas na hora da cama nada pintou direito
É minha cara falar
Não sou proveito, sou pura fama
Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos
Aonde é que iam dar
E aquele projeto ainda estará no ar?
Não quero que você
Fique fera comigo
Quero ser seu amor
Quero ser seu amigo
Quero que tudo saia
Como o som de Tim Maia
Sem grilos de mim
Sem desespero, sem tédio, sem fim.
Você é Linda
Fonte de mel
Nuns olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa e não olha pra trás
Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer e diz
Você é linda
Mais que demais
Vocé é linda, sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é forte
Dentes e músculos, peitos e lábios
Você é forte
Letras e músicas
Todas as músicas que ainda hei de ouvir
No Abaeté
Areias e estrelas não são mais belas
Do que você
Mulher das estrelas
Mina de estrelas
Diga o que você quer
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer e diz
Você é linda
Mais que demais
Vocé é linda, sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Gosto de ver
Você no seu ritmo
Dona do Carnaval
Gosto de ter
Sentir seu estilo
Ir no seu íntimo
Nunca me faça mal.
___________
Mas eu era apaixonada mesmo pelas desconhecidas. Como esta, título do lp:
Uns
(Caetano Veloso)
Uns vão
Uns tão
Uns são
Uns dão
Uns não
Uns hão de
Uns pés
Uns mãos
Uns cabeça
Uns só coração
Uns amam
Uns andam
Uns avançam
Uns também
Uns cem
Uns sem
Uns vêm
Uns têm
Uns nada têm
Uns mal, uns bem
Uns nada além
Nunca estão todos
Uns bichos
Uns deuses
Uns azuis
Uns quase iguais
Uns menos
Uns mais
Uns médios
Uns por demais
Uns masculinos
Uns femininos
Uns assim
Uns meus
Uns teus
Uns ateus
Uns filhos de Deus
Uns dizem fim
Uns dizem sim
E não há outros.
Peter Gast
(Caetano Veloso)
Sou um homem comum
Qualquer um
Enganando entre a dor
E o prazer
Hei de viver e morrer
Como um homem comum
Mas o meu coração de poeta
Projeta-me em tal solidão
Que às vezes assisto
A guerras e festas imensas
Sei voar e tenho as fibras tensas
E sou um
Ninguém é comum
E eu sou ninguém
No meio de tanta gente
De repente vem
Mesmo eu no meu automóvel
No trânsito vem
O profundo silêncio
Da música límpida de Peter Gast
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Peter Gast
O hóspede do profeta sem morada
O menino bonito Peter Gast
Rosa do crepúsculo de Veneza
Mesmo aqui no samba-canção
Do meu rock'n'roll
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Sou um homem comum.
A Outra Banda da Terra
(Caetano Veloso)
Amar
Dar tudo
Não ter medo
Tocar
Cantar
No mundo
Pôr o dedo
No lá
Lugar
Ligar gente
Lançar sentido
Onda branda da guerra
Beira do ar
Serra, vale, mar
Nossa banda da terra é outra
E não erra quem anda
Nessa terra da banda
Face oculta, azul do araçá
Falar verdade
Ter vontade
Topar
Entrar
Na vida
Com a música
Obá
Olá
Brasil
Mas quem pariu
Tal gente!
Cantuária e Holanda
Maputo, Rio
Luanda, lua
Nossa banda da terra é outra
Canadá, Jamaicuba
Muitas gatas na tuba
Dos rapazes da banda cá
Gozar
A lida
Indefinidamente
Amar.
Salva-vida
(Caetano Veloso)
Místico pôr-do-sol no mar da Bahia
E eu já não tenho medo de me afogar
Conheço um moço lindo que é salva-vida
Vida
Um da turma legal do Salva-mar
Que é fera
Na doçura, na força e na graça
Ai, ai
Quem dera
Que eu também pertencera a essa raça
Salva-vida
Onda nova
Nova vida
Vem do novo mar
Sólido simples vindo ele vem bem Jorge
Límpido movimento me faz pensar
Que profissão bonita pra um homem jovem
Jovem
Amar de mesmo a gente água e areia
No dia da rainha das águas
Do presente
Ai, ai
Luzia a firmeza dourada
Dessa gente
Salva-vida
Onda nova
Nova vida
Vem do novo mar.
____________________
Nossa, eu cantava esta música dia e noite. A Bethânia participa desta gravação. Outra que tocava incessantemente na minha vitrola:
Quero ir a Cuba
(Caetano Veloso)
Mamãe eu quero ir a Cuba
Quero ver a vida lá
La sueño una perla encendida
Sobre la mar
Mamãe eu quero amar a Ilha de Xangô e Yemanjá
Yorubá igual a Bahia
Desde Célia Cruz
Cuando yo era un niño de Jesus
E a revolução
Que também tocou meu coração
Cuba seja aqui
Essa ouvi dos lábios de Peti
Desde o cha-cha-cha
Mamãe eu quero ir a Cuba
E quero voltar.
______________________
Caetano declama o poema COPLA CUBANA, de Federico García Lorca (1898-1936), no meio desta música:
¡Lloran sobre el Mar de Cuba
enormes flores bermejas
sobre la isla perdida
el aire amarillo tiembla!
______________________
Mas se eu tivesse que escolher uma deste disco, apesar de adorar
É Hoje, eu escolheria esta daqui, que nem do Caetano é:
Bobagens, Meu Filho, Bobagens
(Marina Lima e Antônio Cícero)
Senti no seu olhar tanto prazer
Posso esperar tudo com você
E olha que te vi de passagem
Mas pensei: forte broto na cidade
Só sei que estava pronto pra te encontrar
Passei do ponto de querer voltar
Desta bárbara viagem
Bateu paixão radical sem margem
Então vem, sorri
Porque nós dois estamos só de passagem
Pelas cidades deste mundo
Então vem, vem e me ama
Por uns momentos profundos
E o resto bobagens, meu filho, bobagens.
__________________
A Marina toca violão nesta gravação e o arranjo é dela. Mas não adianta só ler a letra. Tem que ouvir a música. A-D-O-R-O!
Ficam faltando duas pra fechar o lp. A curtinha Musical e Coisa Mais Linda:
Musical
(Péricles Cavalcanti)
Tudo é um
Tudo é mil
Tudo acaba e nada tem fim
Tudo bem
Tudo mal
Tudo azul, nada é assim
Tudo discorda
Em harmonia universal
Tudo é assim musical
E no centro de tudo
Eu e você.
Coisa Mais Linda
(Carlos Lyra e Vinícius de Moraes)
Coisa mais bonita é você assim
Justinho você
Eu juro, eu não sei por que você
Você é mais bonita que a flor
Quem dera a primavera da flor
Tivesse todo esse aroma de beleza que é o amor
Perfumando a natureza numa forma de mulher
Por que tão linda assim
Não existe a flor
Nem mesmo a cor não existe
E o amor, nem mesmo o amor existe.
______________________________________________________________________
25/05/2004 08:17
Refém da Solidão
(Baden Powell e Paulo César Pinheiro)
Quem da solidão fez seu bem
Vai terminar seu refém
E a vida pára também
Não vai nem vem
Vira uma certa paz
Que não faz nem desfaz
Tornando as coisas banais
E o ser humano incapaz de prosseguir
Sem ter pra onde ir
Infelizmente eu nada fiz
Não fui feliz nem infeliz
Eu fui somente um aprendiz
Daquilo que eu não quis
Aprendiz de morrer
Mas pra aprender a morrer
Foi necessário viver
E eu vivi
Mas nunca descobri
Se essa vida existe
Ou se essa gente é que insiste
Em dizer que é triste ou que é feliz
Vendo a vida passar
E essa vida é uma atriz
Que corta o bem na raiz
E faz do mal cicatriz
Vai ver até que essa vida é morte
E a morte é
A vida que se quer.
______________________________
Este samba foi gravado por Yvette, Maria Odette, Maria Cecília Moura Leme, Márcia, Elizeth Cardoso e Rafael Rabello, Elizeth Cardoso, Eduardo Gudin e Paulo Cesar Pinheiro, dentre outros.
Coisas do Mundo, Minha Nega
(Paulinho da Viola)
Hoje eu vim, minha nega
Como venho quando posso
Na boca as mesmas palavras
No peito o mesmo remorso
Nas mãos a mesma viola
Onde gravei o teu nome
Nas mãos a mesma viola
Onde gravei o teu nome
Venho do samba há tempo, nega
Vim parando por aí
Primeiro achei Zé Fuleiro
Que me falou de doença
Que a sorte nunca lhe chega
Está sem amor e sem dinheiro
Perguntou se eu não dispunha de algum
Que pudesse dar
Puxei então da viola, cantei um samba pra ele
Foi um samba sincopado
Que zombou do seu azar
Hoje eu vim, minha nega
Andar contigo no espaço
Tentar fazer em seus braços
Um samba puro de amor
Sem melodia ou palavra pra não perder o valor
Sem melodia ou palavra pra não perder o valor
Depois encontrei seu Bento, nega
Que bebeu a noite inteira
Estirou-se na calçada
Sem ter vontade qualquer
Esqueceu do compromisso
Que assumiu com a mulher
Não chegar de madrugada
E não beber mais cachaça
Ela fez até promessa, pagou e se arrependeu
Cantei um samba pra ele
Que sorriu e adormeceu
Hoje eu vim, minha nega
Querendo aquele sorriso
Que tu entregas pro céu
Quando te aperto em meus braços
Guarda bem minha viola
Meu amor e meu cansaço
Guarda bem minha viola
Meu amor e meu cansaço
Por fim eu achei um corpo, nega
Iluminado ao redor
Disseram que foi bobagem
Um queria ser melhor
Não foi amor nem dinheiro
A causa da discussão
Foi apenas um pandeiro
Que depois ficou no chão
Não tirei minha viola, parei
Olhei e vim-me embora
Ninguém compreenderia
Um samba naquela hora
Hoje eu vim, minha nega
Sem saber nada da vida
Querendo aprender contigo a forma de se viver
As coisas estão no mundo
Só que eu preciso aprender
As coisas estão no mundo
Só que eu preciso aprender.
_________________________________
Já deste samba, que foi defendido na I Bienal do Samba da Record, só conheço as gravações do Paulinho e da Nara Leão.
Atendendo a milhares e milhares de um pedido (do nosso leitor Sima) foi que resolvi transcrever a letra destes dois clássicos que eu adoro, naturalmente. E que já cantei muito nas minhas noites de Bom Motivo.
_______________________________________________________________________
20/05/2004 04:51
O Vestido
Este é o nome do novo filme de Paulo Thiago. Trata-se de uma adaptação do romance de mesmo nome de Carlos Herculano Lopes que, por sua vez, baseou-se no belo poema de Carlos Drummond de Andrade, que vai abaixo:
Caso do Vestido
(Carlos Drummond de Andrade)
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio. Disfarcemos.
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,
última peça de luxo
que guardei como lembrança
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.
_____________________________
Texto extraído do livro "Nova Reunião - 19 Livros de Poesia", José Olympio Editora - 1985, pág. 157.
Gostei do filme, mas tenho algumas reclamações. Dentre elas, o que me incomodou muito foram os erros de português contidos no filme. Neste endereço é possível ler uma crítica interessante.
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18/05/2004 18:22
Eu sou apaixonada por música brasileira, como todos sabem. Mas se tem um gênero importado que me atrai demais da conta é o foxtrote.
Aqui no Brasil este gênero surgiu ainda nos anos vinte, e se difundiu através do cinema. Nas décadas de 30 e 40 vários compositores brasileiros se dedicaram ao gênero, criando pérolas como as que vou transcrever abaixo.
A gravadora Revivendo dedicou dois cds ao gênero (n. 41 e n. 85).
Renúncia
(Roberto Martins e Mário Rossi)
Hoje não existe nada mais entre nós
Somos duas almas que se devem separar
O meu coração vive chorando e minha voz
Já sofremos tanto
Que é melhor renunciar
A minha renúncia
Enche-me a alma e o coração de tédio
A tua renúncia
Dá-me um desgosto que não tem remédio
Amar é viver
É um doce prazer embriagador e vulgar
Difícil no amor é saber renunciar
É saber renunciar.
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Gravado originalmente por Nelson Gonçalves e Luis Americano (com seu conjunto), em 1942.
Mulher
(Custódio Mesquita e Sadi Cabral)
Não sei
Que intensa magia
Teu corpo irradia
Que me deixa louco assim, mulher
Não sei
Teus olhos castanhos
Profundos, estranhos
Que mistérios ocultarão, mulher
Não sei dizer
Mulher
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
E a teus pés eu fico a implorar
O teu amor tem um gosto amargo
Eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor
Por teu amor, mulher.
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Gravado originalmente por Silvio Caldas (com orquestra) em 1940.
Naná
(Custódio Mesquita/Jardel e Geysa Bôscoli)
Naná
És sonho que se fez mulher
És dia em pleno amanhecer
Naná, Naná
Igual a ti no mundo outra não há
Vem aos meus braços
Vem, vem cá
Nasceste para mim, Naná
Tens da lua a própria luz no olhar
Quem te vê deseja logo te beijar
Naná, primavera, sonho e flor
Nosso amor, deslumbramento
Cheio de esplendor
Teu, querida,
Serei por toda a vida.
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Gravada originalmente por Orlando Silva e orquestra em 1940. Este fox fez parte da opereta Gandaia, que tinha libreto de Geysa Bôscoli (teatrólogo de revistas, escritor, compositor, advogado e empresário) e músicas de Custódio Mesquita. Geysa era sobrinho de Chiquinha Gonzaga e foi considerado um dos melhores produtores do teatro musicado brasileiro.
Olhos Negros
(Custódio Mesquita e Ary Monteiro)
Olhos negros
Lindos olhos
São como escolhos
Na tormenta de um coração
Olhos negros, perdição
Faróis traiçoeiros
Fizeram prisioneiros
Meus olhos cheios de paixão
Olhos negros
Tão tristes como o teu olhar
Só existe as noites tristes sem luar
Olhos negros
Que de paixão me fazem morrer
E mesmo assim são toda a razão
Do meu viver.
___________________
Gravado originalmente por Nelson Gonçalves em 1943. Vale observar que Ary Monteiro, segundo Bruno Ferreira Gomes em seu livro Custódio Mesquita – Prazer em Conhecê-lo, era banqueiro de corrida de cavalos e entrou no meio de compositores para justificar perante as autoridades policiais que tinha outra fonte de renda que não a contravenção. Ainda no mesmo livro consta a informação de que Jorge Faraj negociou duas letras com Ary Monteiro, sendo uma delas Olhos Negros.
Céu cor-de-rosa (Indian Summer)
(Victor Herbert e Al Dublin, com versão de Haroldo Barbosa)
Ontem, na tarde formosa
Num céu cor-de-rosa
Longe, longe
Divagando e pensando em ti fiquei
Tuas juras de amor eu recordei
Melancolicamente, lembrei o passado
Procurei-te ao meu lado
Triste sonho
Como um sol no poente morreu
Assim minha alma escureceu
Na solidão
Noite, noite em meu coração
Ontem, revendo as lembranças do passado
Eu quis procurar-te ao meu lado
Quis, sonho em vão
Teu calor eu não senti
Como o sol no poente ficou
Assim o amor já se acabou
Desilusão
Noite, noite em meu coração.
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A versão brasileira foi gravada originalmente por Francisco Alves & As Três Marias, acompanhados pela Orquestra Odeon sob a batuta do maestro Lírio Panicalli.
Composta em 1919, esta música originalmente fez parte do filme The Great Victor Herbert (Sonho Maravilhoso), de 1939.
Ai de Mim (All of Me)
(Simons/Marks, com versão de Neuza de Souza)
Ai de mim,
Querida, ai de mim
Não sei viver
Tão solitário assim
É tão cruel
Viver sozinho
Vem me ofertar
O teu carinho
Meu coração
Já não quer mais pulsar
Ingratidão já quase o fez parar
Sem teu amor
A vida é ruim
Querida, tem dó de mim.
Dos meus braços tu não sairás
(Roberto Roberti)
Meu amor
Pensa bem no que tu vais fazer
Um amor sincero igual ao meu
Hoje não se encontra mais
Meu amor
Tu não podes me abandonar
Eu que fiz teu coração feliz
Eu que te dei o que ninguém te soube dar
Meu amor
Se tu julgas que serás feliz
Me deixando aqui sozinha assim
Eu te deixo partir
Não, não, não, não, amor
Dos meus braços tu não sairás
Se tentares me abandonar
Nem sei de que serei capaz.
Dá-me tuas mãos
(Roberto Martins e Mário Lago)
Por que tanta pressa de chegar ao fim
Por que terminar o nosso amor assim
Se eu não revelei
Tudo que sonhei
E nem tu disseste tudo para mim
Dá-me tuas mãos, por favor
Põe os teus olhos nos meus
E eles dirão quanta dor
Vai me causar este adeus
Ficou tão triste o luar
Vendo acabar o nosso amor
Tudo te manda ficar
Dá-me tuas mãos, por favor.
____________________
Estes são meus foxes prediletos. Infelizmente não estou com tempo pra pesquisar datas e outras gravações. Quem gostar do assunto pode comprar (já vi a preço de banana) um CD do Sidney Magal (é, é isto mesmo...) chamado Sidney Magal & Big Band (Globo/Polydor), que é belíssimo. Além dos dois já citados da Revivendo. É isso daí.
Nada Além
(Custódio Mesquita e Mário Lago)
Nada além
Nada além de uma ilusão
Chega bem
E é demais para o meu coração
Acreditando em tudo que o amor
Mentindo sempre diz
Eu vou vivendo assim feliz
Na ilusão de ser feliz
Se o amor
Só nos causa sofrimento e dor
É melhor
Bem melhor a ilusão do amor
Eu não quero e não peço
Para o meu coração
Nada além de uma linda ilusão.
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Gravado originalmente por Orlando Silva (e Orquestra Victor Brasileira) em 1938.
Você Só... Mente
(Noel Rosa e Hélio Rosa)
Não espero mais você, pois você não aparece
Creio que você se esquece das promessas que me faz
E depois vem dar desculpas, inocentes e banais
É porque você bem sabe
Que em você desculpo
Muita coisa mais
O que sei somente
É que você é um ente
Que mente inconscientemente
Mas finalmente
Não sei por quê
Eu gosto imensamente
De você
E invariavelmente, sem ter o menor motivo
Em um tom de voz altivo
Você quando fala mente
Mesmo involuntariamente, faço cara de contente
Pois sua maior mentira
É dizer à gente que você não mente.
_____________________
Gravado originalmente por Aurora Miranda e Francisco Alves (com Orquestra Odeon) em 1933. Na obra de Noel aparecem apenas dois foxes, este e o que vou transcrever agora, que eu amo e que não tem nada a ver com as letras românticas da época:
Julieta
(Noel Rosa e Eratósthenes Frazão)
Julieta
Não és mais um anjo de bondade
Como outrora sonhava
O teu Romeu
Julieta
Tens a volúpia da infidelidade
E quem te paga as dívidas sou eu
Julieta
Tu não ouves meu grito de esperança
Que afinal de tão fraco não alcança
As alturas do teu arranha-céu
Tu decretaste a morte aos madrigais
E constróis um castelo de ideais
No formato elegante de um chapéu
Julieta
Nem falar em Romeu
Tu hoje queres
Borboleta sem asas, tu preferes
Que te façam carícias de papel
Nos teus anseios loucos, delirantes
Em lugar de canções queres brilhantes
Em lugar de Romeu, um coronel.
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Gravado originalmente por Castro Barbosa e orquestra em 1931.
Loura ou Morena
(Vinícius de Moraes e Haroldo Tapajós)
Se por acaso o amor me agarrar
Quero uma loira pra namorar
Corpo bem feito, magro e perfeito
E o azul do céu no olhar
Quero também que saiba dançar
Que seja clara como o luar
Se isso se der
Posso dizer que amo uma mulher
Mas se uma loura eu não encontrar
Uma morena é o tom
Uma pequena, linda morena
Meu Deus, que bom
Uma morena era o ideal
Mas a loirinha não era mau
Cabelo louro vale um tesouro
É um tipo fenomenal
Cabelos negros têm seu lugar
Pele morena convida a amar
Que vou fazer?
Ah, eu não sei como é que vai ser...
Olho as mulheres, que desespero
Que desespero de amor
É a loirinha, é a moreninha
Meu Deus, que horror!
Se da morena vou me lembrar
Logo na loura fico a pensar
Louras, morenas
Eu quero apenas a todas glorificar
Sou bem constante no amor leal
Louras, morenas, sois o ideal
Haja o que houver
Eu amo em todas somente a mulher.
_________________
Gravado pelos irmãos Paulo e Haroldo Tapajós (com Orquestra Columbia) em 1932.
Não troquemos de mal
(Jorge Faraj e H. Brito – que é o compositor Rubens Leal Brito)
Não devemos ocultar
Nosso grande amor chegou ao fim
Nada sou agora ao teu olhar
Nada agora és para mim
Mas não pode o nosso amor
Terminar de um modo tão banal
Terminemos, sim, mas por favor
Não troquemos de mal
Não sei bem se voltarás
Se voltarei não sei também
Nosso amor é bem capaz de nos fazer
Trocar de bem
Meu amor
Mas não pode o nosso amor
Terminar de um modo tão banal
Terminemos sim mas, por favor
Não troquemos de mal.
__________________
Gravado originalmente por Newton Teixeira com Conjunto de Benedito Lacerda em 1943.
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17/05/2004 21:28
As Três Lágrimas
Ary Barroso, 1939
Eu chorei
Pela primeira vez na minha vida
Quando minha vida começou
Éramos então duas crianças
Cheias de vida e de esperanças
Lembro-me bem do teu olhar espantado
Quando te roubei um beijo bem roubado
E uma lágrima dos olhos me rolou
Eu chorei
Pela segunda vez na minha vida
Quando minha vida desmoronou
Tínhamos então mais vinte anos
Mágoas, saudades, desenganos
Lembro-me bem do teu olhar esquisito
Quando te olhei surpreso e muito aflito
E uma lágrima dos olhos te rolou
Eu chorei
Pela terceira vez na minha vida
Quando minha vida se acabou
Vinha pela rua amargurado
Quando ouvi bem o teu chamado
Lembro-me só que já fugira a meiguice
E o teu lindo olhar agora era velhice
E uma lágrima dos olhos nos rolou.
__________
Esta música vai pro meu amigo Filipe, com quem vou criar um novo blog, o Guaraná com Formicida ;-)))))))
Conheço as seguintes gravações: Trio Surdina, Silvio Caldas, Roberto Silva, Roberto Paiva, Orquestra Tabajara de Severino Araújo, Ney Matogrosso, Maysa, Marisa, Jair Rodrigues, Isaurinha Garcia, Elizeth Cardoso, Claudia Moreno, Carlos José, etc.
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17/05/2004 20:59
Cansei de esperar
D. Yvone Lara/Délcio Carvalho
Quando cansei de esperar você
Vi minha estrela maior renascer
Vi minha vida mais colorida
Cheia de encanto e de mais prazer
Vi quando o mar se abriu
Deixando passar todo meu sentimento
Até na chuva e no vento vi a luz da poesia
Minha alegria voltou
Brilhando no alvorecer
Quando deixei de amar
E esperar por você.
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Este samba é lindíssimo. Está aqui a pedido de minha amiga Mariana.
14/05/2004 02:07
Ninguém me Ama
Fernando Lobo e Antônio Maria
Ninguém me ama, ninguém me quer,
Ninguém me chama de meu amor.
A vida passa, e eu sem ninguém,
E quem me abraça não me quer bem.
Vim pela noite tão longa
De fracasso em fracasso
E hoje descrente de tudo me resta o cansaço,
Cansaço da vida, cansaço de mim,
Velhice chegando e eu chegando ao fim.
____________
Esta vai pro meu querido amigo Filipe, que sugeriu que eu peça patrocínio do C.V.V. ;-)
14/05/2004 01:47
O amor e a rosa
Antonio Maria/Pernambuco
Guarde a rosa
Que eu te dei
Esquece os males
Que eu te fiz
A rosa vale mais
Que a tua dor
Se tudo passou
Se o amor acabou
A rosa deve ficar
Num canto qualquer
Do teu coração
O amor reviverá.
___________
Sou louca por esta música. Ela acabou de ser regravada pelo grupo carioca Sururu na Roda. Também conheço as seguintes gravações: Britinho, Juca Mestre e seus Brasileiros, Lúcio Alves, Marisa Gata Mansa, Maysa, Miltinho.
10/05/2004 20:55
Mordaça
Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro
Tudo que mais nos uniu, separou
Tudo que tudo exigiu renegou
Da mesma forma que quis recusou
O que torna essa luta impossível e passiva
O mesmo alento que nos conduziu debandou
Tudo que tudo assumiu desandou
Tudo que se construiu desabou
O que faz invencível a ação negativa
É provável que o tempo faça a ilusão recuar
Pois tudo é instável e irregular
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar
Mas só se a vida fluir sem se opor
Mas só se o tempo seguir sem se impor
Mas só se for seja lá como for
O importante é que a nossa emoção sobreviva
E a felicidade amordace essa dor secular
Pois tudo no fundo é tão singular
É resistir ao inexorável
O coração fica insuperável
E pode em vida imortalizar
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar.
____________________________________________________________________________
10/05/2004 20:16
Toninho Horta, que já foi considerado um dos 10 melhores guitarristas do mundo, também tem umas músicas bem bonitas, que curti muito na minha adolescência. Algumas delas:
Beijo Partido
(Toninho Horta)
Sabe, eu não faço fé nessa minha loucura
E digo
Eu não gosto de quem me arruína em pedaços
E Deus é quem sabe de ti
E eu não mereço um beijo partido
Hoje não passa de um dia perdido no tempo
E fico longe de tudo o que sei
Não se fala mais nisso
Eu sei, eu serei pra você
O que não me importa saber
Hoje não passo de um vaso quebrado no peito
E grito olha o beijo partido
Onde estará a rainha
Que a lucidez escondeu, escondeu...
_______________
Música linda, já foi gravada por Emílio Santiago, Leo Peracchi, Milton Nascimento, Nana Caymmi, Pery Ribeiro, Rildo Hora, Tamba Trio, Wilson Miranda, Joyce, etc.
Manuel, o Audaz
(Toninho Horta e Fernando Brant)
Se eu já nem sei o meu nome
Se eu já nem sei parar
Viajar é mais, eu vejo mais
A rua, luz, estrada, pó
O Jeep amarelou
Manoel o Audaz, Manuel o Audaz, Manuel o Audaz
Vamos lá, viajar
E no ar livre, corpo livre
Aprender ou mais tentar
Manoel, o Audaz
Iremos tentar
Vamos aprender
Vamos lá...
Diana
(Toninho Horta e Fernando Brant)
Velha amiga eu volto à nossa casa
Já não te encontro alegre, quase humana
Corpo pintado de branco e marrom
E uma tristeza no olhar
Como se conhecesse dor milenar
Já não te encontro à espera ao pé da porta
Correndo viva e bela ou descansando
Tanto vazio por todo lugar
Tanto silêncio sinto ao chegar
Ao nosso território de brincar
Almoço aos domingos, a velha farra
Todos vão inventando novos segredos
Fica a ausência branca e marrom
E uma tristeza milenar
Mas os meninos voltaram a brincar
Como se ainda sentissem o teu olhar
Diana, Diana, Diana, Dianá, Dianá
Diana, Diana, Diana, Dianá, Diá, Dianá, Dianá
Diana, Diana, Diana, Dianá, Dianá
________________
Grande sucesso do Boca Livre, conheço também a gravação de Olívia Hime. Dizem que Diana era o nome de uma cadela da família.
Durango Kid
(Toninho Horta e Fernando Brant)
Propriamente eu sou Durango Kid
Eu vim trazer, eu vim mostrar
Novo jornal, novo sorriso
Novo jornal, novo sorriso
Propriamente dizer o som exato
Pois hoje eu sou o que eu fui
Não desmenti o meu passado
Esse jornal é o meu revólver
Esse jornal é o meu sorriso
Esse jornal é o meu sorriso.
_________________
Conheci esta música com o Milton Nascimento, está no disco Milton , de 1970.
A biografia de Toninho Horta pode ser encontrada aqui.
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10/05/2004 17:23
Nana Caymmi dois - A missão
Continuo ouvindo Nana... comprei dois discos dela que são belíssimos, "E a gente nem deu nome" (Emi-Odeon, 1981) e "Chora Brasileira" (Emi, 1985). Já conhecia várias músicas, que não ouvia há séculos, não consigo trocar de disco:
Nenhuma lágrima
(Sueli Costa)
Nem uma lágrima
Nem uma lástima
Só este chorinho meio antigo
Pra dizer que eu não chorei de amor
Nem uma lágrima
Quem me olha e não me vê
Aprendi, amor, vou repetir
Enquanto eu fizer canção
E tocar violão
E atravessar a dor
Com os olhos na poesia
E os passos no meu dia
Mas amor, não choro, não
Nem mais uma lágrima de amor.
* Estou em dúvida: eu ouço 'só este chorinho MEU antigo', mas achei esta letra com 'MEIO antigo'... alguém sabe tirar minha dúvida?
Outra que amo, cantei muito na minha vida, não ouvia há pelo menos dez anos:
Bons Amigos
(Toninho Horta/Ronaldo Bastos)
Diz que vai sumir
Finge não me ouvir
Briga por brigar
O amor passou
O melhor passou
Fala por falar
Diz que vai morrer
Louca pra me ver chorar
Faz que se enganou
Perto de me perdoar
Mas se o tempo muda ela se faz mulher
Vem a saudade do que a gente é
Vem a vontade de estar junto e ser
O caso mais antigo
Mais que bons amigos somos
Muito mais que bons amigos.
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Último Desejo
(Noel Rosa)
Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão
Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero o seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar
Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação
E às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim.
Tenho que admitir que não aguento mais ouvir esta música, já enjoei. Claro que ela é lindíssima, mas sabe como é viver na noite, tem aquelas músicas que vc não aguenta mais, de tanto que são tocadas. Mas esta gravação da Nana é pra chorar mesmo. Ela é acompanhada apenas por Hélio Delmiro (violão) e Rafael Rabello (violão de 7 cordas).
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06/05/2004 15:20
Vou postar agora Cristo nasceu na Bahia, maxixe de Sebastião Cirino e Duque (1926) gravado na Casa Edison por Arthur Castro. Fez parte da revista Tudo preto, representada pela Companhia Negra de Revistas, no teatro Rialto:
Dizem que Cristo
Nasceu em Belém
A história se enganou
Cristo nasceu na Bahia, meu bem
E o baiano criou
Na Bahia tem vatapá
Na Bahia tem caruru
Moqueca e arroz-de-auçá
Manga, laranja e caju
Cristo nasceu na Bahia, meu bem
Isto sempre hei de crer
Bahia é terra santa, também
Baiano santo há de ser.
Neste link é possível ler a biografia de Sebastião Cirino: http://www.geocities.com/locbelvedere/Biografia/BiografiaSebastiaoCirino.htm
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06/05/2004 06:11
Voltei
Olá, amigos. Desculpem a demora, mas minha vida está uma verdadeira loucura. Fiquei uns doze dias sem computador, depois fui pra Curitiba (com o grupo Choro Rasgado: eu, o Zé Barbeiro 7 Cordas, o Alessandro Penezzi - violão e o Rodrigo Y Castro na flauta) participar do Festival de Choro promovido pelo Clube de Choro de lá, defendendo um lindo choro do Zé, Baba de Calango: pegamos o 2. lugar, foi um arraso. Aliás, foi uma viagem deliciosa, Curitiba é uma cidade extremamente agradável - apesar do frio. Ficamos na casa de uma amiga muito querida, grande artista plástica, Iara Teixeira, co-autora de um livro lindíssimo chamado História da Música Popular Brasileira para Crianças. Muito obrigada, Iara.
De volta à rotina, aquela correria: show com Rômulo Fróes, vcs conhecem? É um compositor novo, considerado da geração "Indie samba". Na mesma semana show com a Família Nogueira: Gisa, Didu e Diogo Nogueira, respectivamente irmã, sobrinho e filho de João Nogueira. Um luxo!!! O filho do João é simplemente maravilhoso. Cheio de suingue, tem a voz do pai. Muito emocionante. Nesta sexta vamos tocar com o Moacyr Luz.
16/04/2004 13:46
Chegou o Dia
(Geraldo Pereira/Elpídio Viana)
Tenho dito que vou-me embora
Mas quando você chora
Eu não posso resistir
Ai, valei-me Nossa Senhora
Maldita hora em que eu lhe conheci
Quero que Deus me dê um castigo
Se eu falar mais consigo
Se eu botar meus pés de novo aqui
Por que é que choras
Se você gosta de mim não parece
Por que é que choras
Se você me adora pra que me aborrece
Há muito tempo
Que eu vivo nessa agonia
Dizendo que vou-me embora
E hoje chegou o dia!
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Samba de 1945 gravado originalmente na Continental por Déo, com acompanhamento do Regional de Benedito Lacerda. Outra gravação - linda - é de uma cantora que eu amo, mas que poucos conhecem: Amélia Rabello (sim, é irmã do Rafael e da Luciana).
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15/04/2004 14:23
Atendendo a milhares e milhares de um pedido (da Anabel), aqui vai a letra de um samba presente no belíssimo disco Samba da Cidade, do Moacyr Luz (Lua Discos):
Cabô, Meu Pai
(Moacyr Luz, Luiz Carlos da Vila e Aldir Blanc)
O pai me disse que a tradição é lanterna
Vem do ancestral, é moderna
Bem mais que o modernoso
E aí é o meu coração que governa
Na treva é a luz mais eterna
O todo mais poderoso.
Também me disse
Com aquele jeito orgulhoso,
Que o samba é mais que formoso
Que ninguém lhe passa a perna
É a marola que vira o mar furioso
Netuno misterioso
O tesouro da caverna
A jura é pra quem rezar
A reza é pra quem jurar
A alma pra sempre é a do Fundador
Maré muda com o luar
Futuro é pra quem lembrar
Se é isso que o pai ensinou
Cabô
Cabô, meu pai...
Cabô, ô ô
Cabô, meu pai... Cabô.
Ontem D. Ivone Lara fez 83 anos. Ela é tão linda...
Sexta que vem vou tocar no Traço de União com outro ídolo, compositor genial e pessoa magnífica. Um cantor dono de sensibilidade única: Délcio Carvalho. Parceirão de D. Ivone. Para homenageá-los, um samba deles:
Acreditar
Acreditar, eu não
Recomeçar, jamais
A vida foi em frente
E você, simplesmente, não viu que ficou pra trás.
Não sei se você me enganou
Pois quando você tropeçou
Não viu o tempo que passou
Não viu que ele me carregava
E a saudade lhe entregava
O aval da imensa dor
E eu, que agora moro nos braços da paz
Ignoro o passado que hoje você me traz.
14/04/2004 06:10
A Lua e o Conhaque
(Délcio Carvalho/Afonso Machado/Luiz Moura)
Pra que fugir
Se as lembranças não vão te largar
O remorso vai te perseguir
E te afligir até cansar
Pra que voltar
Se no mundo não há mais nós dois
Nossa festa acabou
Nosso céu desabou
Sei que estás sentindo o desprazer da solidão
Sombras na parede
Folhas mortas pelo chão
A noite pesada sem ter pressa de passar
A lua e o conhaque misturando-se no ar
Ah, se tu soubesses quanta coisa se perdeu
O quanto esbanjamos pela vida tu e eu
Melhor é esperar o sol despontar
Com ele achar um jeito de sorrir e de cantar
Pra que fingir se a dor transparece no olhar
O oásis da mesa de um bar não tem o dom de povoar
A solidão, folha seca que ao vento se deu
É o silêncio a cantar a ilusão que morreu.
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Hoje recebemos a visita de três grandes amigos no Ó do Borogodó: um dos autores da bela música acima (que foi gravada pelo Délcio com a Zezé Gonzaga), Afonso Machado (bandolinista, compositor e arranjador do Galo Preto), o violonista Bartolomeu Wiese, também do Galo Preto, e o cantor e compositor Elton Medeiros. Não é um luxo?
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13/04/2004 17:38
Abel Ferreira
Segunda-feira foi aniversário de morte do grande clarinetista, saxofonista e compositor mineiro Abel Ferreira (15/2/1915-12/4/1980). Vou colocar aqui uma de suas músicas mais bonitas, presente no disco Abel Ferreira e Filhos (Marcus Pereira), na voz de Vânia Ferreira:
Acariciando
(Abel Ferreira/Lourival Faissal)
Se eu vivo a esperar por teu amor
Como o dia espera o sol
E a noite dos sonhos espera o luar
Eu sei que sem ti não sei viver
És razão do meu padecer
Mas eu preciso te ver
Te falar, te ouvir, te beijar, te querer
Depressa me traz o teu amor
Vem amenizar a dor
Se alguém te disser que me ouviu
Suspirando de amor e me viu junto ao mar
Soluçando sozinha
Mentiu
Nesta mágoa que é minha
Eu não posso estar só
Vives longe sem dó
Mas estás junto a mim
Amor
Eu bem sei que também
Sentes falta de mim
E que sofres assim
E me tens na lembrança
Amor
Vem viver a esperança
Não devemos ficar
Longe acariciando desejos iguais.
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12/04/2004 18:16
Pois é
(Tom Jobim/Chico Buarque, 1968)
Pois é
Fica o dito e o redito por não dito
E é difícil dizer que foi bonito
É inútil cantar o que perdi
Taí
Nosso mais-que-perfeito está desfeito
E o que me parecia tão direito
Caiu desse jeito sem perdão
Então
Disfarçar minha dor eu não consigo
Dizer: somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim
Enfim
Hoje na solidão ainda custo
A entender como o amor foi tão injusto
Pra quem só lhe foi dedicação
Pois é, e então...
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Esta música, bem como as que postei abaixo, foi muito importante na minha vida em determinado momento. Pois é foi gravada por Chico, Elis Regina, Gal Costa, Elis Regina e Tom Jobim, Raphael Rabello, Nelson Ayres e Roberto Sion, Nana Caymmi, etc.
Para Falar a Verdade, da dupla Sergio Cabral e Rildo Hora, é lindíssima. Aliás, esta é uma dupla e tanto. Suas músicas são quase todas desconhecidas, exceto Os Meninos da Mangueira. Existe um lp só com músicas dos dois, Rildo Hora ... e Sérgio Cabral (1980, RCA). Não preciso dizer que é raro.
Os meninos da Mangueira
Um menino da Mangueira
Recebeu pelo Natal
Um pandeiro e uma cuíca
Que lhe deu Papai Noel
Um mulato sarará
Primo-irmão de dona Zica
E o menino da Mangueira
Foi correndo organizar
Uma linda bateria
Carnaval já vem chegando
E tem gente batucando
São meninos da Mangueira
Carlos Cachaça, o menestrel
Mestre Cartola, o bacharel
Seu Delegado, um dançarino
Faz coisas que aprendeu com Marcelino
E a velha guarda se une aos meninos lá na passarela
Abram alas que vem ela
A Mangueira toda bela
O Padeirinho, cadê Xangô
O Preto Rico chama o Sinhô
E Dona Neuma, maravilhosa
É a primeira mulher da verde-rosa
E onde é que se juntam o passado, o futuro e o presente
Onde o samba é permanente
Na Mangueira, minha gente
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A gravação mais famosa deste samba é com a Sandra de Sá. Conheço também com Ataulfo Jr., Jair Rodrigues, O Samba Continua, Os Batuqueiros, Os Maneiros, Rildo Hora, Samba Bom, Sambalivre, Sivuca e Rildo Hora, Toco Preto, etc.
Todas as demais músicas são lindas. Sorri recebeu gravação de Djavan, um dos meus cantores prediletos. Obra-prima, que faz jus ao nome, foi gravada por Kika Pilon, Lúcio Cardim, Milena, Nora Ney, etc. Até Pensei recebeu gravação de Zimbo Trio, Elizeth Cardoso, do próprio autor, Chico Buarque, Taiguara, Eduardo Conde, Antônio Farinaci, Agnaldo Rayol, etc.
11/04/2004 21:53
Para Falar a Verdade
(Sérgio Cabral e Rildo Hora, gravação de Maria Creuza)
Para falar a verdade não tenho palavras
E qualquer coisa que eu diga é conversa fiada
Por esse tempo eu não canto não
Como é bom cantar
Só depende de você
O verão chegar
Talvez um sorriso
Vá mudar a decisão
Um céu azul prateado
Você vai ver
A noite será toda estrelada
Alegre como um carnaval no Rio
Sem essa escuridão a me embargar a voz.
Até Pensei (Chico Buarque)
Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caía
Toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade
Morava tão vizinha
Que de tolo
Até pensei que fosse minha
Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me via
Eu andava pobre
Tão pobre de carinho
Que de tolo
Até pensei que fosse minha
Toda a dor da vida
Me ensinou essa modinha
Que de tolo
Até pensei que fosse minha.
Obra-prima
(Lúcio Cardim/Norberto Pereira)
Levar você de mim é muito fácil
Eu bem sei
Difícil é fazer você feliz
Você é o resultado dos problemas que eu criei
Ninguém vai corrigir os cálculos que fiz
Levar você de mim é procurar saber quem sou
Depois é descobrir que ao partir você ficou
Você é a obra-prima dos meus versos
Produto das loucuras que eu fiz
Levar você de mim é muito fácil
Difícil é fazer você feliz!
Sorri (Smile)
Charles Chaplin, Geofreu Parsons e John Turner–Versão:João de Barro
Sorri, quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos, vazios
Sorri, quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri
Quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados, doridos
Sorri
Vai mentindo a tua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor que és feliz.
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Prometo publicar músicas mais animadas da próxima vez ;-)
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09/04/2004 04:44
O Rio de Janeiro continua lindo...
Estive no Rio numa viagem a jato, fui domingo à tarde e voltei terça de manhã. Peço antecipadamente desculpas aos amigos que não avisei, mas não deu mesmo.
Fui com o Léo, do Ó do Borogodó, a convite de duas batalhadoras: as gaúchas Aline e Camila, que estão, ao lado de alguns músicos e amigos, tentando reabrir o Bar Semente, agora chamado de Comuna do Semente, ponto dos mais importantes da Lapa.
É muito legal o trabalho das meninas pra manter aberto esse espaço, que já recebeu tanta gente famosa em seu pequeno e aconchegante palco, bem embaixo dos arcos da Lapa.
Participamos de duas rodas, uma no domingo, onde conheci algumas pessoas legais, como o Thiago (bandolinista filho do Ronaldo, do Época de Ouro), o violonista de 7 cordas Marlon Mouzer e o violonista Gabriel Improta, que tem um belo disco que será comentado aqui em breve. Coincidentemente, encontrei alguns amigos (cariocas) que moram aqui em São Paulo, o violonista e compositor Chico Saraiva, vencedor do último Prêmio Visa de compositores, o multiinstrumentista Renato Anesi e uma cantora paulista (de Ribeirão Preto), a Verônica. Os três iam se apresentar na quarta-feira no Mistura Fina. Deram uma supercanja, todo mundo ficou impressionadíssimo, afinal, eles são geniais. O Renato é o máximo, suas composições e seu virtuosismo impressionam. O Chico, além de exímio violonista, é um grande compositor, suas músicas são um luxo, algumas com letras do Luiz Tatit. E a Verônica canta muito bem... ela está começando agora sua carreira que, com certeza, será bem longa. Fiquem ligados!!!!
E o melhor da viagem foi encontrar um amigo muito querido, que pra mim é Deus: Márcio Bahia, percussionista. Vocês conhecem????? É um espanto. Toca com todo mundo, mas eu o escutei pela primeira vez nos discos do Hermeto. Além de ser um troço de bom, ele ainda é a pessoa mais simpática que já conheci. Humilde de dar raiva. Nossa Senhora, um dia eu chego lá!!!!!!!!!!!!!! ;-)
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08/04/2004 19:32
A Vida me Fez Assim: Teresa Cristina
Sempre muitíssimo bem-acompanhada pelo Grupo Semente (Bernardo Dantas no violão, João Callado no cavaquinho e Pedro Miranda na percussão e na voz), Teresa lançou seu primeiro CD em 2002, um álbum duplo com músicas do repertório de Paulinho da Viola (Deckdisc).
Seu novo trabalho, A Vida me Fez Assim (Deckdisc), com produção de Paulão 7 Cordas e participação especial de Cristina Buarque e da Velha Guarda da Portela, está impecável. Traz uma faixa interativa com as letras cifradas, regravações de grandes compositores como Candeia (Viver), Elton Medeiros e Zé Ketti ( Sorri), Wilson Moreira e Nei Lopes (Peito Sangrando), Silas de Oliveira e Manoel Ferreira (Na Água do Rio), Mauro Duarte (Já Era – também conhecido como Palavra), Zé da Zilda e José Thadeu (Um Calo de Estimação ), em que ela faz um maravilhoso dueto com um dos grandes novos talentos do Rio de Janeiro: o cantor e percussionista Pedrinho Miranda, Manacé (Quantas Lágrimas), belo samba que faz parte da trilha sonora da novela Celebridades, e Albaléria (Embala Eu), além de duas músicas de domínio público, Samba de Roda e Chora, Viola.
Aí vem o que eu mais gostei no disco: uma refinada compositora - oito músicas do CD são de sua autoria: Acalanto, Candeeiro, O Passar dos Anos (com João Callado, em homenagem a Casquinha), A Borboleta e o Passarinho , Pedro e Tereza, Lavoura (com o bandolinista Pedro Amorim), A Vida me Fez Assim (com Argemiro) e Portela (com Pedrinho Miranda). Teresa explica que as aulas de literatura na faculdade de Letras e a leitura de clássicos como Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, a inspiraram a compor versos como os da música Pedro e Tereza: "Fazenda velha/Cumeeira arriou/Levanta, negro, cativeiro acabou/Se negro soubesse o talento que ele tem/Não aturava desaforo de ninguém".
Além do Grupo Semente, grandes músicos participam do disco, como o próprio Paulão 7 Cordas, João Lyra, Roberto Marques, Rui Alvim, Kiko Horta, Eduardo Neves, e os percussionistas Esguleba, Trambique, Paulinho do Pandeiro, Leonardo Reis. No coro, Áurea Maria, Tia Doca, Tia Surica, Cristina, Mariana Bernardes, Oswaldo Cavalo, Pedro Paulo Malta.
Algumas músicas do CD:
Já Era (Palavra)
O meu coração
Quase que parou
Quando você me abandonou
Naqueles momentos como eu sofri
Mas graças a Deus eu soube resistir
Palavra
Quase que eu chorei
Palavra
Quase que eu chorei
Quem conhece a vida não se desespera
No mundo
O que tinha de ser, já era.
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Sorri
Sorri
Depois do beijo sorri
Depois do abraço parti
Marcamos um novo encontro
Tu não vieste, fiquei triste
A lua cheia fez-me sorrir
Depois do beijo sorri
Depois do abraço senti
Muitas saudades de ti
Amei
Porque amor por ti eu tinha demais, te adorei
E tu roubaste a minha alegria de viver
Eu chorei depois eu sorri...
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Conheço também as gravações de Paulinho da Viola e Elton Medeiros.
A Borboleta e o Passarinho
De galho em galho vai voando o passarinho
Que de mansinho é que chega a liberdade
De flor em flor a borboleta vem sorrindo
E não se fala de outra coisa na cidade
Ela fugindo de um colecionador
Ele com medo da PM distraída
De vento em vento, se encontraram numa flor
E não se fala de outra coisa nessa vida
Com muitos toques ela fez o seu contato
Ele emplumado pra causar boa impressão
E eram dois a bater asas pelo mato
Sincronizados nos arroubos da paixão
De galho em galho vai voando o passarinho
Que de mansinho é que chega a liberdade
De flor em flor a borboleta vem sorrindo
E não se fala de outra coisa na cidade
Mas toda história tem o destino que merece
E a natureza fez por bem de intervir
De mais a mais, é cada qual com sua espécie
E não se fala de outra coisa por aqui.
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Um Calo de Estimação
Eu tenho um calo que parece gente
Quando chega o tempo frio ele faz um tempo quente
Mas esse calo só falta falar
Ele adivinha até quando o tempo vai mudar
Já me ensinaram pra arrancar com alicate
Pra botar tomate e pimenta-de-cheiro
Tenha paciência, Dona Margarida
Eu não sou comida pra levar tempero
Ai, não me pise no calo
Quanto mais eu falo mais você me pisa
Por causa desse calo estou lhe avisando
Eu acabo rasgando a sua camisa
Ora, deixe de bobagem, mude de conversa
Não me rasgue a camisa que eu só tenho essa
Quem sofre de calo não enfrenta a lua
Deixa os pés em casa quando vai pra rua.
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Samba gravado originalmente em 1944 por Zé da Zilda e Zilda do Zé.
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01/04/2004 03:10
D. Ivone Lara
Cavaquinista, cantora e compositora, quando começou a freqüentar a Escola de Samba Prazeres da Serrinha, em 1945, compôs muitos sambas que eram mostrados como se fossem de seus primos, também compositores, Mestre Fuleiro e Hélio. "O preconceito vigente não permitia à mulher ser sambista. Mesmo assim, em 1947, já casada com o filho do presidente da Escola, fez um samba com o título Nasci para Sofrer, com o qual a agremiação desfilou no carnaval. Tornou-se, assim, a primeira mulher a compor samba-enredo, derrubando mais um tabu contra o sexo feminino. Obteve outra vitória na sua carreira de compositora, em 1965, na comemoração do quarto centenário do Rio: a Império Serrano (escola para onde havia se transferido desde o desaparecimento da Prazeres da Serrinha) escolheu sua música Os Cinco Bailes Tradicionais da História do Rio – feita em parceria com Silas de Oliveira e Bacalhau – para ser o samba-enredo daquele carnaval. Apesar de todos os seus dotes de cantora, compositora e exímia instrumentista, só em 1978, com 56 anos de idade, veio a ser reconhecida fora dos limites das quadras de samba. Seus maiores sucessos dessa nova fase são Sonho Meu e Alguém me Avisou."
(retirado do livro A Musa sem Máscara – A imagem da mulher na MPB, de Maria Áurea Santa Cruz, Ed. Rosa dos Tempos, RJ, 1992, p. 22).
Ouvir D. Ivone é muito emocionante. Há uma semana estou com suas músicas na cabeça. Não consigo parar. Seu canto é inebriante, chego a ficar arrepiada. Suas composições são demais. Acho que vou chorar sexta-feira (quando vamos acompanhá-la no Traço de União).
Mas Quem disse que eu te esqueço
(D. Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho)
Tristeza rolou dos meus olhos
de um jeito que eu não queria
E manchou meu coração
Que tamanha covardia
Afivelaram meu peito
Pra eu deixar de te amar
Acinzentaram minh'alma
Mas não cegaram o olhar
Saudade amor, que saudade
Que me vira pelo avesso
E revira o meu avesso
Puseram a faca em meu peito
Mas quem disse que eu te esqueço
Mas quem disse que eu mereço.
Dei liberdade
Dei-te liberdade
Usaste de falsidade
Traíste o meu amor
Felicidade assim na vida não terás
Amor igual ao meu jamais encontrarás
Por mim podes ir embora
Não sentirei saudade
Adeus para nunca mais
Dei-te liberdade demais
Dei-te meu carinho e gratidão
Foste fingida, soubeste me enganar
Jamais posso te perdoar.
Outra você não me faz
Outra você não me faz
Segue seu caminho, vê se me deixa em paz
Muito me prejudiquei
Não adiantou lutar por esse amor
E graças, me recuperei
Aquela nostalgia já não sinto mais
A sua ingratidão pôs fim a uma paixão
Que havia no meu coração
Chora, implora
Dizendo que se arrependeu do que fez
Por favor não tente me enganar
Não se iluda, desta vez nem mesmo Deus vai lhe perdoar
E agora põe culpa na sorte
Que o destino lhe deu
Não, não adianta reclamar
O mal que você me fez tem que pagar.
29/03/2004 05:03
Trilha sonora do fim de semana
Ganhei três belos discos neste fim de semana. O primeiro deles é Sementes ao Vento, de Márcia Tauil, só com parcerias de Eduardo Gudin e Costa Netto, pela gravadora Dabliú (2003). É lindo, e traz músicas que gosto muito, como Ensaio do Dia e Conciliar, além das já famosas Paulista e Verde. O outro CD ganhei de uma amiga espanhola que está de férias no Brasil, a Concha. É do cantor José Mercé com músicas (e o violão) do famoso Vicente Amigo (digamos que ele seja o Yamandú da Espanha ;-). É também um CD muito bonito. E o terceiro, ah, o terceiro. É uma obra-prima de rara beleza. Trata-se de Edu, terceiro disco de Edu Lobo, lançado em 1967 (pela Philips, relançado pela Dubas). É incrível, mas eu não conhecia este disco. Inconformado com minha ignorância, meu amigo carioca Arquimedes resolveu me presentear ;-) Várias músicas do disco se tornaram sucesso nacional e fazem parte do meu repertório, como Candeias, No Cordão da Saideira, Corrida de Jangadas e Canto Triste. Mas eu não me lembro de já ter ouvido as demais faixas. Fiquei apaixonada mesmo. O flautista Copinha está presente em todas as músicas. O CD traz ainda duas faixas-bônus, Candeias, apenas com Edu na voz e no violão, e No Cordão da Saideira com um time feroz: Cristóvão Bastos, Carlos Malta, Zé Nogueira, Jorge Helder, Carlos Bala e Mingo Araújo. Vale a pena ainda citar o encarte, muito bonito, em português e inglês, com todas as letras e comentários atualizados de Edu Lobo, música por música. Um luxo. Obrigada, meus queridos.
Só me resta transcrever umas letrinhas aqui:
Canto Triste
(Edu Lobo e Vinícius de Moraes)
Porque sempre foste a primavera em minha vida
Volta pra mim
Desponta novamente no meu canto
Eu te amo tanto mais, te quero tanto mais
Ah, quanto tempo faz partiste
Como a primavera que também te viu partir
Sem um adeus sequer
E nada existe mais em minha vida
Como um carinho teu, como um silêncio teu
Lembra um sorriso teu tão triste
Ah, Lua sem compaixão, sempre a vagar no céu
Onde se esconde a minha bem-amada
Onde a minha namorada
Vai e diz a ela as minhas penas e que eu peço
Peço apenas que ela lembre as nossas horas de poesia
Das noites de paixão
E diz-lhe da saudade em que me viste
Que estou sozinho
Que só existe
Meu canto triste
Na solidão.
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Edu conta que fez essa música pra peça Arena Conta Zumbi: "O Guarnieri gostava da idéia de fechar com uma coisa triste. Era uma coisa trágica, a morte do Zumbi, todo mundo chorando. Mas o Vianinha não topou. Quando eu voltei pro Rio, eu só não perdi essa música de vez por causa do Vinícius de Moraes. Lembro disso como se fosse hoje: há havia passado alguns meses da peça, a gente estava no apartamento não sei de quem, numa daquleas festinhas, e ele perguntou: 'Você não tem nada novo?', e eu falei: 'Acabei de fazer um monte de música para o Zumbi', e ele falou: 'Mas não tem nenhuma sobra?' e lembrei dessa música. Comecei a tocar um trechinho e ele ficou tão encantado que disse: 'Vai pra casa terminar essa música e não faça mais nada, você tem a obrigação de salvá-la.' E eu fui, obedeci. Fui relembrando e ela foi voltando, veio a segunda parte, e depois ele fez essa letra que eu adoro. Adoro essa letra!"
Canto Triste recebeu diversas gravações. Dentre elas, cito as de Tito Madi, Sergio Mendes, Olavo Sargentelli, Nouvelle Cuisine, MPB-4, Gal Costa, Elis Regina, Edu Lobo e Yvete, Edu Lobo e Tom Jobim, Caetano Veloso, etc.
Ensaio do Dia
(Eduardo Gudin/Costa Netto)
Qual o caminho dessa canção
Na intenção de amanhecer
Os primeiros acordes vão
Na escuridão aparecer
O primeiro sinal de luz
Vem das janelas de um sonhador
A esperança que inventa
A real ferramenta
De todo o trabalhador
Qual o sentido dessa oração
Que tantos vão logo acolher
Outras luzes se acenderão
Religião de conviver
O ofício de se sorrir
No compromisso de repartir
O anseio constante
De um sonho distante
Que teima em resistir
Quem sabe, se vivendo se desafia
A incerteza que espalha nas veias
A malha da teia que prende o olhar
Quem sabe, se vivendo se denuncia
Longa espera nas vãs madrugadas
De inverno eterno ensaio do dia
Qual é o hino da multidão
Que emoção nos socorreu
De que jeito, em que condição
A ilusão sobreviveu
Nossa gente a se procurar
Na esperança sempre terá
A rival companheira
Feliz, traiçoeira
Maneira de se encontrar.
Além das pérolas que citei acima, hoje me deliciei com mais dois cds: o Brasil, Violão , da Marcus Pereira, que traz Celso Machado interpretando clássicos do samba & Choro como Odeon, Cristal, A Voz do Morro, Asa Branca, Choro n. 1, etc. e músicas menos conhecidas, mas não menos lindas: Ponteado (Guerra Peixe), Mágoas de Africano (Eduardo Santos), Choro n. 2 (Armando Neves), e Estudo n. 1, de sua autoria (linda, linda e linda). Pra quem não conhece, Celso Machado é irmão do brilhante Filó Machado. Pra quem não conhece Filó Machado, socorro!!!! ;-)
Ah, sim, o segundo CD do dia eu comprei ontem na Fnac (eu já tinha em LP), e é da série 2 em 1: Elizeth Cardoso. Os dois lps são Noturno e Grandes Momentos. Meros 13 mangos. Imperdível, não? O Noturno tem clássicos da música brasileira da década de 40, como Feitiço da Vila, Risque, Na Baixa do Sapateiro, Chão de Estrelas, Olhos Verdes, Molambo (eita!), e as mais novinhas Chove Lá Fora e Se Todos Fossem Iguais a Você. Além destas, duas jóias do meu amado Custódio Mesquita (ambas em parceria com o grande Evaldo Ruy): Noturno em Tempo de Samba e Promessa.
Noturno em Tempo de Samba
Tarde da noite na rua deserta
A vagar eu estou
Não tenho destino nem rumo
Não sei de onde vim, não sei pra onde vou
Onde estou
Sei que estou apaixonado
Sei que sou desgraçado
Por amar tanto assim, ai de mim
Já não sinto os encantos que o mundo oferece a qualquer
És meu mundo mulher
Transformei-me em vulgar vagabundo
Que no fundo sabe o que quer
Dar-te amor e um carinho profundo
Tu és todo meu mundo mulher
Volta, eu perdôo teu erro
Esqueçamos o que passou
E acompanhemos o enterro
De um passado que o vento levou.
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Noturno em Tempo de Samba é uma das mais belas músicas que já ouvi. Dificílima de ser cantada, pelas diversas modulações. Pra ser tocada também, não é pra qualquer um não. É um samba-canção de 1944, que foi gravado originalmente por Silvio Caldas. Conheço mais algumas regravações: Roberto Paiva (em 1956), Elizeth (claro, em 1958), Alaíde Costa, Jamelão, e uma mais moderninha, acho que a minha predileta, com a Rosana Toledo (excelente cantora), num tributo a Custódio lançado pela Funarte. Curiosamente, no disco de Elizeth ela aparece apenas como Noturno. Apesar das regravações, não fez sucesso, talvez por sua complexidade. Define-se "noturno" como "gênero de composição para piano, de caráter melancólico e sonhador, de andamento vagaroso, e que foi criado por John Field (1782-1837) e desenvolvido por Chopin (1810-1849) e G. Fauré (1845-1923)."
Ah, claro, Custódio Mesquita (1910-1945) foi um exímio pianista (além de um dos mais bonitos compositores desse período. Era um galã ;-). É autor de 111 músicas. Gravou várias obras de Ernesto Nazareth.
Custódio e Evaldo Ruy foram pioneiros ao abordar o tema da seca na MPB:
Promessa
Senhor do Bonfim, seu filho plantou
Mas o sol insistente no céu toda terra secou
Pedi pra chover, pro verde voltar
E até hoje ainda estou esperando essa chuva chegar
Rezei reza à beça, fiz uma promessa, segui procissão
Comprei uma vela, acendi na capela, rezei uma oração
Olha, o meu gado está morrendo
Minha gente chorando
Meu campo torrando
O Senhor me esqueceu
Andou chuviscando, andou peneirando
Chover, não choveu
Mas quem sou pra reclamar
Podes me castigar, pois blasfemei Senhor
Sei que breve há de chover
Que o rio há de correr
E a chuva em cachoeira
Há de descer molhando a terra
Tão dura do sertão
Livre do sol então
Expulso deste céu de anil
Vai chover no coração do Brasil.
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Esta foi a primeira música da parceria Custódio-Evaldo, gravada em 1943 por Silvio Caldas. Conheço algumas outras gravações: Orlando Silva, Ângela Maria, Aloisio Pimentel, George Brass (piano), Paulinho Nogueira, Maria Bethânia, Marcos Sacramento, etc.
Bom, o segundo lp da Elizeth, Grandes Momentos, traz músicas mais desconhecidas, como Subúrbio (Luiz Antônio), O Amor é Uma Canção e Se eu Pudesse, ambas de Jair Amorim e José Maria de Abreu, Nunca é Tarde (João Pinto), etc. A única famosa deste disco é Canção de Amor, de Elano de Paula e Chocolate.
Vou intercalando tudo isso com minhas fitas da Yvone Lara (é, eu ainda sou do tempo da fita cassete!), pois vamos tocar com ela sexta-feira que vem no Traço de União.
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Eu vou transcrever agora na base do copia e cola um texto do Zuenir Ventura que um amigo querido, o Waldemar Pavan, me enviou:
E isso de ser jornalista?
23.03.2004 | Uma vez chamei de "Samba do diálogo doido" as
entrevistas que alguns estudantes fazem com a gente. São conversas
sem pé nem cabeça, em que não se sabe o que irrita mais, se o
despreparo do entrevistador ou a falta de orientação por parte do
professor. Chegam sabendo por alto quem você é ou o que faz e tendo apenas uma vaga idéia do assunto sobre o qual devem perguntar. Não são todos assim, evidentemente; há alunos excelentes que entrevistam melhor do que muitos profissionais.
Nestas últimas semanas, porém, com a aproximação do 40o aniversário do golpe militar, intensificou-se o assédio a mim e, pelo que sei, a vários colegas, de jovens atrás de informações sobre a ditadura militar. Há casos em que a confusão e o desconhecimento são de dar pena ou fazer rir. Entre os despreparados, há pelo menos duas categorias: a dos humildes, que pedem desculpas pelo que não sabem e acabam despertando a nossa paciência. E a dos ignorantes espertos e cheios de si, dos quais aí vai uma amostra.
- Como é que era aquela época?
Achei que depois dessa viria outra do gênero: "Como é que é essa
coisa de ser jornalista?". Com o tempo aprendi a dar respostas
igualmente vagas ou desconcertantes: "Ah, depende". Ou então: "É como essa coisa de ser estudante de jornalismo". Quando o jovem começou assim a entrevista, eu estava de mau humor. Resolvi então gozá-lo, respondendo mais ou menos assim:
- Era uma época parecida com a atual, só que muito diferente. Como
todas, aliás, variando conforme o ponto de vista.
Não queria dizer absolutamente nada, e eu esperava que ele replicasse com um "como assim?", ou "explica melhor". Nada. Ele se deu por satisfeito, o que aumentou minha irritação.
- O senhor escreveu um livro sobre o período, não é?
- Sobre que período?
- Sobre o período em que aconteceu tudo aquilo.
- Tudo aquilo o quê?
- Toda aquela confusão.
- Escrevi um livro sobre 1968.
- Ah, sim: "O ano que não aconteceu".
- Não. "O ano que não terminou".
Você pensa que ele se encabulou? Nem aí.
- É verdade. Fale um pouco sobre ele.
- Você não leu?
- Com esses trabalhos todos para fazer, ainda não tive tempo.
- Mas o livro foi lançado há mais de 15 anos.
- É verdade.
O que mais me irritava era que ele não dava o braço a torcer. Tinha sempre um "é verdade", como se minha palavra dependesse do crivo dele. Era como se o que eu dizia só tivesse validade quando ele endossava: "é verdade".
- E você não teve tempo de ler?
- Não, mas faz um resumo para os nossos leitores.
Aí tive que rir. Era tão folgado que ficava engraçado. Além do
resumo, ele queria imprimir mais realismo à entrevista e falava como se milhares de leitores, "os nossos leitores", fossem ler este emocionante diálogo. Foi quando me dei conta do seguinte:
- Escuta aqui: se a pesquisa é sobre 64, o que 68 tem a ver com isso?
- É que eu quero fazer um trabalho abrangente. Sou assim: quando
escolho um tema vou fundo, quero saber tudo.
Vi que ele era imbatível, não tinha jeito. Um grande debochado, só
podia ser. Desisti de tentar gozá-lo, já que eu estava perdendo
todas, e propus:
- Vamos nos concentrar em 64.
- Como o senhor quiser. Pra mim tanto faz. Pode começar.
Ele não só estava mandando no jogo como agora me dava ordens e
permitia que, nesse duelo, eu escolhesse as armas: "Como o senhor
quiser". Penso na crônica que escrevi há oito anos e percebo que nada mudou: parece o mesmo aluno de então, com as mesmas perguntas, a mesma cara de pau. Será que o outro virou coleguinha? E este de agora, será que vai conseguir o diploma? Respondo qualquer coisa e fico à espera da indefectível pergunta, que costuma ser ou a primeira ou a última. Ela vem.
- Agora vamos falar um pouco do senhor: como é que começou?
Vou à forra. Já tenho a resposta pronta.
- Estou quase indo embora e você vem me perguntar como comecei?
Ele diz "é verdade", me manda um abraço e, antes de desligar,
ameaça: "Quando o trabalho estiver pronto, envio uma cópia para o
senhor. Qual é o seu endereço?" Não devia confessar, porque isso não se faz, mas dei o endereço errado.
zuenir@nominimo.ibest.com.br http://nominimo.ibest.com.br/
25/03/2004 18:16
Abandono do blig 2 - A missão!!!
Pela segunda vez eu desapareci, né? Mas é que esta semana a boemia foi pesada, dura mesmo. Recebemos a visita dos meus queridos amigos Luiz Filipe de Lima, Henri Lentino e Dani Spilmman (nunca lembro como escreve o nome dela). Enfim, eles fazem parte do grupo Cadeira Vazia, que canta só Lupicínio, e fizeram um bonito show no Sesc Pompéia ontem. Na terça eles passaram lá no Ó, mais o Tiago Pellegrino, o cantor do grupo (que por sinal eu adorei!!!!), o Dom Camilo (pandeirista) e o excelente acordeonista Chiquinho Chagas. Aí o bicho pegou, realmente foi uma noite deliciosa, tocamos muito. A Dani não foi pois está grávida de 7 meses, com um barrigão lindo.
Ontem, depois do show, fomos prestigiar meus companheiros de feijoada no Ó: Marquinhos Bailão, D. Inah e o João Macambira, que tocam todas as quartas no Bar do Alemão (que agora é do Eduardo Gudin e está uma delícia). Fizemos uma roda também muito gostosa, e terminamos a noite no ó, até as tantas de novo. Ai, como diz o Filipe, a vida honesta é difícil ;-))))))))
Pra resumir minha saga boêmia da semana, só esta música mesmo:
Sambei Vinte e Quatro Horas
(Haroldo Lobo/Wilson Batista)
Sambei 24 horas, sambei
Sambei tanto que a sandália furou
Ele me viu de madrugada
Pulando na calçada
Quando voltei não quis
Abrir a porta do chatô
Ai, ai, ai, amor
Não deixe sua pretinha no sereno
Que ela vai se resfriar
Ai, pretinho
Eu venho de Madureira
Tô cansada, quero descansar.
22/03/2004 02:07
Hoje estou com uma leve crise existencial. Tive um sonho bem maluco, eu estava grávida, dei à luz mas não conseguia amamentar meu filho (que eu não lembro se era filho ou filha), porque não sabia como fazer, e o leite não saía. Acordei tão triste... E com mais vontade ainda de ter um filho, projeto muito distante da minha vida neste momento :-(
22/03/2004 01:58
Clara Paixão
(Nonato Buzar/Rosinha de Valença/S. Benchimol)
Dança no vento da noite esse novo amanhã
Brota no seio da lua essa sede de amor
Cai pro amigo do peito a mesma pergunta
Quantas portas tem teu coração
Quantas portas tem teu coração
Segue no colo do tempo uma clara paixão
Que me adormece, me envolve em lençóis de ilusão
Trilhas no vago infinito escondem a luz
Vida então me diz em que parte do amor me perdi
Vida então me diz em que parte do amor te perdi
_______________
Dedico este post ao Ruy Weber, meu amigo querido, que toca sempre esta música. Falei do Medo de Amar, gravada pela Nana Caymmi, mas faltam músicas que amo do mesmo CD, esta aqui em cima, Clara Paixão (olha só, pessoal, Rosinha de Valença, compositora e violonista genial) e as que vão em seguida, duas pérolas. Todas estão presentes no CD Voz e Suor, de Nana Caymmi e César Camargo Mariano (Emi):
Fruta Boa
(Milton Nascimento/Fernando Brant)
É maduro o nosso amor, não moderno
Fruto de alegria e dor, céu, inferno
Tão vivido o nosso amor, convivência
De felicidade e paciência
É tão bom o nosso amor comum, é diverso
Divertido mesmo até paraíso
Para quem conhece bem
Os caminhos
Do amor seu vai e vem
Quem conhece
Saboroso é o nosso amor, fruta boa
Coração é o quintal da pessoa
É gostoso o nosso amor
Renovado o nosso amor
Saboroso é o amor madurado de carinho
É pequeno o nosso amor, tão diário
É imenso o nosso amor, não eterno
É brinquedo o nosso amor, é mistério
Coisa séria mais feliz desta vida.
_____________
Também foi gravada pelo Paulinho Pedra Azul. Aliás, este é outro que eu curti loucamente na minha vida e em breve merecerá destaque aqui. Esta jóia do Milton e do F. Brant foi durante muito tempo minha música predileta, que eu ouvia dia e noite.
Neste Mesmo Lugar
(Klécius Caldas e Armando Cavalcanti)
Aqui, neste mesmo lugar
Neste mesmo lugar de nós dois
Jamais poderia pensar
Que voltasse sozinha depois
O mesmo garçom se aproxima
Parece que nada mudou
Porém qualquer coisa não rima
Com o tempo feliz que passou
Por uma ironia cruel
Alguém começou a cantar
Um samba-canção de Noel
Que viu nosso amor começar
Só falta agora
A porta se abrir
E ele ao lado de outra chegar
E por mim passar
Sem me olhar.
_______________
recebeu muuuuitas gravações. Confesso que nem sei qual é a minha predileta. Conheço as gravações da Elizeth, da Dalva de Oliveira, da Ana Bernardo (com o 7 cordas Colagrande), do Tito Madi, Agnaldo Timóteo e Carmen Costa, Caçulinha e seu Conjunto, Marisa Barroso, Nora Ney e Jards Macalé (ao violão), Rita de Cássia, Rosana Lao, Waleska (alguém conhece os discos dela? Tenho um monte, amo essa mulher. Fossa total ;-), Zezé Gonzaga, além da Nana Caymmi, claro.
Sempre que ouço esta música tenho vontade de chorar, que coisa!
21/03/2004 03:26
Candeias
(Edu Lobo)
Ainda hoje vou-me embora pra Candeias
Ainda hoje, meu amor, eu vou voltar
Da terra nova nem saudade vou levando
Pelo contrário, pouca história pra contar
Quero ver a lua vindo
Por detrás da samambaia
Rede de palha se abrindo
Em cada palmo de praia
Quero ver a lua branca clareando como um dia
E nos teus olhos de espanto
Tudo quanto eu mais queria
Ainda hoje vou-me embora pra Candeias
Ainda hoje, meu amor, eu vou voltar
Da terra nova nem saudade vou levando
Pelo contrário, pouca história pra contar
E nas sombras lá de longe
Lá de onde o céu principia
Quero ver mestre proeiro
No leme e na valentia
Procissão de velas brancas
No sentido da Bahia
Procissão de velas brancas
No sentido da Bahia
______________
Candeias foi gravada por MPB-4, Caetano, Gal Costa e Caetano, Edu Lobo, Maria Bethânia e Edu Lobo, Rosa Passos, Leila Pinheiro, Eliete Negreiros, etc.
O Cantador
(Dori Caymmi/Nelson Motta)
Amanhece, preciso ir
Meu caminho é sem volta e sem ninguém
Eu vou pra onde a estrada levar
Cantador só sei cantar
Eu canto a dor
Canto a vida e a morte
Canto o amor
Cantador não escolhe o seu cantar
Canta o mundo que vê
E pro mundo que vi meu canto é dor
Mas é forte pra espantar a morte
Pra todos ouvirem minha voz
Mesmo longe
De que servem meu canto e eu
Se em meu peito há um amor que não morreu
Ah! se eu soubesse ao menos chorar
Cantador só sei cantar
Eu canto a dor
De uma vida perdida sem amor
________________
Foi gravada por Agostinho dos Santos, Cynara e Cybele, Dori Caymmi, Emílio Santiago, Joyce, Juca Novaes e Eduardo Santana, Vésper, Quarteto Novo, Paulinho Nogueira, Luiz Eça e Vitor Assis Brasil, etc.
Não são lindas? Bom domingo a todos ;-)
21/03/2004 03:10
Trilha sonora da vida
Anos a fio venho colecionando músicas pelas quais sou apaixonada. Pretendo divulgá-las aqui. Vou começar por uma gravação lindíssima de Nana Caymmi. Atenção para o detalhe: letra e música de Vinícius de Moraes.
Medo de Amar
(Vinícius de Moraes)
Vire essa folha do livro
E se esqueça de mim
Finja que o amor acabou
E se esqueça de mim
Você não compreendeu
Que o ciúme é um mal de raiz
E que ter medo de amar
Não faz ninguém feliz
Agora vá sua vida
Como você quer
Porém não se surpreenda
Se uma outra mulher
Nascer de mim
Como no deserto uma flor
E compreender que o ciúme
É o perfume do amor.
_____________
Foi gravada também por Elizeth Cardoso, João Bosco, etc.
Basta de Clamares Inocência
(Cartola)
Basta de clamares inocência
Eu sei todo mal que a mim você fez
Você desconhece consciência
Só deseja o mal a quem o bem te fez
Basta, não ajoelhes
Vá embora
Se estás arrependida
Vê se chora
Quando você partiu
Me disse chora, não chorei
Caprichosamente fui esquecendo
Que te amei
Hoje me encontras tão alegre e diferente
Jesus não castiga um filho que está inocente
Basta não ajoelhes
Vá embora
Se estás arrependida
Vê se chora.
_______________
Lindamente gravado por Elis Regina, muita gente desconhece que o autor deste samba divino é Cartola. Conheço também a gravação da Cláudia Telles.
Bolero de Satã
(Guinga/Paulo César Pinheiro)
Você penetrou como o sol da manhã
E em nós começou uma festa pagã
Você libertou em você a infernal cortesã
E em mim despertou esse amor
Atormentado e mau de satã
Você me deixou como o fim da manhã
E em mim começou essa angústia, esse afã
Você me plantou a paixão imortal e malsã
Que se enraizou e será meu maldito final amanhã
E agora me aperta a aflição
De chorar louco e só de manhã
É a seta do arco da noite
Sangrando-me agora
São lágrimas, sangue, veneno
Correndo no meu coração
Formando-me dentro esse
Pântano de solidão.
__________
Mais uma do repertório da Elis (com Cauby Peixoto), por quem sou apaixonada, claro.
20/03/2004 04:05
Aviso da Lua que Menstrua
(Elisa Lucinda)
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
Cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
Às vezes parece erva, parece hera
Cuidado com essa gente que gera
Essa gente que se metamorfoseia
Metade legível, metade sereia
Barriga cresce, explode humanidades
E ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
Mas é outro lugar, aí é que está:
Cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
Que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
Transforma fato em elemento
A tudo refoga, ferve, frita
Ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
É que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
É que tô falando na "vera"
Conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
Delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
Ou sem os devidos cortejos...
Às vezes pela ponte de um beijo
Já se alcança a "cidade secreta"
A Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
Cai na condição de ser displicente
Diante da própria serpente.
Ela é uma cobra de avental.
Não despreze a meditação doméstica.
É da poeira do cotidiano
Que a mulher extrai filosofia
Cozinhando, costurando
E você chega com a mão no bolso
Julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
Tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
Então esquece de morder devagar
Esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
Chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
Ora, não ofende. Enaltece, elogia:
Comparando rainha com rainha
Óvulo, ovo e leite
Pensando que está agredindo
Que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!
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Conheci Elisa Lucinda numa festa. Ela parecia mil mulheres numa só. Que vida, que energia, que luz. Fiquei impressionadíssima. E quando ela começou a declamar seus poemas? A festa toda ficou muda, muita gente chorou. Ela é um espetáculo!
19/03/2004 02:22
Mundo melhor
(Vinícius de Moraes/Pixinguinha)
Você que está me escutando
É mesmo com você que estou falando agora
Você que pensa que é bem
Não pensar em ninguém
E que o amor tem hora
Preste atenção, meu ouvinte
O negócio é o seguinte
A coisa não demora
E se você se retrai
Você vai entrar bem, ora se vai
Conto com você, um mais um é sempre dois
E depois bom mesmo é amar e cantar junto
Você deve ter muito amor pra oferecer
Então pra que não dar o que é melhor em você
Venha e me dê sua mão
Porque sou seu irmão na vida e na poesia
Deixa a reserva de lado
Eu não estou interessado em sua guerra fria
Nós ainda havemos de ver
Uma aurora nascer
Num mundo em harmonia
Onde é que está a sua fé?
Com amor é melhor, ora se é.
___________
Choro gravado por Teca Calazans, Elizeth Cardoso, Beth Carvalho, Alcione, Quarteto em Cy, MPB-4, Clara Nunes com Toquinho e Vinícius, Mulheres em Pixinguinha, etc.
Fala Baixinho
(Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho)
Fala baixinho só pra eu ouvir
Porque ninguém vai mesmo compreender
Que o nosso amor é bem maior
Que tudo aquilo que eles sentem
Eu acho até que eles nem sentem, não
Espalham coisas só pra disfarçar
Daí então porque se dar
Ouvidos a quem nem sabe gostar
Veja só, meu bem, quando estamos sós
O mundo até parece que foi feito pra nós dois
Tanto amor assim, é melhor guardar
Pois que os invejosos vão querer roubar
A sinceridade é que vale mais
Pode a humanidade se roer de desamor
Vamos só nós dois
Sem olhar pra trás
Sem termos que ligar pra mais ninguém.
___________
Este choro foi gravado por Maria Bethânia, Ademilde Fonseca, Teca Calazans, Clementina de Jesus, Elizeth Cardoso, etc.
18/03/2004 18:13
Projeto Choro no Café Piu Piu
Ontem o Bola Preta se apresentou no Café Piu Piu, na Bela Vista. A casa, que é muito bonita, já teve sua programação voltada para música brasileira, mas atualmente é referência dos roqueiros, que se apresentam por lá vários dias da semana.
Agora, numa tentativa de recuperar o bom gosto (desculpem, roqueiros) e a boa programação de outrora, estão com um projeto de choro todas as quartas. Confesso que, num primeiro momento, fiquei com preguiça. Sabe como é, tocar por couvert, levar público, uma chatice. Mas tenho que admitir que a dona da casa está realmente investindo. Fomos extremamente bem tratados, a casa tem um público e a receptividade foi total. Ficamos muito felizes, e acho que o projeto vai vingar. Em maio vai ter uma superapresentação: Marco Pereira e Hamilton de Holanda... imperdível, não? Sem falar no maravilhoso grupo Nosso Choro, que também vai se apresentar numa quarta de maio. E o legal é que a casa é grande, cabem umas 350 pessoas sentadas mais umas muitas em pé. Que bom!!!!
Mas, claro, precisamos prestigiar, pra ver se vira mais um ponto para nós, amantes da boa música brasileira. Parabéns, Café Piu Piu.
_______________
Simplesmente
(Paulinho Nogueira)
Quantas vezes eu já fracassei
Quantos bons momentos desprezei
Por pensar demais, por ouvir demais
Por não saber olhar a vida simplesmente
Dentro desse louco turbilhão
Cada um querendo ser melhor
É muito melhor se deixar ficar
Por tudo o que você sentir simplesmente
E, logo de manhã, olhar bem dentro de você
Das coisas como você vê
Duvidar, então, do que querem fazer você olhar
Fazer você sentir, fazer você pensar
E, chegando a noite devagar,
Descontrair sua atenção
Soltar de leve o coração
Procurar alguém, o seu bem verdadeiro
E, tão somente, vai saber simplesmente
O que é bom pra você!
______________
Paulinho Nogueira tem músicas lindas, pouquíssimo conhecidas. Tive a honra de conhecê-lo. Éramos praticamente vizinhos, ele não saía do Parque da Água Branca, um parque delicioso que tem aqui perto da minha casa. Tive um prazer enorme ao gravar com ele, no disco da pianista Dudáh Lopes (Dudáh Lopes interpreta chorões de SP, Umes, 2002), gravamos o Choro Chorado. No mesmo disco Dudah gravou ainda a famosa Bachianinha n.1. Aliás, é um disco muito bonito, que tem grandes autores como Dilermando Reis, Laércio de Freitas, Esmeraldino Salles, Canhotinho, Zequinha de Abreu, Israel Bueno de Almeida, Orlando Silveira e a própria Dudáh.
Outra música de Paulinho Nogueira que eu ADORO:
Procissão de Sexta-feira Santa
(Paulinho Nogueira)
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo
Nesse dia lá em casa
Nem mesmo criança podia brincar
E quase ninguém sorria
A gente não podia nem assobiar
Sempre a procissão passava
Lá na minha rua, ao anoitecer
Chegavam muitos amigos
Parentes antigos, que vinham pra ver
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo
Batia o sino da igreja
Todos pra janela, pra pegar luar
Gentarada na calçada
Esperando, cansada, mas sem reclamar
Lembro a figura do Jonas
Um homem estranho, tipo popular
Sempre passava na frente
Avisando a gente que ia começar
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo
Silêncio na minha rua
Todos se ajoelhavam pro Senhor passar
Cada um como Jesus
Carrega a sua cruz, sem se desesperar
O canto atroz da Verônica
Me transmitia uma forte impressão
Mostrando o lenço manchado
Sangue derramado do Cristo, em vão
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo
Vinha o corpo carregado
Daquele que um dia, por amor morreu
Ave Maria por Nossa Senhora
Que chora o Filho que perdeu
E a multidão seguindo
Alimentando sonhos, tudo em seu louvor
Acho que todo esse povo
Espera de novo o seu Salvador
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo.
________________
O Guia da Folha da semana passada anunciou um show curioso: Tetê Espíndola (se não me engano) com Paulinho Nogueira. Não é espantoso? :-(
Agora uma música de outro compositor que eu adoro
Unha de Gato
(Elton Medeiros/Antonio Valente)
Benedito Pereira era um homem comum
Era pobre, dinheiro não tinha nenhum
Era um pobre coitado, apenas mais um
Morador lá do morro
Se amarrava num samba e sem nenhum favor
Era forte nas rimas sofridas do amor
Não fazia arruaça,
Era até boa praça e trabalhador
Todo dia descia no trem da Central
Carregando a marmita embrulhada em jornal
Domingo era visto em pé na geral
Lá no Maracanã
Mais um dia num bar de esquina
Ele foi apanhado sem os documentos
Passou muito tempo entre maus elementos
E o que ele aprendeu nem preciso contar
Hoje ele mudou
Já não é mais aquele sujeito pacato
É mais conhecido por Unha de Gato
E pro morro voltou
É mais um marginal
____________________
Samba-choro divino, nada cantando nas rodas paulistanas. Alguém sabe quem é esse parceiro do Elton, Antonio Valente? É homônimo do meu avô...
15/03/2004 14:59
AMOR SÓ DE LETRAS
Mário Prata
Conta a história que dom Pedro II casou-se sem conhecer a sua noiva. Tinha visto um quadro com a cara da princesa. Casamento de interesses políticos lá dos portugueses, fazer o quê? E quando a moça chegou no porto do Rio de Janeiro - consta que ele fez uma cara emocionada. Pela feiúra da imperial donzela. Mas casou, era o destino, era a desdita.
Tenho um avô que foi pedir mão da moça e o pai dela disse: - Essa tá muito novinha. Leva aquela. E ele levou aquela que viria a ser a minha avó. Ah, a outra morreu solteirona.
Quando aconteceu o grande boom da imigração japonesa, alguns anos depois, familiares que lá ficaram mandavam noivas para os que cá aportaram. Tudo no escuro. E de olhinhos fechados, ainda por cima.
De uns tempo para cá, o conceito da escolha foi mudando. Até ir para a cama antes, valia. Ficava-se antes. Só que agora, finzinho do finzinho do século, surgiu um outro tipo de casamento. O casamento de letras. Letras de textos. O texto - finalmente, digo eu, escritor - virou casamenteiro. Apaixona-se, hoje em dia, pelo
texto. Via internet. Via cabo, literalmente.
Conheço quatro casos bem próximos. Gente que desmanchou o casamento de carne e osso por uma aventura no mundo das letras.
Claro que estou me referindo aos encontros via Internet. Começa no chat, com o texto. Gostou do texto, leva para o reservado. E lá, rola. Eu mesmo já me envolvi perdidamente por dois textos belíssimos. Moças de vírgulas acentuadas, exclamações sensuais e risos de entortar qualquer coração letrado ou iletrado.
Sim, pela primeira vez nesta nossa humanidade já tão velhinha, as pessoas estão se conhecendo primeiramente pela palavra escrita. E lida, é claro.
Já disse, isso envaidece qualquer escritor. Agora, o texto pode levar ao amor. Uma espécie de amor-de-texto, amor-de-perdição.
A relação, o namoro, começa ali no monitor. Você pode passar algumas horas, dias e até semanas sem saber nada da outra pessoa. Só conhece o texto dela. E é com o texto que vai se fazendo o charme. Você ainda não sabe se a pessoa é bonita ou feia, gorda ou magra, jovem ou velha. E, se não for esperto, nem se é homem ou mulher. Mas vai crescendo uma coisa dentro de você. Algo parecidíssimo com amor. Pelo texto.
Pouco a pouco, você vai conhecendo os detalhes da pessoa. Idade, uma foto, a profissão, a cor. Inclusive onde mora. Sim, porque às vezes você está levando o maior lero com o texto amado e descobre que ele vem lá da Venezuela. Ou do Arroio Chuí. Mas se o texto for bom mesmo, se ele te encanta de fato e impresso, você vai em frente. Mesmo olhando para aquela fotografia - que deve ser a melhor que ela tinha para te escanear (ou seria sacanear, me perdoando o trocadilho fácil) você vai em frente.
"Uma pessoa com um texto desses..."
A tudo isso o bom texto supera. Quando eu ouvia um pai ou mãe dizendo "meu filho fica horas na Internet", todo preocupado, eu também ficava. Até que, por força do meu atual trabalho, comecei a navegar pela dita suja. E descobri, muito feliz da vida, que nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele está lendo ou escrevendo. E mais, conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.
Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto. No caso do amor ali nascido, a feitura, o peso, a cor, a idade ou a nacionalidade não importam. O que é mais importante é o texto. O texto é a causa do amor.
Quando comecei a escrever um livro pela internet, muitos colegas jornalistas me entrevistavam (sempre a mim e ao João Ubaldo) perguntando qual era o futuro da literatura pela Internet. Há quatro meses atrás eu não sabia responder a essa pergunta. Hoje eu sei e tenho certeza do que penso: - Essa geração vai dar muitos e muitos escritores para o Brasil. E muita gente vai se apaixonar pelo texto e no texto. Existe coisa melhor para um escritor do que concluir uma crônica com isso?
Como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras.
Como diria Pelé, love, love, love.
15/03/2004 14:46
Pra Que Discutir com Madame
(Janet de Almeida/Haroldo Barbosa, 1956)
Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba
Madame diz que o samba tem pecado
Que o samba, coitado, devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça, mistura de cor
Madame diz que o samba é democrata
É música barata sem nenhum valor
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que o samba é vexame
Pra que discutir com madame
No carnaval que vem também com o povo
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na avenida entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno
Meu Deus que horror
O samba brasileiro, democrata
Brasileiro na batata é que tem valor.
15/03/2004 14:38
Veneno
(Paulo César Pinheiro/Eduardo Gudin)
Mas o que me faz chorar
É esse fel que você vive a destilar,
É essa paga cruel que você me dá,
Só o melhor meu coração te ofereceu,
Você cuspiu no prato que comeu.
E o mal que isso me faz,
Não esperava isso de você jamais
Eu não sabia que podia ser capaz
De alguém pedir a mão e receber
Depois vingar em vez de devolver.
Dei o manto pra quem vai me desnudar
E em meu peito abriguei quem vai me expulsar
Eu te dei beber
No mesmo copo você vai me envenenar.
_______________
Essa dupla de compositores é tudo! Eu sou apaixonada por ambos. Mas o PCP todo mundo conhece, já o Gudin... Incrível como as pessoas desconhecem a obra dele, que é brilhante. Depois vou dedicar um post aqui comentando os discos dele.
13/03/2004 06:03
Trilha da madrugada
Alguém conhece o Brazilian Guitar Quartet? É um grupo sublime formado por Paul Galbraith, Everton Gloeden (violão de 8 cordas), Edelton Gloeden e Tadeu do Amaral (violão). Tenho vários cds do grupo. Estou ouvindo no momento o Encantamento, lançado em 2001 pela Delos ( www.delosmusic.com). Eles são geniais. O repertório é muito bonito. Tem "Variações Sérias", de Ronaldo Miranda, sobre Iara, de Anacleto de Medeiros, "Frevo", de Cláudio Santoro, "Lenda Sertaneja n. 8" e "Congada", de Francisco Mignone, "Il Neige", "Bébé s'endort" e "Tarantella Op. 14 n. 3", de Henrique Oswald, "Encantamento" e "Quarteto n. 2, em três movimentos (Enérgico, Nostálgico e Allegro)", de Camargo Guanieri. Discaço. O encarte é muito bom, apesar de estar em inglês. Tenho mais dois cds deles, depois transcrevo o repertório aqui. E também um do Tadeu do Amaral, que é o máximo!!!!!! Aliás, sou fã dele de carteirinha. Vou comentar aqui depois o disco dele, lindo de morrer.
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12/03/2004 19:17
Trilha sonora da semana
Esta semana ouvi Mercedes Sosa, muitas, muitas vezes. Não consigo guardar o disco. Mercedes tem um canto forte, contagiante. Lindo. Me diverti muito também ouvindo os programas da PRK-30, nos dois cds que vêm dentro do livro No ar: PRK-30, de Paulo Perdigão (ed. Casa da Palavra). São 52 gravações cobrindo o período de fevereiro de 47 a janeiro de 59, realizadas ao vivo em auditórios. É engraçadíssimo. Este foi o melhor programa humorístico do rádio, feito pelos excelentes Lauro Borges e Castro Barbosa. Vale a pena comprar este livro. Estava esgotado, paguei R$ 50 na Fnac.
E hoje mato a saudade dos meus quinze anos, mais ou menos, ouvindo Guilherme Arantes. Sim, eu também gosto de Guilherme Arantes, sinto desapontar meus fãs, mas esta sou eu ;-)________________________________________________________________________
12/03/2004 19:08
Recesso
Claudia Castanheira
É preciso que silenciem
todas as formas de canção
por um momento
e se reduza o tempo
inútil
maltratado
malcantado
na boca de um qualquer
para que se reaprenda a arte
de gerir uma mulher.
___________________
Minha amiga Anabel Silva me mandou este belo poema. Obrigada, Anabel.
_____________________________________________________________________
11/03/2004 05:28
Êxtase
É o estado em que me encontro depois da noite de ontem. Hummmmm, não, não tive uma noite de sexo ardente, mas foi quase isso. Tivemos a honra de receber a visita de Yamandu e Paulo Moura ontem no Ó do Borogodó. Eles chegaram sem instrumento, para minha tristeza. Mas de repente, quando vejo, Paulo Moura tira seu belíssimo clarinete (transparente) de uma bolsa, e eles dão uma canja que, na verdade, foi um banquete. Pra minha sorte, uma nova amiga e aluna do curso que estou ministrando no Sesc me emprestou um gravadorzinho, e eu, sintonizada com meu sexto sentido agudo, tinha levado uma fita. Estou aqui há horas ouvindo, o som foi maravilhoso, uma noite mágica, inesquecível. Privilégio para pouco mais de 60 pessoas, o bar não estava cheio ontem. Me senti numa cerimônia do Oscar, tal a quantidade de flashes que vieram de todos os lados. Nem imagino de onde surgiram tantas máquinas fotográficas, foi engraçado. Um presente, foi um verdadeiro presente. Grandes músicos têm nos visitado: Sérgio e Odair Assad (que são humildes, generosos, maravilhosos), Hamilton de Holanda, Arismar do Espírito Santo, Luiz Nassif, Beth Carvalho, Rogério Caetano, os meninos do grupo Tira Poeira, Théo de Barros, Léa Freire, Alceu Valença, Elton Medeiros, etc. Que prazer inenarrável, muito obrigada!
_______________________________________________________________________
11/03/2004 04:04
São Coisas Nossas
(Noel Rosa, 1932)
Queria ser pandeiro
Pra sentir o dia inteiro
A tua mão na minha pele a batucar
Saudade do violão e da palhoça
Coisa nossa, coisa nossa
O samba, a prontidão
E outras bossas
São coisas nossas
São coisas nossas
Malandro que não bebe
Que não come
Que não abandona o samba
Pois o samba mata a fome
Morena bem bonita lá da roça
Coisa nossa, coisa nossa
O samba, a prontidão
E outras bossas
São nossas coisas
São coisas nossas
Baleiro, jornaleiro, motorneiro
Condutor e passageiro
Prestamista e vigarista
E o bonde que parece uma carroça
Coisa nossa, muito nossa
O samba, a prontidão
E outras bossas
São nossas coisas
São coisas nossas
Menina que namora na esquina
E no portão
Rapaz casado com dez filhos
Sem tostão
Se o pai descobre o truque
Dá uma coça
Coisa nossa, muito nossa
O samba, a prontidão
E outras bossas
São nossas coisas
São coisas nossas.
Este belíssimo samba, do qual tirei o nome do meu blogue, foi gravado originalmente pelo próprio Noel, por Aracy de Almeida (1955), por Marília Batista (1963), pelo conjunto Coisas Nossas (1980), Gal Costa, Garganta Profunda, Ione Papas, etc.
Segundo João Máximo e Carlos Didier no melhor livro do mundo (exagerada, eu?), Noel Rosa - Uma biografia, o compositor fez esse samba inspirado no primeiro filme sonoro nacional, Coisas Nossas, do americano Wallace Downey, que trazia no elenco Procópio Ferreira, Batista Júnior (pai de Linda e Dircinha Batista), Jararaca & Ratinho, Paraguaçu, dentre outros.
O pandeiro, como sempre, está em todas. Este samba me faz lembrar o genial compositor, dançarino, pesquisador, ator, instrumentista, etc. Antônio Nóbrega, que diz que todo brasileiro deveria andar com um pandeiro na pochete ;-)
Falei neste post de três paixões: o pandeiro, o livro que citei acima, minha bíblia, é o livro que todos deveriam ler, pelo menos todos que querem conhecer um pouco da música brasileira. É uma obra-prima, foi por muito tempo minha maior referência. E, por fim, o pernambucano Antônio Nóbrega, um dos maiores artistas deste país, completamente desconhecido da massa, um gênio. Com ele e sua família (que é igualmente maravilhosa, seus pais, D. Celestina e Seu João, seus filhos Maria Eugênia e Gabriel, excelente percussionista, sua esposa Rosane, dançarina exuberante, sua irmã Eugênia, grande flautista), fui pro Recife há alguns anos e tive o privilégio de conhecer de perto o maracatu, o frevo, o caboclinho, a ciranda, o cavalo-marinho, etc. Que riqueza, nossa mãe! Quando assisti o primeiro show do Nóbrega eu chorei copiosamente. Ele é espetacular. Não percam a chance de conhecê-lo.
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09/03/2004 13:56
Ontem o Ney Mesquita foi cantar com a gente o Ó do Borogodó, foi um arraso... nossa, que saudade. Cantamos tantas "velharias" que há muito não eram cantadas por estas bandas... que tristeza, ninguém conhece nada, ninguém pesquisa, ai, acho que eu queria ser cantora... O Ney é um dos melhores intérpretes que temos em São Paulo, sem sombra de dúvida. Ele tem dois belíssimos discos gravados, um só cantando Dori e Dorival Caymmi e outro, Quintal, em parceria com o pianista e compositor Lincoln, da Barca. Um show!!!!
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Meus Vinte Anos
(Wilson Batista/Silvio Caldas)
Nos olhos das mulheres
No espelho do meu quarto
É que eu vejo a minha idade
O retrato na sala
Faz lembrar com saudade
A minha mocidade
A vida para mim tem sido tão ruim
Só desenganos
Ai, eu daria tudo
Para poder voltar
Aos meus vinte anos
Deixaste em minha vida
A sombra colorida
De uma saudade imensa
Deixando-me ficaste
Mostrando-me o contraste
Matando a minha crença
E hoje desiludido
Muito tenho sofrido
Cheio de desenganos
Ai, eu daria tudo
Para poder voltar
Aos meus vinte anos
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Este belíssimo samba foi gravado por Ciro Monteiro, por Elizeth Cardoso e Silvio Caldas, por Rogério Tadeu e pelo maravilhoso Roberto Silva.
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Estrada do Sertão
(João Pernambuco/Hermínio B. de Carvalho)
Coisa que não arrenego
nem tão pouco desapega
ter gostado de você
um gostar desenchavido
encroado e recolhido
de ninguém se aperceber
matutando vou na estrada
e nos meus óio a passarada
faz um ninho pra você
juriti espreita triste
a jandaia não resiste
chora junto por você
Nos meus óio faz clarão
é um verde, um azulão
tiê sangue furta-cor
que me dá desassossego
e me suga nem morcego
mangando que é beija-flor
não me encrespe a vida assim
já me basta o que de mim
esta vida caçoou
não me faz essa graçola
de me abrir essa gaiola
pra depois não me prender
Canta firme juriti
e me entoa uma canção
sabiá me roça aqui
bem de junto ao coração
pousa aqui meu colibri
vê se tu tem pena d'eu
quero ser teu bacuri
quero ser de vois mecê
Quanto mais cê desfeiteia
e me despreza
mais me arrasto pra você
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Gentis, que música maravilhosa! Recebeu algumas gravações (claro, que eu conheço), Alaíde Costa, Alaíde Costa e João Carlos Assis Brasil (piano), a divina Teca Calazans, Tetê Espíndola, Zezé Gonzaga, Carmem Queiroz (em seu disco que vai sair em breve)...
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A bunda, que engraçada
Carlos Drummond de Andrade
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda
redunda.
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poema publicado postumamente em "Amor Natural", ed. Record, 1998.
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Canção das mulheres
Lya Luft
Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dói a idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco — em lugar de voltar logo à sua vida, não porque lá está a sua verdade mas talvez seu medo ou sua culpa.
Que se começo a chorar sem motivo depois de um dia daqueles, o outro não desconfie logo que é culpa dele, ou que não o amo mais.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo "Olha que estou tendo muita paciência com você!"
Que se me entusiasmo por alguma coisa o outro não a diminua, nem me chame de ingênua, nem queira fechar essa porta necessária que se abre para mim, por mais tola que lhe pareça.
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que quando levanto de madrugada e ando pela casa, o outro não venha logo atrás de mim reclamando: "Mas que chateação essa sua mania, volta pra cama!"
Que se eu peço um segundo drinque no restaurante o outro não comente logo: "Pôxa, mais um?"
Que se eu eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro — filho, amigo, amante, marido — não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa — uma mulher.
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Este poema é para nós, mulheres, pelo aniversário de seu dia ;-)
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Ontem ao Luar
Catulo da Paixão Cearense e Pedro de Alcântara
Ontem ao luar
Nós dois em plena solidão
Tu me perguntaste
O que era a dor de uma paixão
Nada respondi, calmo assim fiquei
Mas fitando o azul
Do azul do céu a lua azul
Eu te mostrei
Mostrando-a a ti
Dos olhos meus correr senti uma nívea lágrima
E assim te respondi
Fiquei a sorrir por ter o prazer
De ver a lágrima nos olhos a sofrer
A dor da paixão, não tem explicação
Como definir o que só sei sentir
É mister sofrer, para se saber
O que no peito o coração não quer dizer
Pergunta ao luar, travesso e tão taful
De noite a chorar na onda toda azul
Pergunta ao luar, do mar a canção
Qual o mistério que há na dor de uma paixão
Se tu desejas saber o que é o amor
E sentir o seu calor
O amaríssimo travor do seu dulçor
Sobe o monte à beira-mar ao luar
Ouve a onda sobre a areia a lacrimar
Ouve o silêncio a falar na solidão do calado coração
A penar, a derramar os prantos seus
Ouve o choro perenal
A dor silente universal
E a dor maior que é a dor de Deus
Se tu queres mais
Saber a fonte dos meus ais
Põe o ouvido aqui na rósea flor do coração
Ouve a inquietação da merencória pulsação
Busca saber qual a razão
Por que ele vive assim tão triste
A suspirar, a palpitar em desesperação
A teimar de amar um insensível coração
Que a ninguém dirá
No peito ingrato em que ele está
Mas que ao sepulcro fatalmente o levará.
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Pedro de Alcântara editou a polca Dores do Coração em 1907. Ela foi gravada em 1909 pela Banda da Casa Edison e recebeu gravação do próprio autor na flauta e de Ernesto Nazareth ao piano em 1912. Em 1918 recebeu nova gravação, desta vez cantada, por Vicente Celestino, com versos de Catulo da Paixão Cearense e um novo título: Ontem ao luar. A canção Love Story, do filme homônimo, foi apontada como plágio de Choro e Poesia.
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Paciente
(Pixinguinha e Daniel Santos, gravada por César Costa Filho no lp Nina)
Sou paciente
Vou esperando
Fico pensando, meu amor, quando lhe vejo
Que bom seria se você pudesse me compreender
Você passando
E eu lhe seguindo
Com olhar tristonho
Seu amor eu vou pedindo
Mas você finje não ligar meu sentimento
Nem sequer por um momento me permite ser feliz
Somente por prazer
Você me faz sofrer
Procuro compreender sem saber que fazer
Na sua indiferença
Eu vejo um amor criança
Matando a esperança de me ver feliz
Por que você não vive um pouco a realidade
Amor que é de verdade é fácil de notar
Lhe quero tanto
Fico pensando
Lhe vejo em sonho perto do meu coração
Agora vou mudar o meu jeito de querer
Você tem que entender
Que o tempo vai passar
E eu que sou tão paciente
Estou perdendo a paciência
Ver você sempre sozinha
Com vontade de ser minha
Vou lhe beijar, meu coração
Pra ver a sua reação
E o seu espanto de criança tão mulher
Aí então nesse meu beijo
Lhe direi que o meu desejo é te fazer feliz.
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Domingão
Há muito tempo não ficava sem fazer nada como fiquei ontem à noite e hoje o dia todo. Que bom. E passei o dia ouvindo Mercedes Sosa, que mulher maravilhosa. Depois ouvi dois discos que foram trilha sonora de novela e que eu não ouvia há muito: Semideus e Nina (ambos lançados pela Som Livre, o primeiro em 73 e o outro em 77).
Semideus traz só composições de Baden e Paulo César Pinheiro:
Lado 1:
1. Solidão (Canção do Mar), com Amália Rodrigues e Don Byas
2. Refém da solidão, com Maria Odette
3. Figa de guiné, com Ana Maria e Maurício
4. Despedida, com Victor Hugo
5. Destinos, com Marília Barbosa
Lado 2:
1. Paciência, com Trama
2. Uma canção a mais, com Orquestra e Coro Som Livre
3. Eu não tenho ninguém, com Claudia Regina
4. Até eu, com Maria Creusa
5. A volta, com Djalma Dias
6. O semideus, com Orquestra Som Livre
O disco é realmente muito bonito. A única música que ficou "famosa" é Refém da Solidão. Esta gravação, com a Maria Odette, é linda. Aliás, tenho vários lps de novelas com grandes músicas.
Nina:
Lado A
1 - Vamos Deixar de Intimidade - João Nogueira (Ary Barroso)
2 - Paciente - César Costa Filho (Pixinguinha e Daniel Santos)
3 - Brejeiro - A Cor do Som (Ernesto Nazareth)
4 - Eu Dei - Marília Barbosa (Ary Barroso)
5 - Nego Véio Quando Morre - Os Originais do Samba (D.P. - arranjo e adaptação de Pachequinho)
6 - Apanhando Papel - Luiz Ayrão (Getúlio Marinho e Ubiratan Silveira)
7 - Primeiro Amor - Altamiro Carrilho (Patápio Silva)
Lado B
1 - Quem é - Sônia Santos e Grande Otelo (Custódio Mesquita e Joracy Camargo)
2 - Atraente - Os Turunas da Paulicéia (Chiquinha Gonzaga)
3 - Há uma Forte Corrente Contra Você - Os Frajolas (Francisco Alves e Orestes Barbosa)
4 - Choro e Poesia - Altemar Dutra (Pedro de Alcântara e Heloísa Alcântara)
5 - Urubu Malandro - Netinho e seu Conjunto (Louro e João de Barro)
6 - Flor Amorosa - Maria Martha (Catulo da Paixão Cearense e Callado)
7 - O Almofadinha - Ivon Cury (J. Poliegoni - De Castro e Sousa)
Vale observar que essa música Choro e poesia é Ontem ao luar, gravada por Vicente Celestino com letra de Catulo da Paixão Cearense.
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Molambo
(Jayme Florence/Augusto Mesquita, 1952)
Eu sei que vocês vão dizer
Que é tudo mentira, que não pode ser
Que depois de tudo que ele me fez
Eu jamais deveria aceitá-lo outra vez
Bem sei que assim procedendo
Me exponho ao desprezo de todos vocês
Lamento, mas fiquem sabendo
Que ele voltou e comigo ficou
Ficou pra matar a saudade
A tremenda saudade que não me deixou
Que não me deu sossego um momento sequer
Desde o dia em que ele me abandonou
Ficou pra impedir que a loucura
Fizesse de mim um molambo qualquer
Ficou desta vez para sempre, se Deus quiser.
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Escrevi a letra deste samba-choro que eu amo loucamente para publicar aqui. Mas aí me empolguei e resolvi divulgá-lo também no blog eucantosamba.blogger.com.br , do qual eu participo divulgando letras de sambas. Mas esta música é tão maravilhosa que tem de ser muito divulgada.
Molabo recebeu muitas gravações. A minha predileta é com a Elizeth Cardoso, com Jacob do Bandolim e Regional do Canhoto. É simplesmente pra ouvir uma semana seguida (pare quando estiver com vontade de cortar os pulsos ;-). Outras gravações conhecidas: Tito Madi, Thereza Tinoco, Waldir Calmon e seu Conjunto, Waleska, Wanda Sá, Célia Vaz e Quarteto em Cy, Yvette, Zezé Gonzaga, Tania Alves, Som Bateau Orquestra, Sílvio Caldas, Salvador Martins, Roberto Luna, Raphael Rabello, Ney Matogrosso, Nélson Gonçalves, Maysa, Maria Bethânia, Leo Galdelman, Jamelão, Irany (violino) e seu conjunto, Jair Rodrigues, Cláudia Versiani, Cauby Peixoto, Claudete Soares, Guilherme Vergueiro (piano), Carlos José, Ana Bernardo e Osvaldo Colagrande (violão), Almir, etc.
Jayme Florence, o Meira, nasceu em 1/10/1909 em Paudalho, PE, e morreu em 8/11/1982 no Rio de Janeiro, RJ. Era violonista, compositor e professor. Iniciou-se no violão orientado por seu irmão Robson. Em 1927, passaram a integrar o conjunto Voz do Violão, organizado pelo bandolinista Luperce Miranda, do qual também faziam parte Minona Carneiro (cantor) e José Ferreira (cavaquinho). Em 1928, transferiram-se para o Rio de Janeiro.
Logo que chegou ao Rio, residiu por um período em companhia de João Pernambuco, seu conterrâneo. Tornou-se um apaixonado torcedor do time de futebol São Cristóvão. Foi vizinho de Noel Rosa no bairro de Vila Isabel, com quem participava de apresentações na Casa de Caboclo.
Na década de 30, teve sua primeira música editada, "Falando ao teu retrato", com De Chocolat, gravada por Augusto Calheiros em 1935. Em 1934, estreou em disco, participando da gravação do choro "Primavera" com o regional de Benedito Lacerda. Em 1937, passou a integrar o Regional de Benedito Lacerda, um dos mais importantes e atuantes conjuntos da música popular brasileira. Naquele ano, o conjunto chegou à formação que iria perdurar por cerca de meio século: Lacerda (flauta), Canhoto (cavaquinho), Dino (violão) e Meira (violão). O regional acompanhou em programas e gravações os mais importantes artistas de sua época. Junto a Dino Sete Cordas, realizou no conjunto um trabalho de duplas de violão com uma atuação marcante no âmbito da música popular. Em 1941, foi convidado pelo violonista Dilermando Reis para acompanhá-lo em sua primeira gravação. Desde então, todas as gravações de Dilermando em 78 rpm tiveram a sua participação. Em 1943, alcançou êxito com "Aperto de mão", com Dino e Augusto Mesquita, gravada em disco por Isaurinha Garcia, música que a tornou conhecida em todo o Brasil. Em 1946, Pixinguinha e Benedito Lacerda realizaram várias gravações, acompanhadas pelo regional que se tornaram célebres. Como compositor destacou-se ainda com o choro "Deixa pra lá", com Augusto Mesquita" lançado também por Isaurinha e "Amar foi minha ruína", lançado por Gilberto Alves em 1947.
Em 1950, Benedito Lacerda deixou o conjunto, que passou a ser liderado por Canhoto (cavaquinho), continuando assim a carreira altamente prestigiosa do conjunto, que passou a ser denominado Regional do Canhoto. Esse trio, Canhoto, Dino e Meira foi o suporte de acompanhamento de regional da MPB até sua morte e a de Canhoto na década de 1980. Seu grande sucesso como compositor foi alcançado com o samba Molambo. O regional tomou parte em gravações e shows memoráveis, entre os quais "O samba pede passagem" de 1965, organizado por Sidney Miller e o LP "Rosa de ouro", lançado pela Odeon. Participou de inúmeras gravações. Altamente reconhecido por sua atividade didática, iniciou no violão grandes artistas como Baden Powell, João de Aquino, Raphael Rabello e Maurício Carrilho.
A biografia do Meira foi retirada daqui.
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Para quem quiser saber um pouco mais sobre marchinhas e/ou músicas carnavalescas, indico o site do Roberto Lapiccirella. Nesse site tem boa parte da minha pesquisa musical (nós lançamos um livro com 108 marchinhas, partituras, histórias, etc.) É maravilhoso.
Vírgula
(Alberto Ribeiro-Erastótenes Frazão)
Teu amor é fatal - vírgula
Qual mulher sensacional - ponto e vírgula
Queres dar teu coração - interrogação
Que pecado original - exclamação
Teu amor é fatal - vírgula
Qual mulher sensacional - ponto e vírgula
Queres dar teu coração mas comigo não
Ponto final
Teu amor entre aspas
Já consegui descrever
Reticências reticências
Agora adivinhe o que eu quero dizer
GRAU DEZ
(Lamartine Babo-Ary Barroso, 1935)
Yo te quiero
A vitória há de ser tua, tua, tua
Morenininha prosa
Lá no céu a própria lua, lua, lua
Não é mais formosa
Rainha da cabeça aos pés
Morena eu te dou grau dez!
O inglês diz "yes, my baby"
O alemão diz "iá, corração"
O Francês diz "bonjour, mon amour"
Très bien! Très bien! Très bien!
O argentino ao te ver tão bonita
Toca um tango e só diz "Milonguita"
O chinês diz que diz, mas não diz
Pede bi! Pede bis! Pede bis!
Yo te quiero
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Carnaval de verdade
Meu carnaval foi maravilhoso, como há muito não era. Primeiro em matéria de trabalho. Toquei no sábado, na segunda e na terça, à tarde no Sesc Pompéia e à noite no Ó do Borogodó. Cansativo? Super. Mas que delícia. Segundo porque há muito tempo eu não pulava, não cantava marchinhas, não paquerava e não beijava no carnaval. Neste ano fiz logo tudo isso ;-)
E os shows do Sesc foram simplesmente maravilhosos. No último, para vocês terem uma idéia, eu chorei lá no meio do palco, olhando pra platéia. Foi tão emocionante... tinha umas 700 pessoas, a Choperia lotada, principalmente com crianças e velhinhos, mas tinha gente de todas as idades. Todo mundo dançando, um monte de gente fantasiada, vi pessoas chorando de emoção ao recordar algumas marchinhas... e, claro, vi meus pais dançando feito loucos, cada um com seu par, meus irmãos, meu sobrinho... Todo mundo pulando. E ainda tem gente que diz que as marchinhas estão por fora. Meu Deus. Aquilo é que é carnaval. Confete e serpentina pra todo lado. Foi realmente um privilégio.
E no Ó então? Lotação máxima todas as noites. Fomos fantasiados, foi bastante divertido. Astral máximo. E no domingo, que tive folga, como não poderia deixar de ser, fui para meu refúgio n. 1, a casa dos meus queridos amigos Ângelo e Mazé, em Sorocaba, local em que vivi as melhores rodas de choro da minha vida.
Mas ainda faltaram tantas marchinhas...
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Há três semanas fui chamada pra dar uma aula sobre samba. Pronto: duas noites sem dormir preparando o curso, pânico total. Levei uns 10 livros, uns 20 cds, fitas de vídeo, etc. Quer saber? Não usei nada. Entramos num bate-papo tão interessante, numa discussão sobre MPB, quando eu vi já tinha acabado. Ufa ;-)
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Vou postar aqui uma letra linda, maravilhosa esta música. Ouvi uns dois dias seguidos, sem parar...
DE ONDE VENS
Dori Caymmi/Nelson Motta
Ah quanta dor vejo em teus olhos,
quanto pranto em teu sorriso,
tão vazias tuas mãos
De onde vens assim cansado,
de que dor, de qual distância,
de que terras, de que mar
Só quem partiu pode voltar,
eu voltei pra te contar
dos caminhos onde andei
Fiz do riso amargo pranto,
meu olhar sempre em teus olhos,
no peito aberto uma canção
Se eu pudesse de repente
te mostrar meu coração,
saberias num momento
quanta dor há dentro dele,
Dor de amor quando não passa
é porque o amor valeu.
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Desejo
Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.
Vitor Hugo
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Semana tensa
Estou dando um curso no Sesc Vila Mariana sobre a História do Choro. Responsabilidade e tanto. Fiquei tão nervosa na primeira aula, na terça, que não consigo lembrar direito tudo que falei, acreditam? E olha que eu não sou muito tímida pra falar não. Mas realmente deu um branco. Fiquei muito chateada.
Ontem, quinta-feira, dei aula de pandeiro pra duas japonesas. Foi muito engraçado, porque elas não falam nem português, nem inglês. E eu, claro, não falo nádegas de japonês. Mas foi divertidíssimo, e elas me deram vários presentes do Japão, me beijaram tanto, me agradeceram tanto... fiquei emocionada. E foram embora, sem pagar a aula! Aí eu pensei, bom, acho que me expressei mal, elas não entenderam que tinha que pagar. Quer saber? Deixa pra lá. Daqui a pouco as duas voltam, morrendo de vergonha pq tinham esquecido de pagar... ahahahahahhaahha. Foi demais. A música faz umas conexões muito loucas, não?
Hoje, sexta, vou tocar com a Eliane Faria no Supremo Musical. Aquele show que você conhece todo mundo na hora, sabe cumé? Tomara que dê certo... ;-)))))))
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A Mulher que eu Gosto
Ciro de Souza e Wilson Batista
Lá vem a mulher que eu gosto
De braço com meu amigo
Ai meu Deus, até parece castigo
É uma dupla traição
Ao meu pobre coração
Eu gosto desta malvada
E ele é meu camarada.
Há muito tempo ela sabe
Que eu lhe tenho grande amor
Preferiu o meu amigo
Fez de mim um sofredor
Ele também é culpado
Da nossa situação
Pois sabia que ela era
Dona do meu coração!
Samba gravado por Ciro Monteiro. Já passei pela situação descrita na letra acima, acho que foi uma das situações mais difíceis da minha vida. Fiquei até doente. É muito, muito triste. Que pena que tem gente que passa por cima de todos os valores (coisa que não existe mais, inclusive) para conseguir o que quer.
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Chorando as Pitangas
Chorar as pitangas é uma expressão bastante conhecida de onde tirei o nome de um dos grupos de choro que eu participo (o Chorando as Pitangas, formado por mim no pandeiro, Luisinho 7 cordas, Vitor Lopes na gaita, Milton de Mori no bandolim e Ildo Silva no cavaquinho). Luís da Câmara Cascudo, no seu maravilhoso livro Locuções Tradicionais no Brasil (Ed. Itatiaia, 1986), explica a possível origem da expressão: A Eugenia Uniflora (nome científico da pitanga) "é uma mirtácea brasileira e dificilmente forneceria material para uma expressão popular portuguesa. Em Portugal existe, há séculos, o lágrimas de sangue, que Morais registrou. Pitanda, piranga, em tupi, vale ´vermelho´. O fruto globular é de linda carnação rubra. A imagem associada impôs-se: ´chorar pitanga´ pelo lusitano ´chorar lágrimas de sangue´, na sugestão da cor."
A verdade é que acabamos de gravar um belo CD pela Lua Discos, que vai sair em breve. Aguardem!
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Luiz Levy
Outra característica minha é mudar de som radicalmente. Saí do Dusek e agora estou ouvindo Luiz Levy. Será que alguém conhece? Nessas horas me sinto tão solitária...
;-)
É que gosto dessas músicas desconhecidas. Luiz Levy (1861-1935), pianista e compositor paulistano. Tem um irmão também músico, encontrei uma página com dados de Alexandre Levy:
http://www.geocities.com/Vienna/Strasse/8454/levy.htm
Esse lp, lançado pela Eldorado em 1984, traz como intérprete o pianista Cláudio de Brito e um texto de Arnaldo José Senise. Foi então que descobri que os irmãos Levy "constituíram uma dupla célebre de concertistas que imprimiriam vivo dinamismo à nossa vida artística. A crônica lhes é pródiga e entusiástica. Pois Luiz já era impressionante virtuose aos dez anos e também camerista; em 1878 fez-se aplaudir com arroubo, em Paris, por alguns milhares, durante a Exposição Universal ali instalada." Seu pai, Henrique Luiz Levy, era "protetor de Carlos Gomes" e fundador da famosa casa Levy, que vendia artigos musicais (será que ela ainda existe?).
Bom, o disco é bonito à beça. O que me chamou mais atenção foram as músicas que ele compôs em resposta a Ernesto Nazareth:
Vicilino (polca em resposta à polca Beija-flor, de Nazareth) e Captivaram-me os teus olhos (polca em resposta à polca Teus Olhos Captivam, de Nazareth).
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Olhar brasileiro
Esse é o nome de um belíssimo lp do Eduardo Dusek (ouvi dizer que, por questões numerológicas, ele agora assina Dussek), lançado em 1981 pela Polygram. Há muitos anos não ouvia esse disco, que imensa alegria senti ao ouvi-lo hoje, o dia inteiro. Porque esse é um defeito grave que tenho: fico dias seguidos ouvindo o mesmo disco, o que me atrapalha muito, visto que tenho muitos cds ainda pra explorar. Mas é um vício. Aí vou descobrindo música por música, instrumento por instrumento. Quanto mais ouço, mais gosto (quase sempre). Relembrei sucessos como este abaixo:
Nostradamus
Naquela manhã, eu acordei tarde, de bode
Com tudo que sei, acendi uma vela, abri a janela e pasmei
Alguns edifícios explodiam, pessoas corriam
Eu disse bom-dia, ignorei
Telefonei prum toque-tenha qualquer e não tinha
Ninguém respondeu, eu disse Deus, Nostradamus,
Forças do Bem e da maldade, vodu, calamidade, juízo final
Então és tu?
De repente, na minha frente, a esquadilha de alumínio caiu
Junto com o vidro fumê
O que fazer, tudo ruiu
Começou tudo a carcomer
Gritei, ninguém ouviu, e olha que eu ainda fiz psiu!
O dia ficou noite, o sol foi pro além
Eu preciso de alguém
Vou até a cozinha, encontro Carlota, a cozinheira, morta
Diante do meu pé, Zé, eu falei, eu gritei, eu implorei
Levanta, me serve um café, que o mundo acabou.
Mas o que me deixou louca mesmo foi este samba-choro, Olhar brasileiro (em parceria com Luis Carlos Goes). O maravilhoso cantor Marcos Sacramento gravou essa música de forma magistral, mas a gravação original, com o Dusek, é mais forte ainda. Foi gravada com um regional, violão de 7, violão, pandeiro, piano, trompa, clarinete e orquestra de cordas. Lindíssima. A gravação do Marcos Sacramento (vocês ainda vão ler muito aqui este nome, pois é um dos meus cantores prediletos, sou louca por ele) é apenas com violão (não um violão qualquer, não, mas o excelente Maurício Carrilho). Bom, não interessa, a música é linda:
Olhar brasileiro
E agora a sós, sentados nesta sala que não é minha
E que claro, por ironia, me parece tão familiar
Me vem você, me vem a sua cara
Sua conversa apimentada e rara
E assim digamos, tão particular
Escuto o ritmo daquele teu simples pandeiro
E até sinto aquele cheiro de amor e de samba espalhado no ar
E minha nossa, de repente eu me lembro,
Era verão e a gente ficava bebendo e ía vivendo à beira mar
Todo mundo sentado na varanda do nosso sobrado
E sonhando altas horas acordado olhando fixo pro luar
Era seresta, era uma festa ver vocês se apaixonar
Era seu jeito, seus defeitos, sua maneira de se dar
Era tão quente, era pra gente tão maneiro que de repente
Você ganhava o mundo inteiro simplesmente com o menor piscar
E mesmo agora, sendo eu o único que resta
Talvez daquela festa, talvez daquele mar
Eu dou um jeito, tento fugir, tento esconder, mas me ajeito
Me acomodo pois me dói no peito somente por tentar lembrar
Daquele cheiro, daquele pandeiro, daquele Rio de Janeiro
Daquele teu verde olhar brasileiro que era meu...
Viva Eduardo Dusek. A biografia dele pode ser lida aqui.
26/09/2004 18:54
Discos da semana
Ouvi muito Jacob do Bandolim e Riachão, compositor baiano que eu tive a honra de acompanhar na sexta passada. Que fôlego, gente, que arraso. Riachão tem mais fôlego que a nossa banda toda, é mesmo impressionante. Ele é o máximo.
31/08/2004 12:13
Eduardo Gudin
Ele é um dos meus compositores prediletos aqui de SP.
Tem treze discos gravados, mas a maioria não foi lançada em CD. Eu poderia ficar horas aqui falando sobre suas músicas, lindas, seus discos, impecáveis, mas não há tempo. Então vou colocar um link para o site dele, não deixem de visitar. E algumas poucas letras, só para homenageá-lo, quando eu estiver com mais tempo vou escrever muitas outras. Detalhe importante: Gudin é um dos donos do famoso e tradicional Bar do Alemão, na Av. Antártica, nas Perdizes (SP). Altas rodas estão acontecendo ali. Gudin é um luxo!!!!!!
Ainda Mais
Eduardo Gudin/ Paulinho da Viola
Foi como tudo na vida
Que o tempo desfaz
Quando menos se quer
Uma desilusão assim
Faz a gente perder a fé
E ninguém é feliz, viu
Se o amor não lhe quer
Mas, enfim
Como posso fingir em pensar em você
Como um caso qualquer
Se entre nós tudo terminou
Eu ainda não sei, mulher
Mas por mim não irei renunciar
Antes de ver o que eu não vi
Em seu olhar
Antes que a derradeira chama que ficou
Não queira mais queimar
Vai
Que toda verdade de um amor
O tempo traz
Quem sabe um dia você volta para mim
E amando ainda mais.
E Lá se Vão Meus Anéis
(Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro)
Lá se vão meus anéis
Diz o refrão
Mas meus dedos são dez
Duas mãos
E a mulher que tu és
Oh, não
Isso não são papéis, não são
Não merece os meus réis de pão
Mete os pés pelas mãos
Todos sabem que o meu coração
É uma casa aberta não sei por quê
Portas e janelas dão pra você
Dão, deram e darão
É porque a chave do meu coração
Somente o teu coração pode abrir
E lá vai meu coração por aí
Mas não perdoa não
E lá se vão meus anéis.
Lá se vão meus anéis
Outros virão
Nas primeiras marés encho as mãos
Mas me pôr aos teus pés
Oh, não
Nem que fosse o que resta então
Nem que virem cruéis os bons
E infiéis os cristãos.
Verde
(Eduardo Gudin/Costa Netto)
Quem
Pergunta por mim
Já deve saber
Do riso no fim
De tanto sofrer
Que eu não desisti
Das minhas bandeiras
Caminhos, trincheiras
Da noite
Eu
Que sempre apostei
Na minha paixão
Guardei um país
No meu coração
Um foco de luz
Seduz a razão
De repente a visão
Da esperança
Quis
Esse sonhador
Aprendiz
De tanto suor
Ser feliz
Num gesto de amor
Meu país
Acendeu a cor
Verde
As matas no olhar
Ver de perto
Ver
De novo um lugar
Ver adiante
Sede de navegar
Verdejantes tempos
Mudança dos ventos
No meu coração.
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18/08/2004 14:12
Ary Barroso
Ah, como eu amo as músicas desse grande compositor e pianista... Vou escrever algumas letras aqui, mas volto em breve pra colocar os detalhes das gravações, pois agora não dá ;-)
Camisa Amarela
(Ary Barroso, 1939)
Encontrei o meu pedaço na avenida de camisa amarela
Cantando a Florisbela, oi
A Florisbela
Convideio-o a voltar pra casa em minha companhia
Exibiu-me um sorriso de ironia
E desapareceu no turbilhão da galeria
Não estava nada bom
O meu pedaço, na verdade, estava bem mamado
Bem chumbado, atravessado
Foi por aí cambaleando
Se acabando num cordão
Com o reco-reco na mão
Mais tarde, o encontrei num café
Zurrapa do Largo da Lapa
Folião de raça
Bebendo o quinto copo de cachaça
Isto não é chalaça...
Voltou às sete horas da manhã
Mas só na quarta-feira
Cantando a Jardineira, oi
A Jardineira
Me pediu, ainda zonzo, um copo d'água com bicarbonato
O meu pedaço estava ruim de fato
Pois caiu na cama e não tirou nem o sapato
Roncou uma semana
Despertou mal-humorado
Quis brigar comigo
Que perigo!
Mas não ligo
O meu pedaço me domina, me fascina, ele é o tal
Por isso não levo a mal
Pegou a camisa
A camisa amarela
Botou fogo nela
Gosto dele assim
Passada a brincadeira
Ele é pra mim
(Meu Senhor do Bonfim!)
Pra Machucar Meu Coração
(Ary Barroso, 1943)
Tá fazendo um ano e meio, amor
Que o nosso lar desmoronou
Meu sabiá, meu violão
E uma cruel desilusão
Foi tudo que ficou
Ficou
Pra machucar meu coração
Quem sabe não foi bem melhor assim
Melhor pra você e melhor pra mim
A vida é uma escola
Onde a gente precisa aprender
A ciência de viver pra não sofrer.
Maria
(Ary Barroso/Luiz Peixoto, 1932)
Maria
O teu nome principia
Na palma de minha mão
E cabe bem direitinho
Dentro do meu coração, Maria
Maria, de olhos claros, cor do dia
Como os de Nosso Senhor
Eu por vê-los tão de perto
Fiquei ceguinho de amor, Maria
No dia, minha querida
Em que juntinhos da vida
Nós dois nos quisermos bem
A noite em nosso cantinho
Hei de chamar-te baixinho
Não hás de ouvir mais ninguém, Maria
Maria, era o nome que eu dizia
Quando aprendi a falar
Da vozinha, coitadinha
Que eu não canso de chorar, Maria
E quando eu morar contigo
Tu hás de ver que perigo
Que isso vai ser, ai, meu Deus!
Vai nascer todos os dias
Uma porção de Marias
De olhinhos da cor dos teus, Maria
Maria...
No Rancho Fundo
(Ary Barroso/Lamartine Babo, 1931)
No rancho fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da cidade
No rancho fundo
De olhar triste e profundo
Um moreno conta as mágoas
Tendo os olhos rasos d'água
Pobre moreno
Que de tarde no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo o cigarro por companheiro
Sem um aceno
Ele pega da viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal desse moreno
No rancho fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria
Nem de noite nem de dia
Os arvoredos já não contam mais segredos
E a última palmeira já morreu na cordilheira
Os passarinhos internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza
Enche de trevas a natureza
Tudo por quê? Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno
Para uma casa de sapê
Se Deus soubesse
Da tristeza lá serra
Mandaria lá pra cima
Todo o amor que há na Terra
Porque o moreno vive louco de saudade
Só por causa do veneno
Das mulheres da cidade
Ele que era o cantor da primavera
Que até fez do rancho fundo
O céu maior que tem no mundo
O sol queimando
Se uma flor lá desabrocha
A montanha vai gelando lembrando o aroma da cabrocha.
Tu
(Ary Barroso, 1934)
Teu olhar é um sonho azul
Teu sorriso, uma promessa louca
Teus lábios, duas jóias de coral
No engaste sensual de tua boca
O mais lindo luar, tu
A grandeza do mar, tu
Só te quero a ti
Só te vejo a ti
Só palpito por ti
És minha vida, querida!
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08/08/2004 23:55
Escola Portátil de Música
Há umas três semanas estive em Vassouras, no Rio de Janeiro, para participar de uma oficina de Choro promovida pela Escola Portátil de Música.
A oficina foi emocionante. Não posso deixar passar em branco, tenho que registrar aqui o sucesso deste evento. Parabéns aos incansáveis Luciana Rabello e Maurício Carrilho que, além do trabalho exemplar que fazem na Acari, única gravadora especializada em choro, também estão à frente deste projeto, ao lado de grandes parceiros, como a pesquisadora e violonista Anna Paes, o bandolinista Pedro Aragão, dentre outros.
As aulas aconteceram numa escola pública e foram estimulantes, o dia todo, não dava vontade de parar. Os alunos estavam animadíssimos. A organização do evento – que coube, se não me engano, à Sarau Produções, foi impecável. Fiquei num hotel maravilhoso, com preço muuuito acessível, graças à parceria da Escola Portátil de Música com os hotéis da região. Um caderno da Oficina de Choro era distribuído a todos os alunos, contendo diversas partituras e um CD. Um ótimo material, nos moldes dos belos cadernos de choro lançados pela Acari. Ah, sim, e ganhamos uma camiseta também. É importante lembrar que tudo isso só foi possível graças à El Paso, empresa que patrocinou toda a oficina.
Quero fazer um apelo à Elpaso: por favor, traga esta oficina para São Paulo. Quem sabe vocês não conseguem uma parceria com alguma unidade do Sesc São Paulo? Este trabalho é exemplar, maravilhoso, e tem que ser divulgado por todo o Brasil.
A simpatia de todos os professores, em sua maioria com suas famílias (namorados (as), maridos, esposas, filhos, pais, mães), merece destaque. Foram 4 dias de atividades intensas, fico pensando: quantos alunos que conheci lá não vão se profissionalizar?
No último dia, os professores organizaram uma orquestra, cheguei a chorar de emoção. Adolescentes tocando clarinete, sax, baixo, violino, etc. Foi muuuito prazeroso participar e assistir de perto o trabalho destes mestres, em especial do Celsinho Silva, "meu" professor de pandeiro. Isso sem contar os diversos amigos que fiz, alunos e professores da Oficina de Choro no Rio, pessoas que adorei conhecer.
Quero agradecer a todos pelo carinho e pela iniciativa. El Paso, tomara que várias empresas brasileiras sigam seu exemplo. Parabéns!!!!!!!
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01/08/2004 20:43
No Ar: PRK-30
Já comentei aqui sobre o excelente livro de Paulo Perdigão: No Ar, PRK-30, lançado no ano passado (que traz dois cds), que fala sobre "o mais famoso programa de humor da era do rádio", feito por Castro Barbosa e Lauro Borges. Vou trascrever aqui alguns trechos, mas já aviso que não tem o mesmo efeito de ouvir os programas:
"Hora da Ginástica"
Professor Reinaldo Muniz Magalhães (Lauro Borges): "Vamos fazer agora o exercício 333.333 vírgula 3. Olhem bem na gravura. Todos de cócoras com os pés pra cima. Isso! Vamos dar 50 pulos pra frente. Assim, assim, assim... Respirando somente pela boca e pelo ouvido esquerdo. Agora, quero ver todos marchando ao som desta bonita valsa vienense. (Piano toca Pirata da Perna de Pau). Vamos marchar com alegria. Um, dois, um dois, três, quatro, 47, 52... Alto! Agora respirem com força, para fora. O senhor aí, de casaca amarela, não respire com tanta força! Pode faltar ar para os outros. Não seja egoísta!"
"Agora, todos de quatro no chão para o exercício chamado de 'cachorrinho'. Isso! Levante a perninha direita, abaixe a perninha direita, levante a perninha direita..."
Megatério: "Um momento, professor, mas esse 'cachorrinho' só levanta a perninha direita por quê?"
Professor: "É porque ele é canhoto. Vamos ao exercício chamado 'saca-rolha', que é feito com ajuda de uma pessoa da família. Um: pegue a pessoa e vá torcendo seu pescoço com toda a força para a direita, assim como a gente torce o pescoço de um frango. Vá torcendo até estalar. Segure firme. Não se incomode com os olhos da pessoa, que ficam espichados como sapo-boi. Não solte. Depois, sim, a cara do parceiro já deve estar meio estúpida. Se ele desmaiar, não se preocupe: um balde d'água pode ser que faça a pessoa voltar a si outra vez. Este exercício é ótimo. Facilita a gente virar a cabeça por todas as posições e dar três ou quatro voltas completas ao redor do corpo."
Megatério: "Isso é que é conforto! A gente se vê por todos os lados sem espelho. Uma maravilha!"
Professor: "Passemos ao exercício que se intitula 'boa bola'. É um exercício só para homens, porque é um pouco pesado, violento. Atenção! Os senhores ginasticistas devem fazer esse exercício completamente vestidos, de calça, colete, paletó, gravata, como se fossem sair. Vamos começar! Primeiro, passem a perna esquerda por cima da cabeça e enfiem o pé direito no bolso traseiro do lado esquerdo da calça. Isso! Faça força que vai! Agora, pegue o pé que sobrou e faça a mesma coisa com ele: enfie-o no bolso traseiro da calça que está vazio. Meu amigo: você está quase redondinho, você está quase uma bola! Só sua cabeça que está atrapalhando! Pegue sua cabeça e enfie-a no bolso do colete. Isso! Agora, você é capaz de ir rolando até a porta do seu escritório, da sua repartição, de sua fábrica, sem gastar dinheiro, sem perder tempo esperando condução. Chegando lá, você desmancha essa bola e vai trabalhar disposto, alegre, satisfeito."
"Deitem-se agora de costas para o chão e levantem as perninhas pra cima, como se fossem um franguinho assado de confeitaria. Agora vamos dar um forte impulso pra cima, subir uns três ou quatro metros de altura e, ao cair, vamos todos plantar uma bananeira de cabeça pra baixo. Atenção, já! Isso! Gostei de ver! Dizem que todo homem deve ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. E assim, com esse exercício, você, meu ouvinte, já cumpriu uma dessas missões plantando uma bananeira."
"Agora, abram bem os braços pra trás. Levante o calcanhar esquerdo e coloque-o debaixo do sovaco do mesmo lado. Não saia dessa posição nem que um marimbondo lhe morda a ponta do nariz! Atenção aí: o senhor, de calção rasgado, não fuja. Encoste-se na parede e faça seu exercício. Todos firmes! Posição de sentido! Levante um pé acima da cabeça. Agora levante o outro. ( Ruído) Ih, desculpem. Rasguei o calção!"
Megatério: "Amigos ouvintes, pausa para mudar o calção."
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11/07/2004 21:49
Mônica Salmaso
Ganhei da minha querida 'boadrasta' o belíssimo Iaiá, finalmente. Está muito lindo. A música que eu mais gostei (por enquanto ;-) é a regravação de Vingança, com acordeon e arranjo de Toninho Ferragutti e clarinete, sax alto e arranjo de sopros de Proveta:
Vingança
(Francisco Mattoso e José Maria de Abreu)
Lá na beira do roçado,
Onde a tristeza não vem
Eu vivia sossegado
Com a viola do meu lado
Mais feliz do que ninguém
Numa festa no arraiá
Vi dois óio me olhá
Decidi no improviso,
Ela me deu um sorriso
E comigo foi morar
Nunca mais fui cantador
E a viola descansou
Eu vivia pra cabocla
Eu vivia pra cabocla
Só pensava em meu amor
Nunca fui feliz assim
Eu mesmo disse pra mim
Pensei que a felicidade
Pensei que a felicidade
Não pudesse ter um fim
Mas um dia a malvada
Foi-se embora e me esqueceu
Com um caboclo decidido
Juca Antônio conhecido
Cantador mais do que eu
Já cansado de esperar
Desisti de procurar
A cabocla que um dia
Levou minha alegria
Eu jurei de me vingar
Numa festa fui cantar
E a mulata tava lá
Juro por Nossa Senhora
Juro por Nossa Senhora
Que a cabocla eu quis matar
Mas fiquei sem respirar
Quando vi ela dançar
Ela tava tão bonita
Ela tava tão bonita
Que esqueci de me vingar.
________________________
Gravada originalmente em 1935 por Gastão Formenti e Orchestra Victor Brasileira, lançada em 1936. A gravação original é bonita, mas esta regravação está um primor.
Outra que amei:
Cabrochinha
(Maurício Carrilho e Paulo César Pinheiro)
Ô, cabrochinha
Venha ver quem chegou
Chegou no bico do sapato
O seu mulato flozô
Bota um vestido curto
Aquele justo lilás
Que tem um corte do lado
E um decote atrás
Dei sorte na loteca
E uma merreca pintou
Repara só na beca
Que o teu nego comprou
Vou te levar pra jantar
Cabrochinha, dessa vez
Num restaurante francês
Mas "sivuplé", ô, "messiê" garçon
Leva o menu que eu não entendo lhufas
Eu vou pedir esse Don Perignon
Um escargot e um filet com trufas
Depois daquela sobremesa que flamba
A gente volta pro samba
A gente encerra o glamour
No fim da noite um bangalô
Penhoar e um abajur
Pra gente fazer l'amour
L'amour toujour.
_______________________
Também excelente. Já conhecia a gravação da Família Roitman.
Sinhazinha (Despertar)
(Chico Buarque)
Tá na hora de acordar, sinhazinha
Que tem muito o que fazer
Tem cabeça pra tratar
Tem que ler caderno B
Hora no homeopata
Fita no vídeo-clube
Tá na hora de acordar
Tem a vida pra viver
Tem convite pra dançar
Telefone pra você
Namorado pra brigar
Vinho branco pra esquecer
Tá na hora de acordar, sinhazinha
Eu não chamo uma outra vez
Que tem búzio pra jogar
Tem massagem no chinês
Instituto de ioga
Coleção nas vitrines
Tá na hora de acordar
Tá na idade de querer
Namorado pra casar
Casamento pra sofrer
A cabeça pra dançar
E a vontade de morrer
Disco novo pra rodar
Vinho branco pra esquecer.
__________________________
Um belo arranjo e piano de André Mehmari. Sinhazinha já foi gravada por Djavan no lp Para Viver um Grande Amor.
Vai (Menina Amanhã de Manhã)
(Tom Zé e Perna)
Menina amanhã de manhã
Quando a gente acordar quero te dizer
Que a felicidade vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens
Na hora ninguém escapa
Debaixo da cama, ninguém se esconde
A felicidade vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens
Menina, ela mete medo
Menina ela fecha a roda
Menina não tem saída
De cima, de banda ou de lado
Menina olhe pra frente
Menina, todo cuidado
Não queira dormir no ponto
Segure o jogo, atenção de manhã
Menina a felicidade
É cheia de praça, é cheia de traça
É cheia de lata, é cheia de graça
Menina a felicidade
É cheia de pano, é cheia de pena
É cheia de sino, é cheia de sono
Menina a felicidade
É cheia de ano, é cheia de Eno
É cheia de hino, é cheia de ONU
Menina a felicidade
É cheia de an, é cheia de en
É cheia de in, é cheia de on
Menina a felicidade
É cheia de a, é cheia de é
É cheia de i, é cheia de ó.
___________________________
Esta música é muito alto astral. Foi gravada por Tom Zé no lp Estudando o Samba e pelo Trio Mafuá.
As demais músicas do CD são: Estrela de Oxum (Rodolfo Stroeter e Joyce), Moro na Roça (adapt. de Xangô da Mangueira e Zagaia), Por toda a minha vida, (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), Assum branco (José Miguel Wisnik), Cidade lagoa, (Sebastião Fonseca e Cícero Nunes), Doce na feira (Jair do Cavaquinho e Altair Costa), Onde ir (Vanessa da Mata), É doce morrer no mar (Dorival Caymmi) e Na aldeia (Sílvio Caldas, De Chocolat e Carusinho).
Grandes músicos participam deste CD, vou citar só alguns, além dos já citados, pra vcs sentirem o clima: Maurício Carrilho, Luciana Rabello, Robertinho Silva, Celsinho Silva, Teco Cardoso, Jorginho Silva, Paulo Bellinati, Benjamim Taubkin, Sujeito a Gincho, Teresa Cristina, Caíto Marcondes, etc.
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Ontem ouvi um disco que há muitos, muitos anos estava fora da minha vitrola: Miltons , do Milton Nascimento. Que delícia. O solo de piano de Herbie Hancock na música San Vicente é um absurdo. Como pude ficar tantos anos sem ouvir essa maravilha eu não sei. Além de Fruta Boa, do Milton com o Fernando Brant, que eu amo loucamente, tenho que citar Sem Fim, pérola do Novelli e do Cacaso:
Quando me larguei
Lá de onde eu vim
Chão de sol a sol
Ramo de alecrim
Paletó de brim
Tempo tão veloz
Não chamei meu pai
Minha mãe não viu
Desgarrei de nós
Quando dei por mim
Um sertão sem fim
Pelo meu redor
Coração, não deixe de bater
Quando o meu amor
Disse adeus pra mim
Eu perdi a voz
Quis dizer que sim
Mas me desavim
E fiquei menor
Não achei meu pai
Minha mãe saiu
Me senti tão só
Procurei por mim
Um desvão sem fim
Pelo meu redor
Coração, não deixe de bater.
____________________________________________________________
01/07/2004 02:57
Chico Buarque (19/6/1944)
Seu aniversário já passou, mas nunca é tarde para homenageá-lo. Vou postar aqui algumas músicas dele que eu adoro. Na verdade eu gosto de todas, e cheguei à conclusão de que é impossível "fechar" um repertório do Chico. Mas tentei e aqui está uma pequena seleção por ordem cronológica. Vale citar que tirei boa parte das letras do excelente sítio do Chico
Tem Mais Samba
(Chico Buarque/1964)
Tem mais samba no encontro que na espera
Tem mais samba a maldade que a ferida
Tem mais samba no porto que na vela
Tem mais samba o perdão que a despedida
Tem mais samba nas mãos do que nos olhos
Tem mais samba no chão do que na lua
Tem mais samba no homem que trabalha
Tem mais samba no som que vem da rua
Tem mais samba no peito de quem chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer
Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver.
_______________________
Este samba foi composto para o musical Balanço de Orfeu, de Luiz Vergueiro.
"O personagem principal, Chico Buarque de Hollanda, já não se lembra da história. Mas o publicitário Luiz Vergueiro, que dela participou, conservou-a em detalhes na memória. Ele era o produtor de um musical, Balanço de Orfeu, e a estréia, no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo, estava marcada para o dia 7 de dezembro de 1964. Dois dias antes, impaciente, Luiz esperava pela música que havia encomendado a seu amigo Chico e da qual, em boa medida, dependeria o sucesso da noitada. A primeira parte do show, Na onda do balanço, seria como um diálogo entre a Bossa Nova e a nascente Jovem Guarda, na qual muitos viam inquietante ameaça à música brasileira. De um lado, o jovem cantor Taiguara, de outro, uma cantora que acabaria não seguindo carreira, Claudia Gennari. Ele "engajado", ela "alienada", conforme o imperioso jargão da época. No final, previsivelmente, triunfaria a Bossa Nova - e, para que não pairasse dúvida, a moral da história seria resumida numa canção, a tal encomendada a Chico, a ser cantada por todos os participantes do espetáculo.
Pelas sete da noite daquela quarta-feira, aparece o compositor. Um desastre, constatou Luiz Vergueiro: a música (que se perdeu ali mesmo, para sempre) não era ruim, mas não servia - não passava a mensagem pretendida. Isso foi dito a Chico, que saiu furioso. No dia seguinte, véspera da estréia, às dez da manhã, o produtor o vê chegar outra vez, "com os olhos vermelhos pela noite em claro e um tremendo bafo de cana" - e uma canção ainda quentinha no violão. Era Tem mais samba, que muitos anos mais tarde Chico escolheria para ser o marco zero de sua obra, e que poderia ser tomada, também, como ilustração de uma das constantes em seu trabalho: a criação por encomenda (aquela foi a primeira), contra o relógio mas nunca em prejuízo da beleza e do prazer de criar."
© Copyright Humberto Werneck in Chico Buarque Letra e Música, Cia da Letras, 1989.
Desencontro
(Chico Buarque/1965)
A sua lembrança me dói tanto
Que eu canto pra ver
Se espanto esse mal
Mas só sei dizer
Um verso banal
Fala em você
Canta você
É sempre igual
Sobrou desse nosso desencontro
Um conto de amor
Sem ponto final
Retrato sem cor
Jogado aos meus pés
E saudades fúteis
Saudades frágeis
Meros papéis
Não sei se você ainda é a mesma
Ou se cortou os cabelos
Rasgou o que é meu
Se ainda tem saudades
E sofre como eu
Ou tudo já passou
Já tem um novo amor
Já me esqueceu.
Lua Cheia
(Toquinho/Chico Buarque/1965)
Ninguém vai chegar do mar
Nem vai me levar daqui
Nem vai calar minha viola
Que desconsola, chora notas
Pra ninguém ouvir
Minha voz ficou na espreita, na espera
Quem dera abrir meu peito
Cantar feliz
Preparei para você uma lua cheia
E você não veio
E você não quis
Meu violão ficou tão triste, pudera
Quisera abrir janelas
Fazer serão
Mas você me navegou
Mares tão diversos
E eu fiquei sem versos
E eu fiquei em vão.
Com Açúcar, Com Afeto
(Chico Buarque/1966)
Com açúcar, com afeto
Fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa
Qual o quê
Com seu terno mais bonito
Você sai, não acredito
Quando diz que não se atrasa
Você diz que é operário
Vai em busca do salário
Pra poder me sustentar
Qual o quê
No caminho da oficina
Há um bar em cada esquina
Pra você comemorar
Sei lá o quê
Sei que alguém vai sentar junto
Você vai puxar assunto
Discutindo futebol
E ficar olhando as saias
De quem vive pelas praias
Coloridas pelo sol
Vem a noite e mais um copo
Sei que alegre ma non troppo
Você vai querer cantar
Na caixinha um novo amigo
Vai bater um samba antigo
Pra você rememorar
Quando a noite enfim lhe cansa
Você vem feito criança
Pra chorar o meu perdão
Qual o quê
Diz pra eu não ficar sentida
Diz que vai mudar de vida
Pra agradar meu coração
E ao lhe ver assim cansado
Maltrapilho e maltratado
Ainda quis me aborrecer
Qual o quê
Logo vou esquentar seu prato
Dou um beijo em seu retrato
E abro os meus braços pra você.
Carolina
(Chico Buarque/1967)
Carolina
Nos seus olhos fundos
Guarda tanta dor
A dor de todo esse mundo
Eu já lhe expliquei que não vai dar
Seu pranto não vai nada mudar
Eu já convidei para dançar
É hora, já sei, de aproveitar
Lá fora, amor
Uma rosa nasceu
Todo mundo sambou
Uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo
Pela janela, ói que lindo
Mas Carolina não viu
Carolina
Nos seus olhos tristes
Guarda tanto amor
O amor que já não existe
Eu bem que avisei, vai acabar
De tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar
Agora não sei como explicar
Lá fora, amor
Uma rosa morreu
Uma festa acabou
Nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela
O tempo passou na janela
Só Carolina não viu.
Januária
(Chico Buarque/1967)
Toda gente homenageia
Januária na janela
Até o mar faz maré cheia
Pra chegar mais perto dela
O pessoal desce na areia
E batuca por aquela
Que, malvada, se penteia
E não escuta quem apela
Quem madruga sempre encontra
Januária na janela
Mesmo o sol quando desponta
Logo aponta os lados dela
Ela faz que não dá conta
De sua graça tão singela
O pessoal se desaponta
Vai pro mar levanta vela.
Um Chorinho
(Chico Buarque/1967)
Ai, o meu amor, a sua dor, a nossa vida
Já não cabem na batida
Do meu pobre cavaquinho
Quem me dera
Pelo menos um momento
Juntar todo sofrimento
Pra botar nesse chorinho
Ai, quem me dera ter um choro de alto porte
Pra cantar com a voz bem forte
E anunciar a luz do dia
Mas quem sou eu
Pra cantar alto assim na praça
Se vem dia, dia passa
E a praça fica mais vazia
Vem, morena
Não me despreza mais, não
Meu choro é coisa pequena
Mas roubado a duras penas
Do coração
Meu chorinho
Não é uma solução
Enquanto eu cantar sozinho
Quem cruzar o meu caminho, não pára não
Mas não faz mal
E quem quiser que me compreenda
Até que alguma luz acenda, este meu canto continua
Junto meu canto a cada pranto, a cada choro
Até que alguém me faça coro pra cantar na rua.
_______________________
Composto para o filme Garota de Ipanema, de Leon Hirszman
Até pensei
(Chico Buarque/1968)
Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caía
Toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade
Morava tão vizinha
Que, de tolo
Até pensei que fosse minha
Junto a mim morava minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me vinha
Eu andava pobre
Tão pobre de carinho
Que, de tolo
Até pensei que fosses minha
Toda a dor da vida
Me ensinou essa modinha
Que, de tolo
Até pensei que fosse minha.
Benvinda
(Chico Buarque/1968)
Dono do abandono e da tristeza
Comunico oficialmente
Que há lugar na minha mesa
Pode ser que você venha
Por mero favor
Ou venha coberta de amor
Seja lá como for
Venha sorrindo, ai
Benvinda, benvinda, benvinda
Que o luar está chamando
Que os jardins estão florindo
Que eu estou sozinho
Cheio de anseios e esperança
Comunico a toda a gente
Que há lugar na minha dança
Pode ser que você venha
Morar por aqui
Ou venha pra se despedir
Não faz mal
Pode vir até mentindo, ai
Benvinda, benvinda, benvinda
Que o meu pinho está chorando
Que o meu samba está pedindo
Que eu estou sozinho
Venha iluminar meu quarto escuro
Venha entrando como o ar puro
Todo novo da manhã
Venha minha estrela madrugada
Venha minha namorada
Venha amada
Venha urgente
Venha irmã
Benvinda, benvinda, benvinda
Que essa aurora está custando
Que a cidade está dormindo
Que eu estou sozinho
Certo de estar perto da alegria
Comunico finalmente
Que há lugar na poesia
Pode ser que você tenha
Um carinho para dar
Ou venha pra se consolar
Mesmo assim pode entrar
Que é tempo ainda, ai
Benvinda, benvinda, benvinda
Ah, que bom que você veio
E você chegou tão linda
Eu não cantei em vão
Benvinda, benvinda, benvinda, benvinda, benvinda
No meu coração.
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Não é demais??? Benvinda participou do IV Festival de MPB da TV Record, em dezembro de 1968, e ganhou primeiro lugar no júri popular.
Pois é
(Tom Jobim/Chico Buarque/1968)
Pois é
Fica o dito e o redito por não dito
E é difícil dizer que foi bonito
É inútil cantar o que perdi
Taí
Nosso mais-que-perfeito está desfeito
E o que me parecia tão direito
Caiu desse jeito sem perdão
Então
Disfarçar minha dor eu não consigo
Dizer: somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim
Enfim
Hoje na solidão ainda custo
A entender como o amor foi tão injusto
Pra quem só lhe foi dedicação
Pois é, e então...
Sabiá
(Tom Jobim/Chico Buarque/1968)
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer.
_______________________
Foi composta para a soprano Maria Lúcia Godoy e antes de ter letra se chamou Gávea (retirado de Chico Buarque, letra e música). Interpretada por Cynara e Cybele, ganhou primeiro lugar no III FIC (Festival Internacional da Canção), em setembro de 1968. Mas foi recebida com vaias pelo público, que a comparou com a segunda colocada do mesmo festival, Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, do engajado Geraldo Vandré: "Sabiá era vista como uma canção desvinculada da realidade nacional. A pouca gente, naquele instante de exaltação, ocorreu torná-la como uma nova e premonitória Canção do Exílio." (retirado de Chico Buarque, letra e música).
Tantas vezes lembrada em nossa literatura, a "Canção do Exílio" (Gonçalves Dias, 1843) serviu de base para outros poemas que surgiram depois tratando do mesmo tema. De acordo com Gilberto Vasconcelos em seu livro Música Popular: De Olho na Fresta, Sabiá retoma o emblema característico da exaltação à terra, porém ao avesso, numa perspectiva invertida e pontilhada de negatividade: 'vou deitar à sombra de uma palmeira que já não há/colher a flor que já não dá'".
"Pressões das autoridades sobre os organizadores do festival impediram a vitória da grande favorita (Pra não dizer que não falei das flores) do poeta paraibano e sua apresentação foi emocionante, com o povo cantando num clima que tinha tanto a ver com injustiça musical quanto com o momento político. Cynara e Cybele foram impedidas de bisar a primeira colocada. Confusa estava a imagem de Chico Buarque, pois o público não entendera sua mensagem, que na canção fazia uma crítica à problemática nacional num proposto auto-exílio e (...) falava de sua pátria através dos símbolos sabiá, palmeira e flor." (retirado do livro Poesia e política nas canções de Bob Dylan e Chico Buarque, de Lígia Viera César).
Retrato em Branco e Preto
(Tom Jobim/Chico Buarque/1968)
Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar, tanto pior
O que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto
E que no entanto
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes velhos fatos
Que num álbum de retrato
Eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado
E você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração.
Samba e Amor
(Chico Buarque/1969)
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã
De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar
No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?
Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã.
Apesar de Você
(Chico Buarque/1970)
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal...
Desalento
(Chico Buarque/Vinicius de Moraes/1970)
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos.
Atrás da Porta
(Francis Hime/Chico Buarque/1972)
Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei
Sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito (Nos teus pêlos)*
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que inda sou tua
Só pra provar que inda sou tua...
_______________________
* verso original vetado pela censura
Cala a Boca, Bárbara
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972/1973)
Ele sabe dos caminhos
Dessa minha terra
No meu corpo se escondeu
Minhas matas percorreu
Os meus rios
Os meus braços
Ele é o meu guerreiro
Nos colchões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai
Cala a boca - Olha o fogo
Cala a boca - Olha a relva
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Ele sabe dos segredos
Que ninguém ensina
Onde guardo o meu prazer
Em que pântanos beber
As vazantes, as correntes
Nos colchões de ferro
Ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai
Cala a boca - Olha a noite
Cala a boca - Olha o frio
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara.
______________________
Composta para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
Tatuagem
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972-1973)
Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava
Quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço
Quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva
Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes.
_______________________
Composta para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
Tira as Mãos de Mim
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972-1973)
Ele era mil
Tu és nenhum
Na guerra és vil
Na cama és mocho
Tira as mãos de mim
Põe as mãos em mim
E vê se o fogo dele
Guardado em mim
Te incendeia um pouco
Éramos nós
Estreitos nós
Enquanto tu
És laço frouxo
Tira as mãos de mim
Põe as mãos em mim
E vê se a febre dele
Guardada em mim
Te contagia um pouco.
______________________
Composta para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
Você Vai me Seguir
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972-1973)
Você vai me seguir
Aonde quer que eu vá
Você vai me servir
Você vai se curvar
Você vai resistir
Mas vai se acostumar
Você vai me agredir
Você vai me adorar
Você vai me sorrir
Você vai se enfeitar
E vem me seduzir
Me possuir, me infernizar
Você vai me trair
Você vem me beijar
Você vai me cegar
E eu vou consentir
Você vai conseguir
Enfim, me apunhalar
Você vai me velar
Chorar, vai me cobrir
E me ninar.
Fado Tropical
(Chico Buarque/Ruy Guerra/1972-1973)
Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além da sífilis, é claro)*
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar,
Esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial.
____________________________
Composta para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
* trecho original, vetado pela censura
Vai Levando
(Caetano Veloso/Chico Buarque/1975)
Mesmo com toda a fama
Com toda a brahma
Com toda a cama
Com toda a lama
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando essa chama
Mesmo com todo o emblema
Todo o problema
Todo o sistema
Toda Ipanema
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando essa gema
Mesmo com o nada feito
Com a sala escura
Com um nó no peito
Com a cara dura
Não tem mais jeito
A gente não tem cura
Mesmo com o todavia
Com todo dia
Com todo ia
Todo não ia
A gente vai levando
A gente vai levando
Vai levando
Vai levando essa guia.
_______________________
Do lp Chico Buarque & Maria Bethânia ao Vivo
João e Maria
(Sivuca/Chico Buarque/1977)
Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você
Além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock
Para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigada a ser feliz
E você era a princesa
Que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo
Sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim.
Se eu Fosse o teu Patrão
(Chico Buarque, 1977-1978)
Os homens cantam: Eu te adivinhava
E te cobiçava
E te arrematava em leilão
Te ferrava a boca, morena
Se eu fosse o teu patrão
Ai, eu te tratava
Como uma escrava
Ai, eu não te dava perdão
Te rasgava a roupa, morena
Se eu fosse o teu patrão
Eu te encarcerava
Te acorrentava
Te atava ao pé do fogão
Não te dava sopa, morena
Se eu fosse o teu patrão
Eu te encurralava
Te dominava
Te violava no chão
Te deixava rota, morena
Se eu fosse o teu patrão
Quando tu quebrava
E tu desmontava
E tu não prestava mais, não
Eu comprava outra morena
Se eu fosse o teu patrão
As mulheres cantam: Pois eu te pagava direito
Soldo de cidadão
Punha uma medalha em teu peito
Se eu fosse o teu patrão
O tempo passava sereno
E sem reclamação
Tu nem reparava, moreno
Na tua maldição
E tu só pegava veneno
Beijando a minha mão
Ódio te brotava, moreno
Ódio do teu irmão
Teu filho pegava gangrena
Raiva, peste e sezão
Cólera na tua morena
E tu não chiava não
Eu te dava café pequeno
E manteiga no pão
Depois te afagava, moreno
Como se afaga um cão
Eu sempre te dava esperança
De um futuro bão
Tu me idolatrava, criança
Se eu fosse o teu patrão.
____________________
Composta para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
Tango do Covil
(Chico Buarque/1977-1978)
Ai, quem me dera ser cantor
Quem dera ser tenor
Quem sabe ter a voz
Igual aos rouxinóis
Igual ao trovador
Que canta os arrebóis
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Deixa eu cantar tua beleza
Tu és a mais linda princesa
Aqui deste covil
Ai, quem me dera ser doutor
Formado em Salvador
Ter um diploma, anel
E voz de bacharel
Fazer em teu louvor
Discursos a granel
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Tu és a dama mais formosa
E ouso dizer a mais gostosa
Aqui deste covil
Ai, quem dera ser garçom
Ter um sapato bom
Quem sabe até talvez
Ser um garçom francês
Falar de champinhom
Falar de molho inglês
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
És tão graciosa e tão miúda
Tu és a dama mais tesuda
Aqui deste covil
Ai, quem me dera ser Gardel
Tenor e bacharel
Francês e rouxinol
Doutor em champinhom
Garçom em Salvador
E locutor de futebol
Pra te dizer febril
Bem-vinda
Tua beleza é quase um crime
Tu és a bunda mais sublime
Aqui deste covil.
_____________________
Composta para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
A Rosa
(Chico Buarque/1979)
Arrasa o meu projeto de vida
Querida, estrela do meu caminho
Espinho cravado em minha garganta
Garganta
A santa às vezes troca meu nome
E some
E some nas altas da madrugada
Coitada, trabalha de plantonista
Artista, é doida pela Portela
Ói ela
Ói ela, vestida de verde e rosa
A Rosa garante que é sempre minha
Quietinha, saiu pra comprar cigarro
Que sarro, trouxe umas coisas do Norte
Que sorte
Que sorte, voltou toda sorridente
Demente, inventa cada carícia
Egípcia, me encontra e me vira a cara
Odara, gravou meu nome na blusa
Abusa, me acusa
Revista os bolsos da calça
A falsa limpou a minha carteira
Maneira, pagou a nossa despesa
Beleza, na hora do bom me deixa, se queixa
A gueixa
Que coisa mais amorosa
A Rosa
Ah, Rosa, e o meu projeto de vida?
Bandida, cadê minha estrela guia
Vadia, me esquece na noite escura
Mas jura
Me jura que um dia volta pra casa
Arrasa o meu projeto de vida
Querida, estrela do meu caminho
Espinho cravado em minha garganta
Garganta
A santa às vezes me chama Alberto
Alberto
Decerto sonhou com alguma novela
Penélope, espera por mim bordando
Suando, ficou de cama com febre
Que febre
A lebre, como é que ela é tão fogosa
A Rosa
A Rosa jurou seu amor eterno
Meu terno ficou na tinturaria
Um dia me trouxe uma roupa justa
Me gusta, me gusta
Cismou de dançar um tango
Meu rango sumiu lá da geladeira
Caseira, seu molho é uma maravilha
Que filha, visita a família em Sampa
Às pampa, às pampa
Voltou toda descascada
A fada, acaba com a minha lira
A gira, esgota a minha laringe
Esfinge, devora a minha pessoa
À toa, a boa
Que coisa mais saborosa
A Rosa
Ah, Rosa, e o meu projeto de vida?
Bandida, cadê minha estrela guia?
Vadia, me esquece na noite escura
Mas jura
Me jura que um dia volta pra casa.
Eu Te Amo
(Tom Jobim/Chico Buarque/1980)
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás só fazendo de conta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.
O Meu Guri
(Chico Buarque/1981)
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri.
A História de Lily Braun
(Edu Lobo/Chico Buarque/1982)
Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom
Ele me comia
Com aqueles olhos
De comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz
E voltou
Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão
Foi desde então ficando flou
Como no cinema
Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilingüindo toda
Ao som do blues
Abusou do scotch
Disse que meu corpo
Era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale no decote
Disparei com as faces
Rubras e febris
E voltou
No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus
Numa turnê
Como amar esposa
Disse ele que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar
Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz.
__________________
Composta para o balé O grande circo místico
Embarcação
(Francis Hime/Chico Buarque/1982)
Sim, foi que nem um temporal
Foi um vaso de cristal
Que partiu dentro de mim
Ou quem sabe os ventos
Pondo fogo numa embarcação
Os quatro elementos
Num momento de paixão
Deus, eu pensei que fosse Deus
E que os mares fossem meus
Como pensam os ingleses
Mel, eu pensei que fosse mel
E bebi da vida
Como bebe um marinheiro de partida, mel
Meu, eu julguei que fosse meu
O calor do corpo teu
Que incendeia meu corpo há meses
Ar, como eu precisava amar
E antes mesmo do galo cantar
Eu te neguei três vezes
Cais, ficou tão pequeno o cais
Te perdi de vista para nunca mais
Mais, mais que a vida em minha mão
Mais que jura de cristão
Mais que a pedra desse cais
Eu te dei certeza
Da certeza do meu coração
Mas a natureza vira a mesa da razão.
________________________
Gravada originalmente no disco Pau Brasil, de Francis Hime (Somlivre). Mas a minha predileta é a gravação de Zé Luiz Mazziotti.
Beatriz
(Edu Lobo/Chico Buarque/1982)
Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ai, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida.
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Composta para o balé O grande circo místico
A Violeira
(Tom Jobim/Chico Buarque/1983)
Desde menina
Caprichosa e nordestina
Que eu sabia, a minha sina
Era no Rio vir morar
Em Araripe
Topei com o chofer dum jipe
Que descia pra Sergipe
Pro Serviço Militar
Esse maluco
Me largou em Pernambuco
Quando um cara de trabuco
Me pediu pra namorar
Mais adiante
Num estado interessante
Um caixeiro viajante
Me levou pra Macapá
Uma cigana revelou que a minha sorte
Era ficar naquele Norte
E eu não queria acreditar
Juntei os trapos com um velho marinheiro
Viajei no seu cargueiro
Que encalhou no Ceará
Voltei pro Crato
E fui fazer artesanato
De barro bom e barato
Pra mó de economizar
Eu era um broto
E também fiz muito garoto
Um mais bem feito que o outro
Eles só faltam falar
Juntei a prole e me atirei no São Francisco
Enfrentei raio, corisco
Correnteza e coisa-má
Inda arrumei com um artista em Pirapora
Mais um filho e vim-me embora
Cá no Rio vim parar
Ver Ipanema
Foi que nem beber jurema
Que cenário de cinema
Que poema à beira-mar
E não tem tira
Nem doutor, nem ziguizira
Quero ver quem é que tira
Nós aqui desse lugar
Será verdade
Que eu cheguei nessa cidade
Pra primeira autoridade
Resolver me escorraçar
Com a tralha inteira
Remontar a Mantiqueira
Até chegar na corredeira
O São Francisco me levar
Me distrair
Nos braços de um barqueiro sonso
Despencar na Paulo Afonso
No oceano me afogar
Perder os filhos
Em Fernando de Noronha
E voltar morta de vergonha
Pro sertão de Quixadá
Tem cabimento
Depois de tanto tormento
Me casar com algum sargento
E todo sonho desmanchar
Não tem carranca
Nem trator, nem alavanca
Quero ver quem é que arranca
Nós aqui desse lugar.
Imagina
(Tom Jobim/Chico Buarque/1983)
Imagina
Imagina
Hoje à noite
A gente se perder
Imagina
Imagina
Hoje à noite
A lua se apagar
Quem já viu a lua cris
Quando a lua começa a murchar
Lua cris
É preciso gritar e correr, socorrer o luar
Meu amor
Abre a porta pra noite passar
E olha o sol
Da manhã
Olha a chuva
Olha a chuva, olha o sol, olha o dia a lançar
Serpentinas
Serpentinas pelo céu
Sete fitas
Coloridas
Sete vias
Sete vidas
Avenidas
Pra qualquer lugar
Imagina
Imagina
Sabe que o menino que passar debaixo do arco-íris vira moça, vira
A menina que cruzar de volta o arco-íris
Rapidinho volta a ser rapaz
A menina que passou no arco era o
Menino que passou no arco
E vai virar menina
Imagina, imagina, imagina, imagina, imagina
Hoje à noite
A gente se perder
Imagina, imagina
Hoje à noite
A lua se apagar.
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Imagina e a próxima música, Meninos eu vi, foram compostas para o filme Para viver um grande amor, de Miguel Faria Jr., e gravadas lindamente por Djavan e Olívia Byton no lp Para Viver um Grande Amor, de 1983.
Meninos, Eu Vi
(Tom Jobim/Chico Buarque/1983)
Um grande amor
Para viver um grande amor
Eu vi o grande amor no claro olhar da minha amada, eu vi
Que todo grande amor ainda é pouco, ainda é nada, eu vi
Amores que jamais verei
Meninos, eu vivi
Vivendo a poesia de verdade
Também vi a cidade incendiada, eu tive medo
Eu vi a escuridão
Eu vi o que não quis
Amei mais do que pude, eu fiquei cego de paixão
E acho que enfim eu vi um homem ser feliz
Juro que um dia eu vi um homem ser feliz
Eu vi o grande amor escancarado em cada cara, eu vi
O amor evaporando pelos céus da Guanabara
Amores de imortal verão
Meninas, como eu vi
Vivendo a poesia de verdade
Eu vi uma cidade enfeitiçada, e tive medo
Eu vi um coração
Molhando o meu país
Amei mais do que pude, eu fiquei cego de paixão
E acho que enfim eu vi o homem ser feliz
Juro que um dia eu vi o homem ser feliz.
Mil Perdões
(Chico Buarque/1983)
Te perdôo
Por fazeres mil perguntas
Que em vidas que andam juntas
Ninguém faz
Te perdôo
Por pedires perdão
Por me amares demais
Te perdôo
Te perdôo por ligares
Pra todos os lugares
De onde eu vim
Te perdôo
Por ergueres a mão
Por bateres em mim
Te perdôo
Quando anseio pelo instante de sair
E rodar exuberante
E me perder de ti
Te perdôo
Por quereres me ver
Aprendendo a mentir (te mentir, te mentir)
Te perdôo
Por contares minhas horas
Nas minhas demoras por aí
Te perdôo
Te perdôo porque choras
Quando eu choro de rir
Te perdôo
Por te trair.
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Composta para o filme Perdoa-me por me traíres, de Braz Chediak
Vai Passar
(Francis Hime/Chico Buarque/1984)
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram
sambas imortais
Que aqui sangraram pelos
nossos pés
Que aqui sambaram
nossos ancestrais
Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar.
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Composta para o filme Perdoa-me por me traíres, de Braz Chediak
Choro Bandido
(Edu Lobo/Chico Buarque/1985)
Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim
Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim
Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons.
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Composta para a peça O corsário do rei de Augusto Boal
Ludo Real
(Vinicius Cantuária/Chico Buarque/1987)
Que nobreza você tem
Que seus lábios são reais
Que seus olhos vão além
Que uma noite faz o bem
E nunca mais
Que salta de sonho em sonho
E não quebra telha
Que passa através do amor
E não se atrapalha
Que cruza o rio
E não se molha.
Meio-dia meia-lua (Na ilha de Lia, no barco de Rosa)
(Edu Lobo/Chico Buarque/1987-1988)
Quando adormecia na ilha de Lia
Meus Deus, eu só vivia a sonhar
Que passava ao largo no barco de Rosa
E queria aquela ilha abordar
Pra dormir com Lia que via que eu ia
Sonhar dentro do barco de Rosa
Rosa que se ria e dizia nem coisa com coisa
Era uma armadilha de Lia com Rosa com Lia
Eu não podia escapar
Girava num barco num lago no centro da ilha
Num moinho do mar
Era estar com Rosa nos braços de Lia
Era Lia com balanço de Rosa
Era tão real
Era devaneio
Era meio a meio
Meio Rosa meio Lia, meio
Meio-dia mandando eu voltar com Lia
Meia-lua mandando eu partir com Rosa
Era uma partilha de Rosa com Lia com Rosa
Eu não podia esperar
Na feira do porto, meu corpo, minh'alma
Meus sonhos vinham negociar
Era poesia nos pratos de Rosa
Era prosa na balança de Lia
Era tão real
Era devaneio
Era meio a meio
Meio Lia, meio Rosa, meio
Meio-dia mandando eu voltar com Lia
Meia-lua mandando eu partir com Rosa
Na ilha de Lia, de Lia, de Lia
No barco de Rosa, de Rosa, de Rosa.
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Composta para o balé Dança da meia-lua
Todo o Sentimento
(Cristóvão Bastos/Chico Buarque/1987)
Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar
E urgentemente
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
E bota no corpo uma outra vez
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro, com certeza
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei, como encantado
Ao lado teu.
A Mais Bonita
(Chico Buarque/1989)
Não, solidão, hoje não quero me retocar
Nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas
Deixo que as águas invadam meu rosto
Gosto de me ver chorar
Finjo que estão me vendo
Eu preciso me mostrar
Bonita
Pra que os olhos do meu bem
Não olhem mais ninguém
Quando eu me revelar
Da forma mais bonita
Pra saber como levar todos
Os desejos que ele tem
Ao me ver passar
Bonita
Hoje eu arrasei
Na casa de espelhos
Espalho os meus rostos
E finjo que finjo que finjo
Que não sei.
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Composta para peça Suburbano coração, de Naum Alves de Souza
Futuros Amantes
(Chico Buarque/1993)
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você.
Piano na Mangueira
(Tom Jobim/Chico Buarque/1993)
Mangueira
Estou aqui na plataforma
Da Estação Primeira
O morro veio me chamar
De terno branco e chapéu de palha
Vou me apresentar à minha nova parceira
Já mandei subir o piano pra Mangueira
A minha música não é de levantar poeira
Mas pode entrar no barracão
Onde a cabrocha pendura a saia
No amanhecer da quarta-feira
Mangueira
Estação Primeira de Mangueira.
Injuriado
(Chico Buarque/1998)
Se eu só lhe fizesse o bem
Talvez fosse um vício a mais
Você me teria desprezo por fim
Porém não fui tão imprudente
E agora não há francamente
Motivo pra você me injuriar assim
Dinheiro não lhe emprestei
Favores nunca lhe fiz
Não alimentei o seu gênio ruim
Você nada está me devendo
Por isso, meu bem, não entendo
Porque anda agora falando de mim.
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Esta é minha pequena homenagem a um dos maiores compositores do Brasil.
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14/06/2004 18:58
Fernando Pessoa
Ontem foi aniversário do grande prosador e poeta português Fernando Antônio Nogueira de Seabra Pessoa (1888-1935). Para comemorar, eis alguns belos poemas:
Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar (10/8/1929)
Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar
Sem nada já que me atraia
Nem nada que desejar
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida
A vida é como uma sombra
Que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra
De um quarto que jaz vazio
O amor é um sono que chega
Para o pouco ser que se é
A glória concede e nega; não tem verdades a fé
Por isso na orla morena da praia calada e só
Tenho a alma feita pequena
Livre de mágoa e de dó
Sonho sem quase já ser
Perco sem nunca ter tido
E comecei a morrer muito antes de ter vivido
Dêem-me, onde aqui jazo
Só uma brisa que passe
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei
Não quero gozo nem dor
Não quero vida nem lei
Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar
Quero dormir na distância
De um ser que nunca foi seu
Tocado do ar sem fragrância
Da brisa de qualquer céu.
Aqui neste profundo apartamento (1924)
Aqui neste profundo apartamento
Em que, não por lugar, mas mente estou
No claustro de ser eu, neste momento
Em que me encontro e sinto-me o que vou
Aqui, agora, rememoro
Quanto de mim deixei de ser
E inutilmente, [...] choro
O que sou e não pude ter.
Aquilo que a gente lembra
Aquilo que a gente lembra
Sem o querer lembrar
E inerte se desmembra
Como um fumo no ar
É a música que a alma tem
É o perfume que vem
Vago, inútil, trazido
Por uma brisa de agrado
Do fundo do que é esquecido
Dos jardins do passado
Aquilo que a gente sonha
Sem saber de sonhar
Aquela boca risonha
Que nunca nos quis beijar
Aquela vaga ironia
Que uns olhos tiveram um dia
Para a nossa emoção -
Tudo isso nos dá o agrado
Flores que flores são
Nos jardins do passado
Não sei o que fiz da vida
Nem o quero saber
Se a tenho por perdida
Sei eu o que é perder?
Mas tudo é música se há
Alma onde a alma está
E há um vago, suave, sono
Um sonho morno de agrado
Quando regresso, dono
Aos jardins do passado.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor
finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente
E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm
E assim nas calhas da roda
Gira a entreter a razão
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
As coisas que errei na vida (21/8/1934)
As coisas que errei na vida
São as que acharei na morte
Porque a vida é dividida
Entre quem sou e a sorte
As coisas que a Sorte deu
Levou-as ela consigo
Mas as coisas que sou eu
Guardei-as todas comigo
E por isso os erros meus
Sendo a má sorte que tive
Terei que os buscar nos céus
Quando a morte tire os véus
À inconsciência em que estive.
Bóiam leves, desatentos (4/8/1930)
Bóiam leves, desatentos
Meus pensamentos de mágoa
Como, no sono dos ventos
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas
Bóiam como folhas mortas
À tona de águas paradas
São coisas vestindo nadas
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas
Sono de ser, sem remédio
Vestígio do que não foi
Leve.mágoa, breve tédio
Não sei se pára, se flui
Não sei se existe ou se dói.
Caminho a teu lado mudo (4/11/1928)
Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado
Perguntas, sim ou não, não sei
Tenho saudades de tudo
Até, porque está passado
Do próprio mal que passei
Sim, hoje é um dia feliz
Será, não sei, incerto
Num princípio não sei quê
Há um sentido que me diz
Que isto - o céu largo e aberto -
É só a sombra do que é
E lembro em meia-amargura
Do passado, do distante
E tudo me é solidão
Que fui nessa noite escura?
Quem sou nesta morte instante?
Não perguntes... Tudo é vão.
Contemplo o lago mudo (4/8/1930)
Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece
O lago nada me diz
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo
Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?
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07/06/2004 04:59
Eu me Transformo em Outras
Hoje eu fui ao show da Zélia Duncan no Sesc Vila Mariana, graças ao convite muito especial da minha querida amiga Mariza.
O show foi espetacular, muito bem pensado, do princípio ao fim. Direção, produção, iluminação, a decoração do palco, o belíssimo vestido que Zélia usou, tudo, tudo lindo. E os músicos? Marco Pereira no violão de 8 cordas, Hamilton de Holanda no bandolim de 10 cordas (no CD. Como o Hamilton está em Portugal, neste show tocou o ótimo Henry Lentino), Márcio Bahia na bateria e na percussão e Gabriel Grossi na gaita. D-I-V-I-N-O!
O disco foi produzido por Bia Paes Leme que, aliás, participa cantando - muito bem - em dois momentos do show. Foi gravado em janeiro deste ano no Rio de Janeiro. E a capa, que maravilha. Trata-se de Cena de Carnaval, uma litografia de Jean-Batiste Debret.
A apresentação foi extremamente emocionante, chorei muito. A Zélia canta lindamente, é comunicativa, divertida, bem-humorada, direta. O repertório é de muito bom gosto, realmente o fino da bossa. Vou transcrever aqui as letras (que tirei do sítio dela) e algumas histórias que sei de cor, porque ainda não tenho o CD, que estava esgotado. (Já tenho, ganhei da minha amiga linda Anaí Rosa).
Quando esse nego chega
(Haroldo Barbosa)
Quando esse nego chega, ai
Meu coração me dói, dói
Parece que vai, vai saltar do peito
E vai rolando pelo chão, ai, que maldição
Nego, não me pise nele não
Mas o feitiço desse nego pega, ora se pega
E quando pega dá trabalho pra limpar
Quando a paixão é surda e muda, é cega
Não sossega
Fica no corpo até morrer
Ele namora quase tudo que é mulata
Não faz mal, sou democrata
Eu nasci pra padecer.
___________________
Conheço as gravações de Aracy de Almeida, Olivia Byton.
Quem Canta seus Males Espanta
(Itamar Assumpção)
Entro em transe se canto
Desgraça vira encanto
Meu coração bate tanto
Sinto tremores no corpo
Direto e reto, suando
Gemendo, resfolegando
Eu me transformo em outras
Determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto
Sozinha no apartamento
Às vezes eu choro tanto
Já logo quando levanto
Tem dias fico com medo
Invoco tudo que é santo
E clamo em italiano ó Dio come ti amo
Eu me transmuto em outras
Determinados momentos
Cubro com as mão meu rosto
Sozinha no apartamento
Vivo voando, voando, não passo de louca mansa
Cheia de tesão por dentro
Se rola na face o pranto
Deixo que role e pronto
Meus males eu mesma espanto
Eu me transbordo em outras
Determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto
Sozinha no apartamento
É pelos palcos que vivo
Seguindo o meu destino
É tudo desde menina, é muito mais do que isso
É bem maior que aquilo, sereia eis minha sina
Eu me descubro em outras
Determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto
Sozinha no apartamento.
Nova ilusão
(Claudionor Cruz/Pedro Caetano)
É dos teus olhos a luz
Que ilumina e conduz
Minha nova ilusão
É nos teus olhos que eu vejo
O amor, o desejo do meu coração
És um poema na Terra
Uma estrela no céu, um tesouro no mar
És tanta felicidade
Que nem a metade consigo exaltar
Se um beija-flor descobrisse
A doçura e a meiguice
Que teus lábios têm
Jamais roçaria as asas brejeiras
Por entre roseiras em jardins de ninguém
Oh, dona dos sonhos
Ilusão concebida
Surpresa que a vida
Me fez das mulheres
Há em meu coração
Uma flor em botão
Que abrirá se quiseres.
________________
Bom, este clássico da música brasileira foi gravado por diversos intérpretes. Dentre eles: Teca Calazans, Elba Ramalho, Alzira Espíndola, Claudionor Cruz, Paulinho da Viola, Nelson Gonçalves, Lúcio Alves, Terezinha de Jesus, etc.
A história desta música é muito curiosa. O cantor Silvio Caldas queria um choro-canção pra incluir num show na linha do Da cor do Pecado, do Bororó, que estava fazendo o maior sucesso na época, e pediu para o Claudionor Cruz se ele e o Pedro Caetano não poderiam fazer algo no gênero. Como os dois compositores não tinham tempo mas não podiam desperdiçar a oportunidade, resolveram que Claudionor faria a música e Pedro a letra, ambos pensando no Da Cor do Pecado. Assim fizeram e, no dia seguinte, foram mostrar pro Silvio, um sem saber o que o outro tinha feito. Silvio pegou o papel e foi cantando, enquanto o Claudionor tocava. É mais ou menos assim, eu não lembro dos detalhes ;-)
Nega manhosa
(Herivelto Martins)
Levanta, levanta nega manhosa
Deixa de ser preguiçosa
Vai procurar o que fazer
Nega, deixa de fita
Prepara minha marmita
Levanta, nega, vai te virar
Deixei embaixo do rádio uma nota de cinquenta
Vai à feira, joga no bicho
Vê se te aguenta
Economiza, olha o dia de amanhã
Eu preciso do troco
Domingo tem jogo no Maracanã
Do bate-bola sou um fã.
___________________
Este animado samba é de 1957, foi gravado originalmente por Nelson Gonçalves. Conheço a gravação de Noite Ilustrada & Isaura Garcia, Pocho e Seu conjunto, Zeca Pagodinho, etc.
Li no livro Herivelto Martins: Uma Escola de Samba, de Jonas Vieira e Natalício Roberto (Ed. Ensaio, 1992) que o Herivelto compôs este samba baseado na história de um amigo dele, o Darcy, que tinha uma mulher que não queria trabalhar, só vivendo encostada nele. Herivelto pretendia terminar o samba com o amigo, mas não teve tempo, Darcy morreu antes.
A Deusa da Minha Rua
(Newton Teixeira/Jorge Faraj)
A deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua costuma se embriagar
Nos seus olhos, eu suponho
Que o sol, num dourado sonho
Vai claridade buscar
Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta é uma paisagem de festa
É uma cascata de luz
Na rua uma poça d'água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu para o chão
Tal qual o chão da minha vida
A minh'alma comovida
E o meu pobre coração
Espelho da minha mágoa
Meus olhos são poças d'água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu, ela é nobre
Não vale a pena sonhar.
___________________
Esta valsa é de 1939 e foi gravada originalmente por Silvio Caldas. Teve muitas regravações: Paulo Fortes, Roberto Silva, Carlos José, Tito Madi, Roberto Nogueira, Carlos Alberto, Cauby Peixoto, José Domingos, Waldir Silva, Trovadores Urbanos, etc.
Ficou três anos encostada, até que Newton Teixeira, perdendo a paciência, "tirou Silvio Caldas do Nice e praticamento o arrastou ao estúdio".
Janelas Abertas
(Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
Sim, eu poderia fugir, meu amor
Eu poderia partir
Sem dizer pra onde vou, nem se devo voltar
Sim, eu poderia morrer de dor
Eu poderia morrer e me serenizar
Ah, eu poderia ficar sempre assim
Como uma casa sombria, uma casa vazia
Sem luz nem calor
Mas quero as janelas abrir
Para que o sol possa vir, iluminar nosso amor.
_________________
Conheço as gravações de Elizeth Cardoso, Silvia Telles, Grupo Chovendo na Roseira, Gal Costa, Elizeth e Rafael Rabello, etc.
Doce de Coco
(Hermínio Bello de Carvalho/Jacob do Bandolim)
Venho implorar
Pra você repensar em nós dois
Não demolir o que ainda restou pra depois
Sabes que a língua do povo
É contumaz, traiçoeira
Quer incendiar desordeira atear fogo ao fogo
Tu sabes bem quantas portas tem meu coração
E dos punhais cravados pela ingratidão
Sabes também
Quanto é passageira essa desavença
Não destrates o amor
Se o problema é pedir, implorar
Vem aqui, fica aqui
Pisa aqui neste meu coração
Que é só teu, todinho teu, o escurraça
E faz dele de gato e sapato
E o inferniza e o ameaça
Pisando, ofendendo, desconsiderando
Descomposturando com todo vigor
Mas se tal não bastar
O remédio é tocar
Esse barco do jeito que está
Sem duas vezes se cogitar
Doce de coco, meu bombocado
Meu mau pedaço de fato és um esparadrapo
Que não desgrudou de mim.
____________________
Eu gosto muito deste choro com letra, apesar de não curtir o "esparadrapo" e de não aguentar mais ouvir das cantoras: "Sabes que a língua do povo é quanto mais traiçoeira..."
Conheço as gravações da Elizeth, da Alaíde Costa e da Jane Duboc, dentre outras.
Tô
(Tom Zé/Elton Medeiros)
Tô bem debaixo pra poder subir
Tô bem de cima pra poder cair
Tô dividindo pra poder sobrar
Desperdiçando pra poder faltar
Devagarinho pra poder caber
Bem de leve pra não perdoar
Tô estudando pra saber ignorar
Eu tô aqui comendo para vomitar
Eu tô te explicando pra te confundir
Tô te confundindo pra te esclarecer
Tô iluminado pra poder cegar
Tô ficando cego pra poder guiar
Suavemente pra poder rasgar
Olho fechado pra te ver melhor
Com alegria pra poder chorar
Desesperado pra ter paciência
Carinhoso pra poder ferir
Lentamente pra não atrasar
Atrás da vida pra poder morrer
Eu tô me despedindo pra poder voltar.
____________________
Curiosa esta parceria, não? Esta música é o máximo. Foi gravada por Tom Zé em 1976.
Boca de Siri
(Wilson Batista/Germano Augusto)
Eu saí de sarongue
Mas que calor, mas que calor, mas que calor
Cantei no Bonde de São Januário, Alá
Alá-la-ô, alá-la-ô
Até dancei de índio, auê, auê
Quem encontrar o meu moreno por aí
Faça-me o obséquio, boca de siri
Quase que morri de insolação
Jogaram pó de mico
Mas não fiquei jururu
Continuei me exibindo
Me desmilinguindo no passo do canguru
O trem atrasou quando eu fui pra Meriti
Faz boca de siri.
______________
Esta também é genial, divertidíssima. Foi gravada originalmente por Odette Amaral em 1941. A letra traz referência às músicas vencedoras do carnaval daquele ano, Alá lá ô, Passo do Canguru, O Bonde São Januário, A Dança dos Índios, Pó de Mico, O Trem Atrasou. Conheço a gravação da Cristina, num maravilhoso cd dedicado a Wilson Batista.
Linda Flor
(Luiz Peixoto/Marquês Porto/Henrique Vogeler/Cândido Costa)
Ai, Ioiô
Eu nasci pra sofrer
Fui oiá pra você, meus óinho fechô
E quando os óio eu abri
Quis gritar, quis fugir
Mas você
Eu não sei por que você me chamou
Ai, Ioiô
Tenha pena de mim
Meu Sinhô do Bonfim pode inté se zangar
Se ele um dia souber
Que você é que é
O Ioiô de Iaiá
Chorei toda noite
Pensei
Nos beijos de amor que eu lhe dei
Ioiô meu benzinho do meu coração
Me leva pra casa, me deixa mais não.
___________________
Considero esta música uma das mais bonitas do nosso cancioneiro. A autoria é bem complicadinha, recebeu várias letras. Fiquei com preguiça de digitar, então retirei a história daqui(aproveitem para conhecer este excelente sítio ;-)
Meu Rádio e Meu Mulato
(Herivelto Martins)
Comprei um rádio muito bom prestação
Levei-o para o morro
E instalei-o no meu próprio barracão
E toda tardinha, quando eu chego pra jantar
Logo ponho o rádio pra tocar
E a vizinhança pouco a pouco vai chegando
E vai se aglomerando o povaréu lá no portão
Mas quem eu queria não vem nunca
Por não gostar de música
E não ter coração
Acabo é perdendo a paciência
Estou cansada, cansada de esperar
Eu vou vender meu rádio a qualquer um
Por qualquer preço, só pra não me amofinar
Eu nunca vi maldade assim, tanto zombar, zombar de mim
Disse o poeta, que do amor era descrente
Quase sempre a gente gosta
De quem não gosta da gente.
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Choro gravado originalmente por Carmen Miranda. E lindamente regravado pelo meu ídalo-mor, Marcos Sacramento.
Renúcia
Ah, esta eu não vou comentar nem pôr a letra porque já fiz isso no especial foxtrote, no mês passado.
Dream a Little Dream of Me
(Gus Kahn/Wilbur Schwandt/Andres Fabian)
Stars shinning brigth above you
Night breezes seems to whisper "I love you"
Birds singing in the sycamore tree
Dream a little dream of me
Say nighty-night and kiss me
Just hold me tight and tell me you miss me
While I'm alone and blue, as can be
Dream a little dream of me
Stars fading but I linger on, dear
Still craving your kiss
I'm longing to linger till dawn, dear
Just saying this
Sweet dreams till sunbeams find you
Sweet dreams that leave all worries behind you
But in your dreams whatever they be
Dream a little dream of me.
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Amoooo esta música. Se eu fosse cantora ela faria parte do meu repertório. Foi gravada por Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, The Mamas And The Papas, etc.
Sábado em Copacabana
(Carlos Guinle/Dorival Caymmi)
Depois de trabalhar toda semana
Meu sábado não vou desperdiçar
Já fiz o meu programa pra essa noite
E já sei por onde começar
Um bom lugar pra se encontrar, Copacabana
Pra passear, à beira-mar, Copacabana
Depois um bar à meia-luz, Copacabana
Eu esperei por essa noite uma semana
Um bom jantar, depois dançar, Copacabana
Pra se amar, um só lugar, Copacabana
A noite passa tão depressa
Mas vou voltar lá pra semana
Se eu encontrar um novo amor, Copacabana.
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Outra linda, gravada por Dorival Caymmi, Danilo Caymmi, Dick Farney, Lúcio Alves, Silvia Telles, Thereza Tinoco, Wanda Sá, etc. Retirei o trecho abaixo do sítio da Zélia: http://www2.uol.com.br/zeliaduncan/
"Esta música tem história comigo. Gravei pro songbook do Dorival Caymmi feito por Chediak e minha vida começou a mudar nessa época pra melhor. Eu e Marco (Pereira) resolvemos regravá-la e fica mais uma homenagem ao queridíssimo Almir."
Eu não sou daqui
(Wilson Batista/Ataulfo Alves)
Eu não daqui
Eu sou de Niterói
Sinto muito mas não posso
Aceitar o seu amor
Na terra de Araribóia
É que eu tenho quem me quer
Passe bem, seja feliz, oi
E até quando Deus quiser
Juro, tenho compromisso
Seu moço, preste atenção
Do outro lado da Baía
Empenhei meu coração
Vou embora, até loguinho
Por favor, não leve a mal
Estou em cima da hora
A barca deu o sinal.
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Outro samba delicioso. Foi gravado por Aracy de Almeida, Cristina. Ela explicou no show quem foi Araribóia. Alguém aqui sabe? ;-)
Capitu
(Luiz Tatit)
De um lado vem você com seu jeitinho
Hábil, hábil, hábil e pronto
Me conquista com seu dom
De outro esse seu site petulante
wwwponto poderosa ponto com
É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio, e todo encanto, canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar
Na tela e no ar
Você é virtualmente amada, amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante
Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é não resistir, é capitular
Capitu, a ressaca dos mares, a sereia do sul
Captando os olhares, nosso totem tabu
A mulher em milhares, Capitu
De um lado vem você
No site o seu poder provoca o ócio, o ócio
Um passo para o vício, vício, vício
É só navegar, é só te seguir e então naufragar
Capitu, feminino com arte, a traição atraente
Um capítulo à parte, quase vírus ardente
Imperando no site, Capitu
De um lado
Um método
É só se entregar, é não resistir, é capitular
Capitu, a ressaca dos mares
A sereia do sul, captando os olhares
Nosso totem tabu a mulher em milhares, Capitu,
Feminino com arte, a traição atraente
Um capítulo à parte
Quase vírus ardente, imperando no site, Capitu.
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Achei legal a Zélia incluir músicas "recentes" no disco. Esta foi gravada por Ná Ozzetti em seu CD Estopim (Ná Records, 1999). Bom, as letras do Luiz Tatit são um caso sério. Sou fã dele no úrtimo!
Presente
(Zé Miguel Wisnik)
Eu quero simplesmente
Te dar um presente
A rosa dos tempos desabrocha, desabrocha
Desabrocha novamente
Eu quero simplesmente
A vida semente
A mente que vibra
Vibra as fibras da cidade
Que vibra novamente
Eu quero simplesmente
Você nesse instante
Amante da vida, da vida amante
E o gozo do mundo, gozo sem fundo
Gozamos durante.
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Wisnik é outro autor que gosto muito. Esta foi gravada por ele no seu último CD, Pérola aos Poucos (Trama, 2003).
O Habitat da Felicidade
(Lula Queiroga/Lucky Luciano)
Felicidade não precisa de culpa
Felicidade é o alívio da dor
Felicidade é higiene mental
Exercício da alma
Só alguém
Que na vida tanto sofreu todo tipo de dor
Sabe dar valor
Aos caprichos da felicidade
Felicidade não precisa de culpa
Felicidade é fome de amor
Felicidade é a temperatura
Da febre que eu sinto
Eu sei que amanhã pode ser tarde
Pra recuperar
O tempo que eu passo sonhando acordado
Com a felicidade.
Jura Secreta
(Sueli Costa/Abel Silva)
Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que não roubei
A jura secreta que não fiz
A briga de amor que eu não causei
Nada do que posso me alucina
Tanto quanto o que não fiz
Nada do que eu quero me suprime
Do que por não saber ainda não quis
Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega é o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que não sofri.
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Jura Secreta (gravada por Simone em 1977) não foi cantada no show, mas está no disco como faixa-bônus. Pus a letra aqui porque gosto muito dela. Zélia a gravou para a trilha da novela das 7 da Rede Globo, Da Cor do Pecado.
*
Como vocês puderam perceber, este disco merece todos os elogios do mundo.
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06/06/2004 06:24
Do Pará - sem escala -
para o Vale do Jequitinhonha...
Hoje vou falar (falar?) sobre o cantor, compositor, instrumentista, pintor e escritor Paulinho Pedra Azul. Sua pequena biografia e sua discografia estão aqui. Descobri Paulinho Pedra Azul por intermédio de uma família mineira (composta por 7 irmãos e muitos primos) que veio morar em SP na casa ao lado da minha (isso em 1985, acho). Eu e dois dos irmãos, a Hélia e o Marco Túlio Caixeta Guimarães, ficamos muito amigos e cantávamos e tocávamos violão o dia todo (nessa época eu nem sonhava em tocar pandeiro). Eles são extremamente musicais e foi com eles que comecei a exercer meus dotes de artista ;-)
Quando eles me mostraram o segundo lp do Paulinho, Uma Janela Dentro dos Meus Olhos, fiquei apaixonada. Foi amor à primeira "audição". Gamei mesmo. Vou comentar esse disco, lamentavelmente nunca lançado em CD.
Ele começa com duas canções muito bonitas, ambas de 1982:
Recado Para um Amigo Solitário
(Paulinho Pedra Azul)
Quando chegar na tua casa
E encontrar solidão
Lembre de mim que também vivo só
Quando encontrares a paz
Mande uma carta pra mim
Quero saber como fazer
Pra ser feliz tanto assim
Uma canção deve haver
Para fazer entender
Que nada tenho a dizer
Quando o jeito é viver.
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Esta música tem um belo acompanhamento de "cavacolim". O som é de bandolim mesmo.
Precisamos de Amores
(Paulinho Pedra Azul)
Veja bem
O amor é uma coisa veloz
Está fugindo do meio de nós
E habitando as estrelas
Toda luz que faz parte da vida
Tem o calor de uma amiga
E faz a gente feliz
A vida é um espaço de ternura
Não precisa de amargura
Pra nascer um grande amor
E o tempo sai correndo para o nada
De que vale esses rancores
Precisamos de amores.
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Nesta, além do sax do Roberto Sion e do violão do Paulinho, tem um lindo acompanhamento do Cézar do Acordeon.
Em seguida vem um choro cantado, delicioso:
Teu Triste Olhar
(Paulinho Pedra Azul, 1983)
Vejo em teu triste olhar
Uma estrada infinita de amor
Como uma estrela cadente
Que apaga da vida esta dor
A vida é tão cheia de amor
Quando a tua presença é fazer
Com a inocência dos olhos
Um bom coração pra viver
Um homem que traz na lembrança
O sorriso do dia numa canção
É maior que a estrela maior
Que proteje e ilumina o meu coração
Um verso, uma palavra, uma paixão
Belezas que fazem sorrir
Teus olhos são duas estrelas
Pra me refletir.
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Este choro foi dedicado ao Paulinho da Viola (e ao Seu Dijon, que não conheço). É importante citar os músicos desta gravação. O próprio Paulinho no violão, Edmilson Capelupe no 7 cordas, Toninho Carrasqueira na flauta, Tião Carvalho no pandeiro, César do Acordeon no acordeon e Roberto Sion no sax-soprano. Fala aí, o Paulinho sabia das coisas ou não?????
No Olhar de Juliana
(Paulinho Pedra Azul, 1984)
Quando olhares para o céu
E ver um disco-voador
Diga que você conhece alguém
Que anda em busca de amor
Eles nunca saberão
Que os teus olhos luarão
Minha vida será luz
Do farol de um caminhão.
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Aqui o destaque vai pros violinos do Zé Gomes...
O lado A termina com um choro chamado Pedra Azul, dele mesmo, de 1981.
Bailorena/Estrelas Mil
(Kaluca, 1983 - Paulinho P. Azul, 1981)
Era uma vez um casal de flores
Que se amavam num só coração
Era uma vez uma canção
Que só falava de amor
Hoje uma estrela do céu
Veio assentar na minha mão
Contar que eu vou também
Me iluminar...
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Aqui são duas músicas, um tema instrumental no piano (Bailorena) que emenda com Estrelas Mil. Destaque novamente para o violino de Zé Gomes.
Noite Sem Luar
(Godofredo Guedes, 1934)
Vi no horizonte azul
A tarde desmaiar
E a noite aproximar
Enchendo de tristeza a solidão do mar
Roubando a natureza
A luz crepuscular
E à sós no meu jardim cismava a divisar
Na noite sem luar
A vela que singrando
O oceano imenso
Levava para o além o meu querido bem
Foi que então veio a saudade e eu chorei
Depois com lágrimas nos olhos eu jurei
Jamais prender-me por amor
No cárcere cruel da dor.
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Trata-se de uma valsa. Godofredo Guedes é o pai do Beto Guedes. E esta música é mesmo liiiiinda. Em seguida vem a instrumental Valsa em Si, de 1984.
Um Novo Sonho
(Paulinho Pedra Azul, 1984)
Uma menina leu a minha mão
E contou que eu ia me casar
De manhã, num raro sol de luz
Madrugada afora ao luar
As pessoas iam se amar
Pra toda vida
A menina desapareceu
Como uma estrela que nadou no céu
E deixou bem junto dos meus pés
Duas rosas brancas a exalar
Um perfume que nunca senti
Bate as asas doce colibri, vem
Me ajude a esquecer quem sou
E pensar, serei feliz.
___________________
O que me chama a atenção nesta música é a interpretação do Paulinho, muito comovente.
O disco termina com Uma Janela Dentro dos meus Olhos , de 1984, instrumental com vocal da cantora Rosa Maria.
O encarte é muito legal. Tem todas as letras, todos os créditos, várias fotos dos músicos, alguns desenhinhos. O Paulinho faz dedicatória em quase todas as músicas, pra várias pessoas e alguns músicos como Wagner Tiso e Odett Ernest Dias. E o disco é dedicado a Toninho de Vicenzo e Edu da Gaita. Não citei o nome de todos os músicos que participaram do disco, só de alguns.
A capa é branca com um desenho em branco e preto muito bonito, chamado "O Cantor", do próprio Paulinho. Até o selo do disco é lindo: trata-se da foto da Igreja Matriz, de 1919, em Pedra Azul.
Eu diria que é um trabalho impecável, com gosto de seresta, completo, que mostra um produtor musical ainda inexperiente (tem no disco algumas imperfeições técnicas que só uma chata como eu perceberia) mas com muito, muito bom gosto e talento.
No meu próximo post vou comentar o primeiro lp do Paulinho. Por que comecei pelo segundo? É que os discos chegaram pra mim nessa ordem...
31/05/2004 04:59
Belém do Pará
É impressionante como a música paraense é bonita. E desconhecida! Tenho alguns discos belíssimos, que quero divulgar aqui pra quem se interessar (só vou citar os cds):
Nilson Chaves: Tudo Índio, Gaia, Melhores Momentos, Nilson Chaves e Vital Lima, Não Peguei o Ita, Dez Anos II, Amazônia Brasileira (com o grande violonista Sebastião Tapajós, também paraense).
O divino Projeto Uirapuru: tenho os volumes 1 (Wilson Fonseca), 2 (Waldemar Henrique ), 3 (Alfredo Oliveira), 4 (Verequete), 5 (Nego Nelson) e 7 (Maria Lídia).
Nego Nelson e Bob Freitas (Solos do Nosso Solo)
Salomão Habib e Coral do Ideal Jr. (Ciranda e Cantiga)
Andréa Pinheiro (Fiz da Minha Vida uma Canção)
Amazônica Jazz Band (da coleção Pará Instrumental v. 3)
Choro Paraense (da mesma coleção, v. 4, que ganhei do meu querido amigoFernando Szegeri, outro louco alucinado pelo Pará).
Almir Gabriel (Na boca do peixe)
Marco André (Amazônia Groove)
Além do CD-pirata do 4. Servfest, uma fita da cantora Lucinha Bastos e vários lps da Fafá de Belém (Estou esquecendo alguma coisa, eu sei... Ah, Jaime Ovalle também é paraense! E claro, Jane Duboc).
Nestas raridades, em especial no disco do Verequete, dá pra conhecer um pouco o carimbó, ritmo paraense muito pouco divulgado por estas bandas. Outros ritmos: Boi-bumbá, Lundum, maracatu, marujuda, siriá, etc. Todos os cds que citei são maravilhosos, mas destaco um em especial, o meu predileto: Alfredo Oliveira (médico, escritor - fez a biografia do poeta e compositor paraense Ruy Paranatinga Barata, dentre outros livros - e fértil compositor). Uma pequena biografia dele pode ser lida aqui. O CD que tenho dele é simplesmente perfeito. Tem vários cantores, como Zé Renato, Leila Pinheiro (outra paraense), Eudes Fraga (dono de uma linda voz), Fátima Guedes, Flávio Venturini, Cláudio Nucci (outro cantor que adoro), dentre outros. Diversos gêneros: samba-enredo, choro, ciranda, forró, canção, samba, etc.
Não posso deixar de citar o belíssimo presente que ganhei: uma caixinha em formato de vitrola com um CD divino chamado Mestres da Guitarrada. É demais!
Outro grande músico é o violonista e compositor Nego Nelson. Aqui dá pra ver a capa do CD que eu mais gosto dele e sua biografia.
Tenho vários amigos paraenses que são músicos, a cantora e pesquisadora Railídia, o flautista/saxofonista Iury Gedelha e o excelente percussionista Mapyo, uma fera mesmo; Sem falar no Nego Nelson, que conheci recentemente. Além de grande músico, ele é um doce de pessoa, simpatia e talento. Ele me deu dois cds na última vez que esteve aqui, há um mês: Nego Nelson - Em Cantos e Nego Nelson: Choro Nosso de Cada Dia. E com ele também conheci o percussionista Dadadá Castro, que me presenteou com seu belo Cd: Almazônica.
Não deixem de pesquisar a música paraense, riquíssima. Boa semana a todos!
25/05/2004 21:37
Caetanices
Caetano Veloso deu uma entrevista para a revista Época deste mês. É muito triste ver um ídolo de adolescência escrever tamanha cretinice:
ÉPOCA - Você acha que a música americana é melhor que a brasileira?
Caetano - É, sim. Com o jazz, Cole Porter, Irving Berlinn e Gershwin; com a soul music e o rock; a música americana tem enorme riqueza, apesar de Caymmi, Tom Jobim, Chico e Gil. E os americanos têm James Brown. A influência dele é tamanha que hoje todo o mundo no Brasil se chama Brown: Mano Brown, Charlie Brown Jr., Carlinhos Brown!
A matéria pode ser lida na íntegra aqui.
Mas deixemos as declarações bombásticas de lado.
Sempre fui apaixonada pelo Caetano (desculpa, gente, nem tudo é perfeito ;-)
Adoro vários discos. Um deles é o Uns, lançado em 1985. Tem um repertório bem desconhecido, mas também sucessos como É Hoje (Didi/Mestrinho), que ouvi exaustivamente no carnaval daquele ano:
A minha alegria atravessou o mar
E ancorou na passarela
Fez um desembarque fascinante
No maior show da Terra
Será que eu serei o dono dessa festa
Um rei
No meio de uma gente tão modesta
Eu vim descendo a serra
Cheio de euforia para desfilar
O mundo inteiro espera
Hoje é dia do riso chorar
Levei o meu samba pra mãe de santo rezar
Contra o mau olhado eu carrego meu patuá
Eu levei !
Acredito
Acredito ser o mais valente
Nessa luta do rochedo com o mar
É hoje o dia da alegria
E a tristeza nem pode pensar em chegar
(Diga espelho meu)
Diga espelho meu
Se há na avenida alguém mais feliz que eu.
______________________
Esta gravação conta com a bateria da Escola de Samba União da Ilha, sob direção de harmonia de Marçal e - tchan tchan tchan tchan: Dino 7 Cordas, Neco no cavaco e Jorginho no pandeiro, dentre outros.
Eclipse Oculto e Você É Linda, ambas de Caetano, também fizeram muito sucesso:
Nosso amor não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto fomos quase nada
Tipo de amor que não pode dar certo
Na luz da manhã
E desperdiçamos os blues do Djavan
Demasiadas palavras, fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia
Como se o coração tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida
Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo de querer conquistar
Uma coisa qualquer em você
O que será?
Como nunca se mostra
O outro lado da lua
Eu desejo viajar pro outro lado da sua
Meu coração, galinha de leão
Não quer mais amarrar frustração
Ó eclipse oculto na luz do verão
Mas bem que nós fomos muito felizes
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas até irmos pro estúdio
Mas na hora da cama nada pintou direito
É minha cara falar
Não sou proveito, sou pura fama
Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos
Aonde é que iam dar
E aquele projeto ainda estará no ar?
Não quero que você
Fique fera comigo
Quero ser seu amor
Quero ser seu amigo
Quero que tudo saia
Como o som de Tim Maia
Sem grilos de mim
Sem desespero, sem tédio, sem fim.
Você é Linda
Fonte de mel
Nuns olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa e não olha pra trás
Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer e diz
Você é linda
Mais que demais
Vocé é linda, sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é forte
Dentes e músculos, peitos e lábios
Você é forte
Letras e músicas
Todas as músicas que ainda hei de ouvir
No Abaeté
Areias e estrelas não são mais belas
Do que você
Mulher das estrelas
Mina de estrelas
Diga o que você quer
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer e diz
Você é linda
Mais que demais
Vocé é linda, sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Gosto de ver
Você no seu ritmo
Dona do Carnaval
Gosto de ter
Sentir seu estilo
Ir no seu íntimo
Nunca me faça mal.
___________
Mas eu era apaixonada mesmo pelas desconhecidas. Como esta, título do lp:
Uns
(Caetano Veloso)
Uns vão
Uns tão
Uns são
Uns dão
Uns não
Uns hão de
Uns pés
Uns mãos
Uns cabeça
Uns só coração
Uns amam
Uns andam
Uns avançam
Uns também
Uns cem
Uns sem
Uns vêm
Uns têm
Uns nada têm
Uns mal, uns bem
Uns nada além
Nunca estão todos
Uns bichos
Uns deuses
Uns azuis
Uns quase iguais
Uns menos
Uns mais
Uns médios
Uns por demais
Uns masculinos
Uns femininos
Uns assim
Uns meus
Uns teus
Uns ateus
Uns filhos de Deus
Uns dizem fim
Uns dizem sim
E não há outros.
Peter Gast
(Caetano Veloso)
Sou um homem comum
Qualquer um
Enganando entre a dor
E o prazer
Hei de viver e morrer
Como um homem comum
Mas o meu coração de poeta
Projeta-me em tal solidão
Que às vezes assisto
A guerras e festas imensas
Sei voar e tenho as fibras tensas
E sou um
Ninguém é comum
E eu sou ninguém
No meio de tanta gente
De repente vem
Mesmo eu no meu automóvel
No trânsito vem
O profundo silêncio
Da música límpida de Peter Gast
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Peter Gast
O hóspede do profeta sem morada
O menino bonito Peter Gast
Rosa do crepúsculo de Veneza
Mesmo aqui no samba-canção
Do meu rock'n'roll
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Sou um homem comum.
A Outra Banda da Terra
(Caetano Veloso)
Amar
Dar tudo
Não ter medo
Tocar
Cantar
No mundo
Pôr o dedo
No lá
Lugar
Ligar gente
Lançar sentido
Onda branda da guerra
Beira do ar
Serra, vale, mar
Nossa banda da terra é outra
E não erra quem anda
Nessa terra da banda
Face oculta, azul do araçá
Falar verdade
Ter vontade
Topar
Entrar
Na vida
Com a música
Obá
Olá
Brasil
Mas quem pariu
Tal gente!
Cantuária e Holanda
Maputo, Rio
Luanda, lua
Nossa banda da terra é outra
Canadá, Jamaicuba
Muitas gatas na tuba
Dos rapazes da banda cá
Gozar
A lida
Indefinidamente
Amar.
Salva-vida
(Caetano Veloso)
Místico pôr-do-sol no mar da Bahia
E eu já não tenho medo de me afogar
Conheço um moço lindo que é salva-vida
Vida
Um da turma legal do Salva-mar
Que é fera
Na doçura, na força e na graça
Ai, ai
Quem dera
Que eu também pertencera a essa raça
Salva-vida
Onda nova
Nova vida
Vem do novo mar
Sólido simples vindo ele vem bem Jorge
Límpido movimento me faz pensar
Que profissão bonita pra um homem jovem
Jovem
Amar de mesmo a gente água e areia
No dia da rainha das águas
Do presente
Ai, ai
Luzia a firmeza dourada
Dessa gente
Salva-vida
Onda nova
Nova vida
Vem do novo mar.
____________________
Nossa, eu cantava esta música dia e noite. A Bethânia participa desta gravação. Outra que tocava incessantemente na minha vitrola:
Quero ir a Cuba
(Caetano Veloso)
Mamãe eu quero ir a Cuba
Quero ver a vida lá
La sueño una perla encendida
Sobre la mar
Mamãe eu quero amar a Ilha de Xangô e Yemanjá
Yorubá igual a Bahia
Desde Célia Cruz
Cuando yo era un niño de Jesus
E a revolução
Que também tocou meu coração
Cuba seja aqui
Essa ouvi dos lábios de Peti
Desde o cha-cha-cha
Mamãe eu quero ir a Cuba
E quero voltar.
______________________
Caetano declama o poema COPLA CUBANA, de Federico García Lorca (1898-1936), no meio desta música:
¡Lloran sobre el Mar de Cuba
enormes flores bermejas
sobre la isla perdida
el aire amarillo tiembla!
______________________
Mas se eu tivesse que escolher uma deste disco, apesar de adorar
É Hoje, eu escolheria esta daqui, que nem do Caetano é:
Bobagens, Meu Filho, Bobagens
(Marina Lima e Antônio Cícero)
Senti no seu olhar tanto prazer
Posso esperar tudo com você
E olha que te vi de passagem
Mas pensei: forte broto na cidade
Só sei que estava pronto pra te encontrar
Passei do ponto de querer voltar
Desta bárbara viagem
Bateu paixão radical sem margem
Então vem, sorri
Porque nós dois estamos só de passagem
Pelas cidades deste mundo
Então vem, vem e me ama
Por uns momentos profundos
E o resto bobagens, meu filho, bobagens.
__________________
A Marina toca violão nesta gravação e o arranjo é dela. Mas não adianta só ler a letra. Tem que ouvir a música. A-D-O-R-O!
Ficam faltando duas pra fechar o lp. A curtinha Musical e Coisa Mais Linda:
Musical
(Péricles Cavalcanti)
Tudo é um
Tudo é mil
Tudo acaba e nada tem fim
Tudo bem
Tudo mal
Tudo azul, nada é assim
Tudo discorda
Em harmonia universal
Tudo é assim musical
E no centro de tudo
Eu e você.
Coisa Mais Linda
(Carlos Lyra e Vinícius de Moraes)
Coisa mais bonita é você assim
Justinho você
Eu juro, eu não sei por que você
Você é mais bonita que a flor
Quem dera a primavera da flor
Tivesse todo esse aroma de beleza que é o amor
Perfumando a natureza numa forma de mulher
Por que tão linda assim
Não existe a flor
Nem mesmo a cor não existe
E o amor, nem mesmo o amor existe.
______________________________________________________________________
25/05/2004 08:17
Refém da Solidão
(Baden Powell e Paulo César Pinheiro)
Quem da solidão fez seu bem
Vai terminar seu refém
E a vida pára também
Não vai nem vem
Vira uma certa paz
Que não faz nem desfaz
Tornando as coisas banais
E o ser humano incapaz de prosseguir
Sem ter pra onde ir
Infelizmente eu nada fiz
Não fui feliz nem infeliz
Eu fui somente um aprendiz
Daquilo que eu não quis
Aprendiz de morrer
Mas pra aprender a morrer
Foi necessário viver
E eu vivi
Mas nunca descobri
Se essa vida existe
Ou se essa gente é que insiste
Em dizer que é triste ou que é feliz
Vendo a vida passar
E essa vida é uma atriz
Que corta o bem na raiz
E faz do mal cicatriz
Vai ver até que essa vida é morte
E a morte é
A vida que se quer.
______________________________
Este samba foi gravado por Yvette, Maria Odette, Maria Cecília Moura Leme, Márcia, Elizeth Cardoso e Rafael Rabello, Elizeth Cardoso, Eduardo Gudin e Paulo Cesar Pinheiro, dentre outros.
Coisas do Mundo, Minha Nega
(Paulinho da Viola)
Hoje eu vim, minha nega
Como venho quando posso
Na boca as mesmas palavras
No peito o mesmo remorso
Nas mãos a mesma viola
Onde gravei o teu nome
Nas mãos a mesma viola
Onde gravei o teu nome
Venho do samba há tempo, nega
Vim parando por aí
Primeiro achei Zé Fuleiro
Que me falou de doença
Que a sorte nunca lhe chega
Está sem amor e sem dinheiro
Perguntou se eu não dispunha de algum
Que pudesse dar
Puxei então da viola, cantei um samba pra ele
Foi um samba sincopado
Que zombou do seu azar
Hoje eu vim, minha nega
Andar contigo no espaço
Tentar fazer em seus braços
Um samba puro de amor
Sem melodia ou palavra pra não perder o valor
Sem melodia ou palavra pra não perder o valor
Depois encontrei seu Bento, nega
Que bebeu a noite inteira
Estirou-se na calçada
Sem ter vontade qualquer
Esqueceu do compromisso
Que assumiu com a mulher
Não chegar de madrugada
E não beber mais cachaça
Ela fez até promessa, pagou e se arrependeu
Cantei um samba pra ele
Que sorriu e adormeceu
Hoje eu vim, minha nega
Querendo aquele sorriso
Que tu entregas pro céu
Quando te aperto em meus braços
Guarda bem minha viola
Meu amor e meu cansaço
Guarda bem minha viola
Meu amor e meu cansaço
Por fim eu achei um corpo, nega
Iluminado ao redor
Disseram que foi bobagem
Um queria ser melhor
Não foi amor nem dinheiro
A causa da discussão
Foi apenas um pandeiro
Que depois ficou no chão
Não tirei minha viola, parei
Olhei e vim-me embora
Ninguém compreenderia
Um samba naquela hora
Hoje eu vim, minha nega
Sem saber nada da vida
Querendo aprender contigo a forma de se viver
As coisas estão no mundo
Só que eu preciso aprender
As coisas estão no mundo
Só que eu preciso aprender.
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Já deste samba, que foi defendido na I Bienal do Samba da Record, só conheço as gravações do Paulinho e da Nara Leão.
Atendendo a milhares e milhares de um pedido (do nosso leitor Sima) foi que resolvi transcrever a letra destes dois clássicos que eu adoro, naturalmente. E que já cantei muito nas minhas noites de Bom Motivo.
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20/05/2004 04:51
O Vestido
Este é o nome do novo filme de Paulo Thiago. Trata-se de uma adaptação do romance de mesmo nome de Carlos Herculano Lopes que, por sua vez, baseou-se no belo poema de Carlos Drummond de Andrade, que vai abaixo:
Caso do Vestido
(Carlos Drummond de Andrade)
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio. Disfarcemos.
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,
última peça de luxo
que guardei como lembrança
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.
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Texto extraído do livro "Nova Reunião - 19 Livros de Poesia", José Olympio Editora - 1985, pág. 157.
Gostei do filme, mas tenho algumas reclamações. Dentre elas, o que me incomodou muito foram os erros de português contidos no filme. Neste endereço é possível ler uma crítica interessante.
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18/05/2004 18:22
Eu sou apaixonada por música brasileira, como todos sabem. Mas se tem um gênero importado que me atrai demais da conta é o foxtrote.
Aqui no Brasil este gênero surgiu ainda nos anos vinte, e se difundiu através do cinema. Nas décadas de 30 e 40 vários compositores brasileiros se dedicaram ao gênero, criando pérolas como as que vou transcrever abaixo.
A gravadora Revivendo dedicou dois cds ao gênero (n. 41 e n. 85).
Renúncia
(Roberto Martins e Mário Rossi)
Hoje não existe nada mais entre nós
Somos duas almas que se devem separar
O meu coração vive chorando e minha voz
Já sofremos tanto
Que é melhor renunciar
A minha renúncia
Enche-me a alma e o coração de tédio
A tua renúncia
Dá-me um desgosto que não tem remédio
Amar é viver
É um doce prazer embriagador e vulgar
Difícil no amor é saber renunciar
É saber renunciar.
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Gravado originalmente por Nelson Gonçalves e Luis Americano (com seu conjunto), em 1942.
Mulher
(Custódio Mesquita e Sadi Cabral)
Não sei
Que intensa magia
Teu corpo irradia
Que me deixa louco assim, mulher
Não sei
Teus olhos castanhos
Profundos, estranhos
Que mistérios ocultarão, mulher
Não sei dizer
Mulher
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
E a teus pés eu fico a implorar
O teu amor tem um gosto amargo
Eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor
Por teu amor, mulher.
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Gravado originalmente por Silvio Caldas (com orquestra) em 1940.
Naná
(Custódio Mesquita/Jardel e Geysa Bôscoli)
Naná
És sonho que se fez mulher
És dia em pleno amanhecer
Naná, Naná
Igual a ti no mundo outra não há
Vem aos meus braços
Vem, vem cá
Nasceste para mim, Naná
Tens da lua a própria luz no olhar
Quem te vê deseja logo te beijar
Naná, primavera, sonho e flor
Nosso amor, deslumbramento
Cheio de esplendor
Teu, querida,
Serei por toda a vida.
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Gravada originalmente por Orlando Silva e orquestra em 1940. Este fox fez parte da opereta Gandaia, que tinha libreto de Geysa Bôscoli (teatrólogo de revistas, escritor, compositor, advogado e empresário) e músicas de Custódio Mesquita. Geysa era sobrinho de Chiquinha Gonzaga e foi considerado um dos melhores produtores do teatro musicado brasileiro.
Olhos Negros
(Custódio Mesquita e Ary Monteiro)
Olhos negros
Lindos olhos
São como escolhos
Na tormenta de um coração
Olhos negros, perdição
Faróis traiçoeiros
Fizeram prisioneiros
Meus olhos cheios de paixão
Olhos negros
Tão tristes como o teu olhar
Só existe as noites tristes sem luar
Olhos negros
Que de paixão me fazem morrer
E mesmo assim são toda a razão
Do meu viver.
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Gravado originalmente por Nelson Gonçalves em 1943. Vale observar que Ary Monteiro, segundo Bruno Ferreira Gomes em seu livro Custódio Mesquita – Prazer em Conhecê-lo, era banqueiro de corrida de cavalos e entrou no meio de compositores para justificar perante as autoridades policiais que tinha outra fonte de renda que não a contravenção. Ainda no mesmo livro consta a informação de que Jorge Faraj negociou duas letras com Ary Monteiro, sendo uma delas Olhos Negros.
Céu cor-de-rosa (Indian Summer)
(Victor Herbert e Al Dublin, com versão de Haroldo Barbosa)
Ontem, na tarde formosa
Num céu cor-de-rosa
Longe, longe
Divagando e pensando em ti fiquei
Tuas juras de amor eu recordei
Melancolicamente, lembrei o passado
Procurei-te ao meu lado
Triste sonho
Como um sol no poente morreu
Assim minha alma escureceu
Na solidão
Noite, noite em meu coração
Ontem, revendo as lembranças do passado
Eu quis procurar-te ao meu lado
Quis, sonho em vão
Teu calor eu não senti
Como o sol no poente ficou
Assim o amor já se acabou
Desilusão
Noite, noite em meu coração.
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A versão brasileira foi gravada originalmente por Francisco Alves & As Três Marias, acompanhados pela Orquestra Odeon sob a batuta do maestro Lírio Panicalli.
Composta em 1919, esta música originalmente fez parte do filme The Great Victor Herbert (Sonho Maravilhoso), de 1939.
Ai de Mim (All of Me)
(Simons/Marks, com versão de Neuza de Souza)
Ai de mim,
Querida, ai de mim
Não sei viver
Tão solitário assim
É tão cruel
Viver sozinho
Vem me ofertar
O teu carinho
Meu coração
Já não quer mais pulsar
Ingratidão já quase o fez parar
Sem teu amor
A vida é ruim
Querida, tem dó de mim.
Dos meus braços tu não sairás
(Roberto Roberti)
Meu amor
Pensa bem no que tu vais fazer
Um amor sincero igual ao meu
Hoje não se encontra mais
Meu amor
Tu não podes me abandonar
Eu que fiz teu coração feliz
Eu que te dei o que ninguém te soube dar
Meu amor
Se tu julgas que serás feliz
Me deixando aqui sozinha assim
Eu te deixo partir
Não, não, não, não, amor
Dos meus braços tu não sairás
Se tentares me abandonar
Nem sei de que serei capaz.
Dá-me tuas mãos
(Roberto Martins e Mário Lago)
Por que tanta pressa de chegar ao fim
Por que terminar o nosso amor assim
Se eu não revelei
Tudo que sonhei
E nem tu disseste tudo para mim
Dá-me tuas mãos, por favor
Põe os teus olhos nos meus
E eles dirão quanta dor
Vai me causar este adeus
Ficou tão triste o luar
Vendo acabar o nosso amor
Tudo te manda ficar
Dá-me tuas mãos, por favor.
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Estes são meus foxes prediletos. Infelizmente não estou com tempo pra pesquisar datas e outras gravações. Quem gostar do assunto pode comprar (já vi a preço de banana) um CD do Sidney Magal (é, é isto mesmo...) chamado Sidney Magal & Big Band (Globo/Polydor), que é belíssimo. Além dos dois já citados da Revivendo. É isso daí.
Nada Além
(Custódio Mesquita e Mário Lago)
Nada além
Nada além de uma ilusão
Chega bem
E é demais para o meu coração
Acreditando em tudo que o amor
Mentindo sempre diz
Eu vou vivendo assim feliz
Na ilusão de ser feliz
Se o amor
Só nos causa sofrimento e dor
É melhor
Bem melhor a ilusão do amor
Eu não quero e não peço
Para o meu coração
Nada além de uma linda ilusão.
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Gravado originalmente por Orlando Silva (e Orquestra Victor Brasileira) em 1938.
Você Só... Mente
(Noel Rosa e Hélio Rosa)
Não espero mais você, pois você não aparece
Creio que você se esquece das promessas que me faz
E depois vem dar desculpas, inocentes e banais
É porque você bem sabe
Que em você desculpo
Muita coisa mais
O que sei somente
É que você é um ente
Que mente inconscientemente
Mas finalmente
Não sei por quê
Eu gosto imensamente
De você
E invariavelmente, sem ter o menor motivo
Em um tom de voz altivo
Você quando fala mente
Mesmo involuntariamente, faço cara de contente
Pois sua maior mentira
É dizer à gente que você não mente.
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Gravado originalmente por Aurora Miranda e Francisco Alves (com Orquestra Odeon) em 1933. Na obra de Noel aparecem apenas dois foxes, este e o que vou transcrever agora, que eu amo e que não tem nada a ver com as letras românticas da época:
Julieta
(Noel Rosa e Eratósthenes Frazão)
Julieta
Não és mais um anjo de bondade
Como outrora sonhava
O teu Romeu
Julieta
Tens a volúpia da infidelidade
E quem te paga as dívidas sou eu
Julieta
Tu não ouves meu grito de esperança
Que afinal de tão fraco não alcança
As alturas do teu arranha-céu
Tu decretaste a morte aos madrigais
E constróis um castelo de ideais
No formato elegante de um chapéu
Julieta
Nem falar em Romeu
Tu hoje queres
Borboleta sem asas, tu preferes
Que te façam carícias de papel
Nos teus anseios loucos, delirantes
Em lugar de canções queres brilhantes
Em lugar de Romeu, um coronel.
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Gravado originalmente por Castro Barbosa e orquestra em 1931.
Loura ou Morena
(Vinícius de Moraes e Haroldo Tapajós)
Se por acaso o amor me agarrar
Quero uma loira pra namorar
Corpo bem feito, magro e perfeito
E o azul do céu no olhar
Quero também que saiba dançar
Que seja clara como o luar
Se isso se der
Posso dizer que amo uma mulher
Mas se uma loura eu não encontrar
Uma morena é o tom
Uma pequena, linda morena
Meu Deus, que bom
Uma morena era o ideal
Mas a loirinha não era mau
Cabelo louro vale um tesouro
É um tipo fenomenal
Cabelos negros têm seu lugar
Pele morena convida a amar
Que vou fazer?
Ah, eu não sei como é que vai ser...
Olho as mulheres, que desespero
Que desespero de amor
É a loirinha, é a moreninha
Meu Deus, que horror!
Se da morena vou me lembrar
Logo na loura fico a pensar
Louras, morenas
Eu quero apenas a todas glorificar
Sou bem constante no amor leal
Louras, morenas, sois o ideal
Haja o que houver
Eu amo em todas somente a mulher.
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Gravado pelos irmãos Paulo e Haroldo Tapajós (com Orquestra Columbia) em 1932.
Não troquemos de mal
(Jorge Faraj e H. Brito – que é o compositor Rubens Leal Brito)
Não devemos ocultar
Nosso grande amor chegou ao fim
Nada sou agora ao teu olhar
Nada agora és para mim
Mas não pode o nosso amor
Terminar de um modo tão banal
Terminemos, sim, mas por favor
Não troquemos de mal
Não sei bem se voltarás
Se voltarei não sei também
Nosso amor é bem capaz de nos fazer
Trocar de bem
Meu amor
Mas não pode o nosso amor
Terminar de um modo tão banal
Terminemos sim mas, por favor
Não troquemos de mal.
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Gravado originalmente por Newton Teixeira com Conjunto de Benedito Lacerda em 1943.
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17/05/2004 21:28
As Três Lágrimas
Ary Barroso, 1939
Eu chorei
Pela primeira vez na minha vida
Quando minha vida começou
Éramos então duas crianças
Cheias de vida e de esperanças
Lembro-me bem do teu olhar espantado
Quando te roubei um beijo bem roubado
E uma lágrima dos olhos me rolou
Eu chorei
Pela segunda vez na minha vida
Quando minha vida desmoronou
Tínhamos então mais vinte anos
Mágoas, saudades, desenganos
Lembro-me bem do teu olhar esquisito
Quando te olhei surpreso e muito aflito
E uma lágrima dos olhos te rolou
Eu chorei
Pela terceira vez na minha vida
Quando minha vida se acabou
Vinha pela rua amargurado
Quando ouvi bem o teu chamado
Lembro-me só que já fugira a meiguice
E o teu lindo olhar agora era velhice
E uma lágrima dos olhos nos rolou.
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Esta música vai pro meu amigo Filipe, com quem vou criar um novo blog, o Guaraná com Formicida ;-)))))))
Conheço as seguintes gravações: Trio Surdina, Silvio Caldas, Roberto Silva, Roberto Paiva, Orquestra Tabajara de Severino Araújo, Ney Matogrosso, Maysa, Marisa, Jair Rodrigues, Isaurinha Garcia, Elizeth Cardoso, Claudia Moreno, Carlos José, etc.
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17/05/2004 20:59
Cansei de esperar
D. Yvone Lara/Délcio Carvalho
Quando cansei de esperar você
Vi minha estrela maior renascer
Vi minha vida mais colorida
Cheia de encanto e de mais prazer
Vi quando o mar se abriu
Deixando passar todo meu sentimento
Até na chuva e no vento vi a luz da poesia
Minha alegria voltou
Brilhando no alvorecer
Quando deixei de amar
E esperar por você.
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Este samba é lindíssimo. Está aqui a pedido de minha amiga Mariana.
14/05/2004 02:07
Ninguém me Ama
Fernando Lobo e Antônio Maria
Ninguém me ama, ninguém me quer,
Ninguém me chama de meu amor.
A vida passa, e eu sem ninguém,
E quem me abraça não me quer bem.
Vim pela noite tão longa
De fracasso em fracasso
E hoje descrente de tudo me resta o cansaço,
Cansaço da vida, cansaço de mim,
Velhice chegando e eu chegando ao fim.
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Esta vai pro meu querido amigo Filipe, que sugeriu que eu peça patrocínio do C.V.V. ;-)
14/05/2004 01:47
O amor e a rosa
Antonio Maria/Pernambuco
Guarde a rosa
Que eu te dei
Esquece os males
Que eu te fiz
A rosa vale mais
Que a tua dor
Se tudo passou
Se o amor acabou
A rosa deve ficar
Num canto qualquer
Do teu coração
O amor reviverá.
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Sou louca por esta música. Ela acabou de ser regravada pelo grupo carioca Sururu na Roda. Também conheço as seguintes gravações: Britinho, Juca Mestre e seus Brasileiros, Lúcio Alves, Marisa Gata Mansa, Maysa, Miltinho.
10/05/2004 20:55
Mordaça
Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro
Tudo que mais nos uniu, separou
Tudo que tudo exigiu renegou
Da mesma forma que quis recusou
O que torna essa luta impossível e passiva
O mesmo alento que nos conduziu debandou
Tudo que tudo assumiu desandou
Tudo que se construiu desabou
O que faz invencível a ação negativa
É provável que o tempo faça a ilusão recuar
Pois tudo é instável e irregular
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar
Mas só se a vida fluir sem se opor
Mas só se o tempo seguir sem se impor
Mas só se for seja lá como for
O importante é que a nossa emoção sobreviva
E a felicidade amordace essa dor secular
Pois tudo no fundo é tão singular
É resistir ao inexorável
O coração fica insuperável
E pode em vida imortalizar
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar.
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10/05/2004 20:16
Toninho Horta, que já foi considerado um dos 10 melhores guitarristas do mundo, também tem umas músicas bem bonitas, que curti muito na minha adolescência. Algumas delas:
Beijo Partido
(Toninho Horta)
Sabe, eu não faço fé nessa minha loucura
E digo
Eu não gosto de quem me arruína em pedaços
E Deus é quem sabe de ti
E eu não mereço um beijo partido
Hoje não passa de um dia perdido no tempo
E fico longe de tudo o que sei
Não se fala mais nisso
Eu sei, eu serei pra você
O que não me importa saber
Hoje não passo de um vaso quebrado no peito
E grito olha o beijo partido
Onde estará a rainha
Que a lucidez escondeu, escondeu...
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Música linda, já foi gravada por Emílio Santiago, Leo Peracchi, Milton Nascimento, Nana Caymmi, Pery Ribeiro, Rildo Hora, Tamba Trio, Wilson Miranda, Joyce, etc.
Manuel, o Audaz
(Toninho Horta e Fernando Brant)
Se eu já nem sei o meu nome
Se eu já nem sei parar
Viajar é mais, eu vejo mais
A rua, luz, estrada, pó
O Jeep amarelou
Manoel o Audaz, Manuel o Audaz, Manuel o Audaz
Vamos lá, viajar
E no ar livre, corpo livre
Aprender ou mais tentar
Manoel, o Audaz
Iremos tentar
Vamos aprender
Vamos lá...
Diana
(Toninho Horta e Fernando Brant)
Velha amiga eu volto à nossa casa
Já não te encontro alegre, quase humana
Corpo pintado de branco e marrom
E uma tristeza no olhar
Como se conhecesse dor milenar
Já não te encontro à espera ao pé da porta
Correndo viva e bela ou descansando
Tanto vazio por todo lugar
Tanto silêncio sinto ao chegar
Ao nosso território de brincar
Almoço aos domingos, a velha farra
Todos vão inventando novos segredos
Fica a ausência branca e marrom
E uma tristeza milenar
Mas os meninos voltaram a brincar
Como se ainda sentissem o teu olhar
Diana, Diana, Diana, Dianá, Dianá
Diana, Diana, Diana, Dianá, Diá, Dianá, Dianá
Diana, Diana, Diana, Dianá, Dianá
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Grande sucesso do Boca Livre, conheço também a gravação de Olívia Hime. Dizem que Diana era o nome de uma cadela da família.
Durango Kid
(Toninho Horta e Fernando Brant)
Propriamente eu sou Durango Kid
Eu vim trazer, eu vim mostrar
Novo jornal, novo sorriso
Novo jornal, novo sorriso
Propriamente dizer o som exato
Pois hoje eu sou o que eu fui
Não desmenti o meu passado
Esse jornal é o meu revólver
Esse jornal é o meu sorriso
Esse jornal é o meu sorriso.
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Conheci esta música com o Milton Nascimento, está no disco Milton , de 1970.
A biografia de Toninho Horta pode ser encontrada aqui.
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10/05/2004 17:23
Nana Caymmi dois - A missão
Continuo ouvindo Nana... comprei dois discos dela que são belíssimos, "E a gente nem deu nome" (Emi-Odeon, 1981) e "Chora Brasileira" (Emi, 1985). Já conhecia várias músicas, que não ouvia há séculos, não consigo trocar de disco:
Nenhuma lágrima
(Sueli Costa)
Nem uma lágrima
Nem uma lástima
Só este chorinho meio antigo
Pra dizer que eu não chorei de amor
Nem uma lágrima
Quem me olha e não me vê
Aprendi, amor, vou repetir
Enquanto eu fizer canção
E tocar violão
E atravessar a dor
Com os olhos na poesia
E os passos no meu dia
Mas amor, não choro, não
Nem mais uma lágrima de amor.
* Estou em dúvida: eu ouço 'só este chorinho MEU antigo', mas achei esta letra com 'MEIO antigo'... alguém sabe tirar minha dúvida?
Outra que amo, cantei muito na minha vida, não ouvia há pelo menos dez anos:
Bons Amigos
(Toninho Horta/Ronaldo Bastos)
Diz que vai sumir
Finge não me ouvir
Briga por brigar
O amor passou
O melhor passou
Fala por falar
Diz que vai morrer
Louca pra me ver chorar
Faz que se enganou
Perto de me perdoar
Mas se o tempo muda ela se faz mulher
Vem a saudade do que a gente é
Vem a vontade de estar junto e ser
O caso mais antigo
Mais que bons amigos somos
Muito mais que bons amigos.
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Último Desejo
(Noel Rosa)
Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão
Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero o seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar
Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação
E às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim.
Tenho que admitir que não aguento mais ouvir esta música, já enjoei. Claro que ela é lindíssima, mas sabe como é viver na noite, tem aquelas músicas que vc não aguenta mais, de tanto que são tocadas. Mas esta gravação da Nana é pra chorar mesmo. Ela é acompanhada apenas por Hélio Delmiro (violão) e Rafael Rabello (violão de 7 cordas).
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06/05/2004 15:20
Vou postar agora Cristo nasceu na Bahia, maxixe de Sebastião Cirino e Duque (1926) gravado na Casa Edison por Arthur Castro. Fez parte da revista Tudo preto, representada pela Companhia Negra de Revistas, no teatro Rialto:
Dizem que Cristo
Nasceu em Belém
A história se enganou
Cristo nasceu na Bahia, meu bem
E o baiano criou
Na Bahia tem vatapá
Na Bahia tem caruru
Moqueca e arroz-de-auçá
Manga, laranja e caju
Cristo nasceu na Bahia, meu bem
Isto sempre hei de crer
Bahia é terra santa, também
Baiano santo há de ser.
Neste link é possível ler a biografia de Sebastião Cirino: http://www.geocities.com/locbelvedere/Biografia/BiografiaSebastiaoCirino.htm
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06/05/2004 06:11
Voltei
Olá, amigos. Desculpem a demora, mas minha vida está uma verdadeira loucura. Fiquei uns doze dias sem computador, depois fui pra Curitiba (com o grupo Choro Rasgado: eu, o Zé Barbeiro 7 Cordas, o Alessandro Penezzi - violão e o Rodrigo Y Castro na flauta) participar do Festival de Choro promovido pelo Clube de Choro de lá, defendendo um lindo choro do Zé, Baba de Calango: pegamos o 2. lugar, foi um arraso. Aliás, foi uma viagem deliciosa, Curitiba é uma cidade extremamente agradável - apesar do frio. Ficamos na casa de uma amiga muito querida, grande artista plástica, Iara Teixeira, co-autora de um livro lindíssimo chamado História da Música Popular Brasileira para Crianças. Muito obrigada, Iara.
De volta à rotina, aquela correria: show com Rômulo Fróes, vcs conhecem? É um compositor novo, considerado da geração "Indie samba". Na mesma semana show com a Família Nogueira: Gisa, Didu e Diogo Nogueira, respectivamente irmã, sobrinho e filho de João Nogueira. Um luxo!!! O filho do João é simplemente maravilhoso. Cheio de suingue, tem a voz do pai. Muito emocionante. Nesta sexta vamos tocar com o Moacyr Luz.
16/04/2004 13:46
Chegou o Dia
(Geraldo Pereira/Elpídio Viana)
Tenho dito que vou-me embora
Mas quando você chora
Eu não posso resistir
Ai, valei-me Nossa Senhora
Maldita hora em que eu lhe conheci
Quero que Deus me dê um castigo
Se eu falar mais consigo
Se eu botar meus pés de novo aqui
Por que é que choras
Se você gosta de mim não parece
Por que é que choras
Se você me adora pra que me aborrece
Há muito tempo
Que eu vivo nessa agonia
Dizendo que vou-me embora
E hoje chegou o dia!
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Samba de 1945 gravado originalmente na Continental por Déo, com acompanhamento do Regional de Benedito Lacerda. Outra gravação - linda - é de uma cantora que eu amo, mas que poucos conhecem: Amélia Rabello (sim, é irmã do Rafael e da Luciana).
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15/04/2004 14:23
Atendendo a milhares e milhares de um pedido (da Anabel), aqui vai a letra de um samba presente no belíssimo disco Samba da Cidade, do Moacyr Luz (Lua Discos):
Cabô, Meu Pai
(Moacyr Luz, Luiz Carlos da Vila e Aldir Blanc)
O pai me disse que a tradição é lanterna
Vem do ancestral, é moderna
Bem mais que o modernoso
E aí é o meu coração que governa
Na treva é a luz mais eterna
O todo mais poderoso.
Também me disse
Com aquele jeito orgulhoso,
Que o samba é mais que formoso
Que ninguém lhe passa a perna
É a marola que vira o mar furioso
Netuno misterioso
O tesouro da caverna
A jura é pra quem rezar
A reza é pra quem jurar
A alma pra sempre é a do Fundador
Maré muda com o luar
Futuro é pra quem lembrar
Se é isso que o pai ensinou
Cabô
Cabô, meu pai...
Cabô, ô ô
Cabô, meu pai... Cabô.
Ontem D. Ivone Lara fez 83 anos. Ela é tão linda...
Sexta que vem vou tocar no Traço de União com outro ídolo, compositor genial e pessoa magnífica. Um cantor dono de sensibilidade única: Délcio Carvalho. Parceirão de D. Ivone. Para homenageá-los, um samba deles:
Acreditar
Acreditar, eu não
Recomeçar, jamais
A vida foi em frente
E você, simplesmente, não viu que ficou pra trás.
Não sei se você me enganou
Pois quando você tropeçou
Não viu o tempo que passou
Não viu que ele me carregava
E a saudade lhe entregava
O aval da imensa dor
E eu, que agora moro nos braços da paz
Ignoro o passado que hoje você me traz.
14/04/2004 06:10
A Lua e o Conhaque
(Délcio Carvalho/Afonso Machado/Luiz Moura)
Pra que fugir
Se as lembranças não vão te largar
O remorso vai te perseguir
E te afligir até cansar
Pra que voltar
Se no mundo não há mais nós dois
Nossa festa acabou
Nosso céu desabou
Sei que estás sentindo o desprazer da solidão
Sombras na parede
Folhas mortas pelo chão
A noite pesada sem ter pressa de passar
A lua e o conhaque misturando-se no ar
Ah, se tu soubesses quanta coisa se perdeu
O quanto esbanjamos pela vida tu e eu
Melhor é esperar o sol despontar
Com ele achar um jeito de sorrir e de cantar
Pra que fingir se a dor transparece no olhar
O oásis da mesa de um bar não tem o dom de povoar
A solidão, folha seca que ao vento se deu
É o silêncio a cantar a ilusão que morreu.
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Hoje recebemos a visita de três grandes amigos no Ó do Borogodó: um dos autores da bela música acima (que foi gravada pelo Délcio com a Zezé Gonzaga), Afonso Machado (bandolinista, compositor e arranjador do Galo Preto), o violonista Bartolomeu Wiese, também do Galo Preto, e o cantor e compositor Elton Medeiros. Não é um luxo?
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13/04/2004 17:38
Abel Ferreira
Segunda-feira foi aniversário de morte do grande clarinetista, saxofonista e compositor mineiro Abel Ferreira (15/2/1915-12/4/1980). Vou colocar aqui uma de suas músicas mais bonitas, presente no disco Abel Ferreira e Filhos (Marcus Pereira), na voz de Vânia Ferreira:
Acariciando
(Abel Ferreira/Lourival Faissal)
Se eu vivo a esperar por teu amor
Como o dia espera o sol
E a noite dos sonhos espera o luar
Eu sei que sem ti não sei viver
És razão do meu padecer
Mas eu preciso te ver
Te falar, te ouvir, te beijar, te querer
Depressa me traz o teu amor
Vem amenizar a dor
Se alguém te disser que me ouviu
Suspirando de amor e me viu junto ao mar
Soluçando sozinha
Mentiu
Nesta mágoa que é minha
Eu não posso estar só
Vives longe sem dó
Mas estás junto a mim
Amor
Eu bem sei que também
Sentes falta de mim
E que sofres assim
E me tens na lembrança
Amor
Vem viver a esperança
Não devemos ficar
Longe acariciando desejos iguais.
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12/04/2004 18:16
Pois é
(Tom Jobim/Chico Buarque, 1968)
Pois é
Fica o dito e o redito por não dito
E é difícil dizer que foi bonito
É inútil cantar o que perdi
Taí
Nosso mais-que-perfeito está desfeito
E o que me parecia tão direito
Caiu desse jeito sem perdão
Então
Disfarçar minha dor eu não consigo
Dizer: somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim
Enfim
Hoje na solidão ainda custo
A entender como o amor foi tão injusto
Pra quem só lhe foi dedicação
Pois é, e então...
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Esta música, bem como as que postei abaixo, foi muito importante na minha vida em determinado momento. Pois é foi gravada por Chico, Elis Regina, Gal Costa, Elis Regina e Tom Jobim, Raphael Rabello, Nelson Ayres e Roberto Sion, Nana Caymmi, etc.
Para Falar a Verdade, da dupla Sergio Cabral e Rildo Hora, é lindíssima. Aliás, esta é uma dupla e tanto. Suas músicas são quase todas desconhecidas, exceto Os Meninos da Mangueira. Existe um lp só com músicas dos dois, Rildo Hora ... e Sérgio Cabral (1980, RCA). Não preciso dizer que é raro.
Os meninos da Mangueira
Um menino da Mangueira
Recebeu pelo Natal
Um pandeiro e uma cuíca
Que lhe deu Papai Noel
Um mulato sarará
Primo-irmão de dona Zica
E o menino da Mangueira
Foi correndo organizar
Uma linda bateria
Carnaval já vem chegando
E tem gente batucando
São meninos da Mangueira
Carlos Cachaça, o menestrel
Mestre Cartola, o bacharel
Seu Delegado, um dançarino
Faz coisas que aprendeu com Marcelino
E a velha guarda se une aos meninos lá na passarela
Abram alas que vem ela
A Mangueira toda bela
O Padeirinho, cadê Xangô
O Preto Rico chama o Sinhô
E Dona Neuma, maravilhosa
É a primeira mulher da verde-rosa
E onde é que se juntam o passado, o futuro e o presente
Onde o samba é permanente
Na Mangueira, minha gente
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A gravação mais famosa deste samba é com a Sandra de Sá. Conheço também com Ataulfo Jr., Jair Rodrigues, O Samba Continua, Os Batuqueiros, Os Maneiros, Rildo Hora, Samba Bom, Sambalivre, Sivuca e Rildo Hora, Toco Preto, etc.
Todas as demais músicas são lindas. Sorri recebeu gravação de Djavan, um dos meus cantores prediletos. Obra-prima, que faz jus ao nome, foi gravada por Kika Pilon, Lúcio Cardim, Milena, Nora Ney, etc. Até Pensei recebeu gravação de Zimbo Trio, Elizeth Cardoso, do próprio autor, Chico Buarque, Taiguara, Eduardo Conde, Antônio Farinaci, Agnaldo Rayol, etc.
11/04/2004 21:53
Para Falar a Verdade
(Sérgio Cabral e Rildo Hora, gravação de Maria Creuza)
Para falar a verdade não tenho palavras
E qualquer coisa que eu diga é conversa fiada
Por esse tempo eu não canto não
Como é bom cantar
Só depende de você
O verão chegar
Talvez um sorriso
Vá mudar a decisão
Um céu azul prateado
Você vai ver
A noite será toda estrelada
Alegre como um carnaval no Rio
Sem essa escuridão a me embargar a voz.
Até Pensei (Chico Buarque)
Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caía
Toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade
Morava tão vizinha
Que de tolo
Até pensei que fosse minha
Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me via
Eu andava pobre
Tão pobre de carinho
Que de tolo
Até pensei que fosse minha
Toda a dor da vida
Me ensinou essa modinha
Que de tolo
Até pensei que fosse minha.
Obra-prima
(Lúcio Cardim/Norberto Pereira)
Levar você de mim é muito fácil
Eu bem sei
Difícil é fazer você feliz
Você é o resultado dos problemas que eu criei
Ninguém vai corrigir os cálculos que fiz
Levar você de mim é procurar saber quem sou
Depois é descobrir que ao partir você ficou
Você é a obra-prima dos meus versos
Produto das loucuras que eu fiz
Levar você de mim é muito fácil
Difícil é fazer você feliz!
Sorri (Smile)
Charles Chaplin, Geofreu Parsons e John Turner–Versão:João de Barro
Sorri, quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos, vazios
Sorri, quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri
Quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados, doridos
Sorri
Vai mentindo a tua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor que és feliz.
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Prometo publicar músicas mais animadas da próxima vez ;-)
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09/04/2004 04:44
O Rio de Janeiro continua lindo...
Estive no Rio numa viagem a jato, fui domingo à tarde e voltei terça de manhã. Peço antecipadamente desculpas aos amigos que não avisei, mas não deu mesmo.
Fui com o Léo, do Ó do Borogodó, a convite de duas batalhadoras: as gaúchas Aline e Camila, que estão, ao lado de alguns músicos e amigos, tentando reabrir o Bar Semente, agora chamado de Comuna do Semente, ponto dos mais importantes da Lapa.
É muito legal o trabalho das meninas pra manter aberto esse espaço, que já recebeu tanta gente famosa em seu pequeno e aconchegante palco, bem embaixo dos arcos da Lapa.
Participamos de duas rodas, uma no domingo, onde conheci algumas pessoas legais, como o Thiago (bandolinista filho do Ronaldo, do Época de Ouro), o violonista de 7 cordas Marlon Mouzer e o violonista Gabriel Improta, que tem um belo disco que será comentado aqui em breve. Coincidentemente, encontrei alguns amigos (cariocas) que moram aqui em São Paulo, o violonista e compositor Chico Saraiva, vencedor do último Prêmio Visa de compositores, o multiinstrumentista Renato Anesi e uma cantora paulista (de Ribeirão Preto), a Verônica. Os três iam se apresentar na quarta-feira no Mistura Fina. Deram uma supercanja, todo mundo ficou impressionadíssimo, afinal, eles são geniais. O Renato é o máximo, suas composições e seu virtuosismo impressionam. O Chico, além de exímio violonista, é um grande compositor, suas músicas são um luxo, algumas com letras do Luiz Tatit. E a Verônica canta muito bem... ela está começando agora sua carreira que, com certeza, será bem longa. Fiquem ligados!!!!
E o melhor da viagem foi encontrar um amigo muito querido, que pra mim é Deus: Márcio Bahia, percussionista. Vocês conhecem????? É um espanto. Toca com todo mundo, mas eu o escutei pela primeira vez nos discos do Hermeto. Além de ser um troço de bom, ele ainda é a pessoa mais simpática que já conheci. Humilde de dar raiva. Nossa Senhora, um dia eu chego lá!!!!!!!!!!!!!! ;-)
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08/04/2004 19:32
A Vida me Fez Assim: Teresa Cristina
Sempre muitíssimo bem-acompanhada pelo Grupo Semente (Bernardo Dantas no violão, João Callado no cavaquinho e Pedro Miranda na percussão e na voz), Teresa lançou seu primeiro CD em 2002, um álbum duplo com músicas do repertório de Paulinho da Viola (Deckdisc).
Seu novo trabalho, A Vida me Fez Assim (Deckdisc), com produção de Paulão 7 Cordas e participação especial de Cristina Buarque e da Velha Guarda da Portela, está impecável. Traz uma faixa interativa com as letras cifradas, regravações de grandes compositores como Candeia (Viver), Elton Medeiros e Zé Ketti ( Sorri), Wilson Moreira e Nei Lopes (Peito Sangrando), Silas de Oliveira e Manoel Ferreira (Na Água do Rio), Mauro Duarte (Já Era – também conhecido como Palavra), Zé da Zilda e José Thadeu (Um Calo de Estimação ), em que ela faz um maravilhoso dueto com um dos grandes novos talentos do Rio de Janeiro: o cantor e percussionista Pedrinho Miranda, Manacé (Quantas Lágrimas), belo samba que faz parte da trilha sonora da novela Celebridades, e Albaléria (Embala Eu), além de duas músicas de domínio público, Samba de Roda e Chora, Viola.
Aí vem o que eu mais gostei no disco: uma refinada compositora - oito músicas do CD são de sua autoria: Acalanto, Candeeiro, O Passar dos Anos (com João Callado, em homenagem a Casquinha), A Borboleta e o Passarinho , Pedro e Tereza, Lavoura (com o bandolinista Pedro Amorim), A Vida me Fez Assim (com Argemiro) e Portela (com Pedrinho Miranda). Teresa explica que as aulas de literatura na faculdade de Letras e a leitura de clássicos como Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, a inspiraram a compor versos como os da música Pedro e Tereza: "Fazenda velha/Cumeeira arriou/Levanta, negro, cativeiro acabou/Se negro soubesse o talento que ele tem/Não aturava desaforo de ninguém".
Além do Grupo Semente, grandes músicos participam do disco, como o próprio Paulão 7 Cordas, João Lyra, Roberto Marques, Rui Alvim, Kiko Horta, Eduardo Neves, e os percussionistas Esguleba, Trambique, Paulinho do Pandeiro, Leonardo Reis. No coro, Áurea Maria, Tia Doca, Tia Surica, Cristina, Mariana Bernardes, Oswaldo Cavalo, Pedro Paulo Malta.
Algumas músicas do CD:
Já Era (Palavra)
O meu coração
Quase que parou
Quando você me abandonou
Naqueles momentos como eu sofri
Mas graças a Deus eu soube resistir
Palavra
Quase que eu chorei
Palavra
Quase que eu chorei
Quem conhece a vida não se desespera
No mundo
O que tinha de ser, já era.
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Sorri
Sorri
Depois do beijo sorri
Depois do abraço parti
Marcamos um novo encontro
Tu não vieste, fiquei triste
A lua cheia fez-me sorrir
Depois do beijo sorri
Depois do abraço senti
Muitas saudades de ti
Amei
Porque amor por ti eu tinha demais, te adorei
E tu roubaste a minha alegria de viver
Eu chorei depois eu sorri...
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Conheço também as gravações de Paulinho da Viola e Elton Medeiros.
A Borboleta e o Passarinho
De galho em galho vai voando o passarinho
Que de mansinho é que chega a liberdade
De flor em flor a borboleta vem sorrindo
E não se fala de outra coisa na cidade
Ela fugindo de um colecionador
Ele com medo da PM distraída
De vento em vento, se encontraram numa flor
E não se fala de outra coisa nessa vida
Com muitos toques ela fez o seu contato
Ele emplumado pra causar boa impressão
E eram dois a bater asas pelo mato
Sincronizados nos arroubos da paixão
De galho em galho vai voando o passarinho
Que de mansinho é que chega a liberdade
De flor em flor a borboleta vem sorrindo
E não se fala de outra coisa na cidade
Mas toda história tem o destino que merece
E a natureza fez por bem de intervir
De mais a mais, é cada qual com sua espécie
E não se fala de outra coisa por aqui.
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Um Calo de Estimação
Eu tenho um calo que parece gente
Quando chega o tempo frio ele faz um tempo quente
Mas esse calo só falta falar
Ele adivinha até quando o tempo vai mudar
Já me ensinaram pra arrancar com alicate
Pra botar tomate e pimenta-de-cheiro
Tenha paciência, Dona Margarida
Eu não sou comida pra levar tempero
Ai, não me pise no calo
Quanto mais eu falo mais você me pisa
Por causa desse calo estou lhe avisando
Eu acabo rasgando a sua camisa
Ora, deixe de bobagem, mude de conversa
Não me rasgue a camisa que eu só tenho essa
Quem sofre de calo não enfrenta a lua
Deixa os pés em casa quando vai pra rua.
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Samba gravado originalmente em 1944 por Zé da Zilda e Zilda do Zé.
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01/04/2004 03:10
D. Ivone Lara
Cavaquinista, cantora e compositora, quando começou a freqüentar a Escola de Samba Prazeres da Serrinha, em 1945, compôs muitos sambas que eram mostrados como se fossem de seus primos, também compositores, Mestre Fuleiro e Hélio. "O preconceito vigente não permitia à mulher ser sambista. Mesmo assim, em 1947, já casada com o filho do presidente da Escola, fez um samba com o título Nasci para Sofrer, com o qual a agremiação desfilou no carnaval. Tornou-se, assim, a primeira mulher a compor samba-enredo, derrubando mais um tabu contra o sexo feminino. Obteve outra vitória na sua carreira de compositora, em 1965, na comemoração do quarto centenário do Rio: a Império Serrano (escola para onde havia se transferido desde o desaparecimento da Prazeres da Serrinha) escolheu sua música Os Cinco Bailes Tradicionais da História do Rio – feita em parceria com Silas de Oliveira e Bacalhau – para ser o samba-enredo daquele carnaval. Apesar de todos os seus dotes de cantora, compositora e exímia instrumentista, só em 1978, com 56 anos de idade, veio a ser reconhecida fora dos limites das quadras de samba. Seus maiores sucessos dessa nova fase são Sonho Meu e Alguém me Avisou."
(retirado do livro A Musa sem Máscara – A imagem da mulher na MPB, de Maria Áurea Santa Cruz, Ed. Rosa dos Tempos, RJ, 1992, p. 22).
Ouvir D. Ivone é muito emocionante. Há uma semana estou com suas músicas na cabeça. Não consigo parar. Seu canto é inebriante, chego a ficar arrepiada. Suas composições são demais. Acho que vou chorar sexta-feira (quando vamos acompanhá-la no Traço de União).
Mas Quem disse que eu te esqueço
(D. Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho)
Tristeza rolou dos meus olhos
de um jeito que eu não queria
E manchou meu coração
Que tamanha covardia
Afivelaram meu peito
Pra eu deixar de te amar
Acinzentaram minh'alma
Mas não cegaram o olhar
Saudade amor, que saudade
Que me vira pelo avesso
E revira o meu avesso
Puseram a faca em meu peito
Mas quem disse que eu te esqueço
Mas quem disse que eu mereço.
Dei liberdade
Dei-te liberdade
Usaste de falsidade
Traíste o meu amor
Felicidade assim na vida não terás
Amor igual ao meu jamais encontrarás
Por mim podes ir embora
Não sentirei saudade
Adeus para nunca mais
Dei-te liberdade demais
Dei-te meu carinho e gratidão
Foste fingida, soubeste me enganar
Jamais posso te perdoar.
Outra você não me faz
Outra você não me faz
Segue seu caminho, vê se me deixa em paz
Muito me prejudiquei
Não adiantou lutar por esse amor
E graças, me recuperei
Aquela nostalgia já não sinto mais
A sua ingratidão pôs fim a uma paixão
Que havia no meu coração
Chora, implora
Dizendo que se arrependeu do que fez
Por favor não tente me enganar
Não se iluda, desta vez nem mesmo Deus vai lhe perdoar
E agora põe culpa na sorte
Que o destino lhe deu
Não, não adianta reclamar
O mal que você me fez tem que pagar.
29/03/2004 05:03
Trilha sonora do fim de semana
Ganhei três belos discos neste fim de semana. O primeiro deles é Sementes ao Vento, de Márcia Tauil, só com parcerias de Eduardo Gudin e Costa Netto, pela gravadora Dabliú (2003). É lindo, e traz músicas que gosto muito, como Ensaio do Dia e Conciliar, além das já famosas Paulista e Verde. O outro CD ganhei de uma amiga espanhola que está de férias no Brasil, a Concha. É do cantor José Mercé com músicas (e o violão) do famoso Vicente Amigo (digamos que ele seja o Yamandú da Espanha ;-). É também um CD muito bonito. E o terceiro, ah, o terceiro. É uma obra-prima de rara beleza. Trata-se de Edu, terceiro disco de Edu Lobo, lançado em 1967 (pela Philips, relançado pela Dubas). É incrível, mas eu não conhecia este disco. Inconformado com minha ignorância, meu amigo carioca Arquimedes resolveu me presentear ;-) Várias músicas do disco se tornaram sucesso nacional e fazem parte do meu repertório, como Candeias, No Cordão da Saideira, Corrida de Jangadas e Canto Triste. Mas eu não me lembro de já ter ouvido as demais faixas. Fiquei apaixonada mesmo. O flautista Copinha está presente em todas as músicas. O CD traz ainda duas faixas-bônus, Candeias, apenas com Edu na voz e no violão, e No Cordão da Saideira com um time feroz: Cristóvão Bastos, Carlos Malta, Zé Nogueira, Jorge Helder, Carlos Bala e Mingo Araújo. Vale a pena ainda citar o encarte, muito bonito, em português e inglês, com todas as letras e comentários atualizados de Edu Lobo, música por música. Um luxo. Obrigada, meus queridos.
Só me resta transcrever umas letrinhas aqui:
Canto Triste
(Edu Lobo e Vinícius de Moraes)
Porque sempre foste a primavera em minha vida
Volta pra mim
Desponta novamente no meu canto
Eu te amo tanto mais, te quero tanto mais
Ah, quanto tempo faz partiste
Como a primavera que também te viu partir
Sem um adeus sequer
E nada existe mais em minha vida
Como um carinho teu, como um silêncio teu
Lembra um sorriso teu tão triste
Ah, Lua sem compaixão, sempre a vagar no céu
Onde se esconde a minha bem-amada
Onde a minha namorada
Vai e diz a ela as minhas penas e que eu peço
Peço apenas que ela lembre as nossas horas de poesia
Das noites de paixão
E diz-lhe da saudade em que me viste
Que estou sozinho
Que só existe
Meu canto triste
Na solidão.
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Edu conta que fez essa música pra peça Arena Conta Zumbi: "O Guarnieri gostava da idéia de fechar com uma coisa triste. Era uma coisa trágica, a morte do Zumbi, todo mundo chorando. Mas o Vianinha não topou. Quando eu voltei pro Rio, eu só não perdi essa música de vez por causa do Vinícius de Moraes. Lembro disso como se fosse hoje: há havia passado alguns meses da peça, a gente estava no apartamento não sei de quem, numa daquleas festinhas, e ele perguntou: 'Você não tem nada novo?', e eu falei: 'Acabei de fazer um monte de música para o Zumbi', e ele falou: 'Mas não tem nenhuma sobra?' e lembrei dessa música. Comecei a tocar um trechinho e ele ficou tão encantado que disse: 'Vai pra casa terminar essa música e não faça mais nada, você tem a obrigação de salvá-la.' E eu fui, obedeci. Fui relembrando e ela foi voltando, veio a segunda parte, e depois ele fez essa letra que eu adoro. Adoro essa letra!"
Canto Triste recebeu diversas gravações. Dentre elas, cito as de Tito Madi, Sergio Mendes, Olavo Sargentelli, Nouvelle Cuisine, MPB-4, Gal Costa, Elis Regina, Edu Lobo e Yvete, Edu Lobo e Tom Jobim, Caetano Veloso, etc.
Ensaio do Dia
(Eduardo Gudin/Costa Netto)
Qual o caminho dessa canção
Na intenção de amanhecer
Os primeiros acordes vão
Na escuridão aparecer
O primeiro sinal de luz
Vem das janelas de um sonhador
A esperança que inventa
A real ferramenta
De todo o trabalhador
Qual o sentido dessa oração
Que tantos vão logo acolher
Outras luzes se acenderão
Religião de conviver
O ofício de se sorrir
No compromisso de repartir
O anseio constante
De um sonho distante
Que teima em resistir
Quem sabe, se vivendo se desafia
A incerteza que espalha nas veias
A malha da teia que prende o olhar
Quem sabe, se vivendo se denuncia
Longa espera nas vãs madrugadas
De inverno eterno ensaio do dia
Qual é o hino da multidão
Que emoção nos socorreu
De que jeito, em que condição
A ilusão sobreviveu
Nossa gente a se procurar
Na esperança sempre terá
A rival companheira
Feliz, traiçoeira
Maneira de se encontrar.
Além das pérolas que citei acima, hoje me deliciei com mais dois cds: o Brasil, Violão , da Marcus Pereira, que traz Celso Machado interpretando clássicos do samba & Choro como Odeon, Cristal, A Voz do Morro, Asa Branca, Choro n. 1, etc. e músicas menos conhecidas, mas não menos lindas: Ponteado (Guerra Peixe), Mágoas de Africano (Eduardo Santos), Choro n. 2 (Armando Neves), e Estudo n. 1, de sua autoria (linda, linda e linda). Pra quem não conhece, Celso Machado é irmão do brilhante Filó Machado. Pra quem não conhece Filó Machado, socorro!!!! ;-)
Ah, sim, o segundo CD do dia eu comprei ontem na Fnac (eu já tinha em LP), e é da série 2 em 1: Elizeth Cardoso. Os dois lps são Noturno e Grandes Momentos. Meros 13 mangos. Imperdível, não? O Noturno tem clássicos da música brasileira da década de 40, como Feitiço da Vila, Risque, Na Baixa do Sapateiro, Chão de Estrelas, Olhos Verdes, Molambo (eita!), e as mais novinhas Chove Lá Fora e Se Todos Fossem Iguais a Você. Além destas, duas jóias do meu amado Custódio Mesquita (ambas em parceria com o grande Evaldo Ruy): Noturno em Tempo de Samba e Promessa.
Noturno em Tempo de Samba
Tarde da noite na rua deserta
A vagar eu estou
Não tenho destino nem rumo
Não sei de onde vim, não sei pra onde vou
Onde estou
Sei que estou apaixonado
Sei que sou desgraçado
Por amar tanto assim, ai de mim
Já não sinto os encantos que o mundo oferece a qualquer
És meu mundo mulher
Transformei-me em vulgar vagabundo
Que no fundo sabe o que quer
Dar-te amor e um carinho profundo
Tu és todo meu mundo mulher
Volta, eu perdôo teu erro
Esqueçamos o que passou
E acompanhemos o enterro
De um passado que o vento levou.
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Noturno em Tempo de Samba é uma das mais belas músicas que já ouvi. Dificílima de ser cantada, pelas diversas modulações. Pra ser tocada também, não é pra qualquer um não. É um samba-canção de 1944, que foi gravado originalmente por Silvio Caldas. Conheço mais algumas regravações: Roberto Paiva (em 1956), Elizeth (claro, em 1958), Alaíde Costa, Jamelão, e uma mais moderninha, acho que a minha predileta, com a Rosana Toledo (excelente cantora), num tributo a Custódio lançado pela Funarte. Curiosamente, no disco de Elizeth ela aparece apenas como Noturno. Apesar das regravações, não fez sucesso, talvez por sua complexidade. Define-se "noturno" como "gênero de composição para piano, de caráter melancólico e sonhador, de andamento vagaroso, e que foi criado por John Field (1782-1837) e desenvolvido por Chopin (1810-1849) e G. Fauré (1845-1923)."
Ah, claro, Custódio Mesquita (1910-1945) foi um exímio pianista (além de um dos mais bonitos compositores desse período. Era um galã ;-). É autor de 111 músicas. Gravou várias obras de Ernesto Nazareth.
Custódio e Evaldo Ruy foram pioneiros ao abordar o tema da seca na MPB:
Promessa
Senhor do Bonfim, seu filho plantou
Mas o sol insistente no céu toda terra secou
Pedi pra chover, pro verde voltar
E até hoje ainda estou esperando essa chuva chegar
Rezei reza à beça, fiz uma promessa, segui procissão
Comprei uma vela, acendi na capela, rezei uma oração
Olha, o meu gado está morrendo
Minha gente chorando
Meu campo torrando
O Senhor me esqueceu
Andou chuviscando, andou peneirando
Chover, não choveu
Mas quem sou pra reclamar
Podes me castigar, pois blasfemei Senhor
Sei que breve há de chover
Que o rio há de correr
E a chuva em cachoeira
Há de descer molhando a terra
Tão dura do sertão
Livre do sol então
Expulso deste céu de anil
Vai chover no coração do Brasil.
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Esta foi a primeira música da parceria Custódio-Evaldo, gravada em 1943 por Silvio Caldas. Conheço algumas outras gravações: Orlando Silva, Ângela Maria, Aloisio Pimentel, George Brass (piano), Paulinho Nogueira, Maria Bethânia, Marcos Sacramento, etc.
Bom, o segundo lp da Elizeth, Grandes Momentos, traz músicas mais desconhecidas, como Subúrbio (Luiz Antônio), O Amor é Uma Canção e Se eu Pudesse, ambas de Jair Amorim e José Maria de Abreu, Nunca é Tarde (João Pinto), etc. A única famosa deste disco é Canção de Amor, de Elano de Paula e Chocolate.
Vou intercalando tudo isso com minhas fitas da Yvone Lara (é, eu ainda sou do tempo da fita cassete!), pois vamos tocar com ela sexta-feira que vem no Traço de União.
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Eu vou transcrever agora na base do copia e cola um texto do Zuenir Ventura que um amigo querido, o Waldemar Pavan, me enviou:
E isso de ser jornalista?
23.03.2004 | Uma vez chamei de "Samba do diálogo doido" as
entrevistas que alguns estudantes fazem com a gente. São conversas
sem pé nem cabeça, em que não se sabe o que irrita mais, se o
despreparo do entrevistador ou a falta de orientação por parte do
professor. Chegam sabendo por alto quem você é ou o que faz e tendo apenas uma vaga idéia do assunto sobre o qual devem perguntar. Não são todos assim, evidentemente; há alunos excelentes que entrevistam melhor do que muitos profissionais.
Nestas últimas semanas, porém, com a aproximação do 40o aniversário do golpe militar, intensificou-se o assédio a mim e, pelo que sei, a vários colegas, de jovens atrás de informações sobre a ditadura militar. Há casos em que a confusão e o desconhecimento são de dar pena ou fazer rir. Entre os despreparados, há pelo menos duas categorias: a dos humildes, que pedem desculpas pelo que não sabem e acabam despertando a nossa paciência. E a dos ignorantes espertos e cheios de si, dos quais aí vai uma amostra.
- Como é que era aquela época?
Achei que depois dessa viria outra do gênero: "Como é que é essa
coisa de ser jornalista?". Com o tempo aprendi a dar respostas
igualmente vagas ou desconcertantes: "Ah, depende". Ou então: "É como essa coisa de ser estudante de jornalismo". Quando o jovem começou assim a entrevista, eu estava de mau humor. Resolvi então gozá-lo, respondendo mais ou menos assim:
- Era uma época parecida com a atual, só que muito diferente. Como
todas, aliás, variando conforme o ponto de vista.
Não queria dizer absolutamente nada, e eu esperava que ele replicasse com um "como assim?", ou "explica melhor". Nada. Ele se deu por satisfeito, o que aumentou minha irritação.
- O senhor escreveu um livro sobre o período, não é?
- Sobre que período?
- Sobre o período em que aconteceu tudo aquilo.
- Tudo aquilo o quê?
- Toda aquela confusão.
- Escrevi um livro sobre 1968.
- Ah, sim: "O ano que não aconteceu".
- Não. "O ano que não terminou".
Você pensa que ele se encabulou? Nem aí.
- É verdade. Fale um pouco sobre ele.
- Você não leu?
- Com esses trabalhos todos para fazer, ainda não tive tempo.
- Mas o livro foi lançado há mais de 15 anos.
- É verdade.
O que mais me irritava era que ele não dava o braço a torcer. Tinha sempre um "é verdade", como se minha palavra dependesse do crivo dele. Era como se o que eu dizia só tivesse validade quando ele endossava: "é verdade".
- E você não teve tempo de ler?
- Não, mas faz um resumo para os nossos leitores.
Aí tive que rir. Era tão folgado que ficava engraçado. Além do
resumo, ele queria imprimir mais realismo à entrevista e falava como se milhares de leitores, "os nossos leitores", fossem ler este emocionante diálogo. Foi quando me dei conta do seguinte:
- Escuta aqui: se a pesquisa é sobre 64, o que 68 tem a ver com isso?
- É que eu quero fazer um trabalho abrangente. Sou assim: quando
escolho um tema vou fundo, quero saber tudo.
Vi que ele era imbatível, não tinha jeito. Um grande debochado, só
podia ser. Desisti de tentar gozá-lo, já que eu estava perdendo
todas, e propus:
- Vamos nos concentrar em 64.
- Como o senhor quiser. Pra mim tanto faz. Pode começar.
Ele não só estava mandando no jogo como agora me dava ordens e
permitia que, nesse duelo, eu escolhesse as armas: "Como o senhor
quiser". Penso na crônica que escrevi há oito anos e percebo que nada mudou: parece o mesmo aluno de então, com as mesmas perguntas, a mesma cara de pau. Será que o outro virou coleguinha? E este de agora, será que vai conseguir o diploma? Respondo qualquer coisa e fico à espera da indefectível pergunta, que costuma ser ou a primeira ou a última. Ela vem.
- Agora vamos falar um pouco do senhor: como é que começou?
Vou à forra. Já tenho a resposta pronta.
- Estou quase indo embora e você vem me perguntar como comecei?
Ele diz "é verdade", me manda um abraço e, antes de desligar,
ameaça: "Quando o trabalho estiver pronto, envio uma cópia para o
senhor. Qual é o seu endereço?" Não devia confessar, porque isso não se faz, mas dei o endereço errado.
zuenir@nominimo.ibest.com.br http://nominimo.ibest.com.br/
25/03/2004 18:16
Abandono do blig 2 - A missão!!!
Pela segunda vez eu desapareci, né? Mas é que esta semana a boemia foi pesada, dura mesmo. Recebemos a visita dos meus queridos amigos Luiz Filipe de Lima, Henri Lentino e Dani Spilmman (nunca lembro como escreve o nome dela). Enfim, eles fazem parte do grupo Cadeira Vazia, que canta só Lupicínio, e fizeram um bonito show no Sesc Pompéia ontem. Na terça eles passaram lá no Ó, mais o Tiago Pellegrino, o cantor do grupo (que por sinal eu adorei!!!!), o Dom Camilo (pandeirista) e o excelente acordeonista Chiquinho Chagas. Aí o bicho pegou, realmente foi uma noite deliciosa, tocamos muito. A Dani não foi pois está grávida de 7 meses, com um barrigão lindo.
Ontem, depois do show, fomos prestigiar meus companheiros de feijoada no Ó: Marquinhos Bailão, D. Inah e o João Macambira, que tocam todas as quartas no Bar do Alemão (que agora é do Eduardo Gudin e está uma delícia). Fizemos uma roda também muito gostosa, e terminamos a noite no ó, até as tantas de novo. Ai, como diz o Filipe, a vida honesta é difícil ;-))))))))
Pra resumir minha saga boêmia da semana, só esta música mesmo:
Sambei Vinte e Quatro Horas
(Haroldo Lobo/Wilson Batista)
Sambei 24 horas, sambei
Sambei tanto que a sandália furou
Ele me viu de madrugada
Pulando na calçada
Quando voltei não quis
Abrir a porta do chatô
Ai, ai, ai, amor
Não deixe sua pretinha no sereno
Que ela vai se resfriar
Ai, pretinho
Eu venho de Madureira
Tô cansada, quero descansar.
22/03/2004 02:07
Hoje estou com uma leve crise existencial. Tive um sonho bem maluco, eu estava grávida, dei à luz mas não conseguia amamentar meu filho (que eu não lembro se era filho ou filha), porque não sabia como fazer, e o leite não saía. Acordei tão triste... E com mais vontade ainda de ter um filho, projeto muito distante da minha vida neste momento :-(
22/03/2004 01:58
Clara Paixão
(Nonato Buzar/Rosinha de Valença/S. Benchimol)
Dança no vento da noite esse novo amanhã
Brota no seio da lua essa sede de amor
Cai pro amigo do peito a mesma pergunta
Quantas portas tem teu coração
Quantas portas tem teu coração
Segue no colo do tempo uma clara paixão
Que me adormece, me envolve em lençóis de ilusão
Trilhas no vago infinito escondem a luz
Vida então me diz em que parte do amor me perdi
Vida então me diz em que parte do amor te perdi
_______________
Dedico este post ao Ruy Weber, meu amigo querido, que toca sempre esta música. Falei do Medo de Amar, gravada pela Nana Caymmi, mas faltam músicas que amo do mesmo CD, esta aqui em cima, Clara Paixão (olha só, pessoal, Rosinha de Valença, compositora e violonista genial) e as que vão em seguida, duas pérolas. Todas estão presentes no CD Voz e Suor, de Nana Caymmi e César Camargo Mariano (Emi):
Fruta Boa
(Milton Nascimento/Fernando Brant)
É maduro o nosso amor, não moderno
Fruto de alegria e dor, céu, inferno
Tão vivido o nosso amor, convivência
De felicidade e paciência
É tão bom o nosso amor comum, é diverso
Divertido mesmo até paraíso
Para quem conhece bem
Os caminhos
Do amor seu vai e vem
Quem conhece
Saboroso é o nosso amor, fruta boa
Coração é o quintal da pessoa
É gostoso o nosso amor
Renovado o nosso amor
Saboroso é o amor madurado de carinho
É pequeno o nosso amor, tão diário
É imenso o nosso amor, não eterno
É brinquedo o nosso amor, é mistério
Coisa séria mais feliz desta vida.
_____________
Também foi gravada pelo Paulinho Pedra Azul. Aliás, este é outro que eu curti loucamente na minha vida e em breve merecerá destaque aqui. Esta jóia do Milton e do F. Brant foi durante muito tempo minha música predileta, que eu ouvia dia e noite.
Neste Mesmo Lugar
(Klécius Caldas e Armando Cavalcanti)
Aqui, neste mesmo lugar
Neste mesmo lugar de nós dois
Jamais poderia pensar
Que voltasse sozinha depois
O mesmo garçom se aproxima
Parece que nada mudou
Porém qualquer coisa não rima
Com o tempo feliz que passou
Por uma ironia cruel
Alguém começou a cantar
Um samba-canção de Noel
Que viu nosso amor começar
Só falta agora
A porta se abrir
E ele ao lado de outra chegar
E por mim passar
Sem me olhar.
_______________
recebeu muuuuitas gravações. Confesso que nem sei qual é a minha predileta. Conheço as gravações da Elizeth, da Dalva de Oliveira, da Ana Bernardo (com o 7 cordas Colagrande), do Tito Madi, Agnaldo Timóteo e Carmen Costa, Caçulinha e seu Conjunto, Marisa Barroso, Nora Ney e Jards Macalé (ao violão), Rita de Cássia, Rosana Lao, Waleska (alguém conhece os discos dela? Tenho um monte, amo essa mulher. Fossa total ;-), Zezé Gonzaga, além da Nana Caymmi, claro.
Sempre que ouço esta música tenho vontade de chorar, que coisa!
21/03/2004 03:26
Candeias
(Edu Lobo)
Ainda hoje vou-me embora pra Candeias
Ainda hoje, meu amor, eu vou voltar
Da terra nova nem saudade vou levando
Pelo contrário, pouca história pra contar
Quero ver a lua vindo
Por detrás da samambaia
Rede de palha se abrindo
Em cada palmo de praia
Quero ver a lua branca clareando como um dia
E nos teus olhos de espanto
Tudo quanto eu mais queria
Ainda hoje vou-me embora pra Candeias
Ainda hoje, meu amor, eu vou voltar
Da terra nova nem saudade vou levando
Pelo contrário, pouca história pra contar
E nas sombras lá de longe
Lá de onde o céu principia
Quero ver mestre proeiro
No leme e na valentia
Procissão de velas brancas
No sentido da Bahia
Procissão de velas brancas
No sentido da Bahia
______________
Candeias foi gravada por MPB-4, Caetano, Gal Costa e Caetano, Edu Lobo, Maria Bethânia e Edu Lobo, Rosa Passos, Leila Pinheiro, Eliete Negreiros, etc.
O Cantador
(Dori Caymmi/Nelson Motta)
Amanhece, preciso ir
Meu caminho é sem volta e sem ninguém
Eu vou pra onde a estrada levar
Cantador só sei cantar
Eu canto a dor
Canto a vida e a morte
Canto o amor
Cantador não escolhe o seu cantar
Canta o mundo que vê
E pro mundo que vi meu canto é dor
Mas é forte pra espantar a morte
Pra todos ouvirem minha voz
Mesmo longe
De que servem meu canto e eu
Se em meu peito há um amor que não morreu
Ah! se eu soubesse ao menos chorar
Cantador só sei cantar
Eu canto a dor
De uma vida perdida sem amor
________________
Foi gravada por Agostinho dos Santos, Cynara e Cybele, Dori Caymmi, Emílio Santiago, Joyce, Juca Novaes e Eduardo Santana, Vésper, Quarteto Novo, Paulinho Nogueira, Luiz Eça e Vitor Assis Brasil, etc.
Não são lindas? Bom domingo a todos ;-)
21/03/2004 03:10
Trilha sonora da vida
Anos a fio venho colecionando músicas pelas quais sou apaixonada. Pretendo divulgá-las aqui. Vou começar por uma gravação lindíssima de Nana Caymmi. Atenção para o detalhe: letra e música de Vinícius de Moraes.
Medo de Amar
(Vinícius de Moraes)
Vire essa folha do livro
E se esqueça de mim
Finja que o amor acabou
E se esqueça de mim
Você não compreendeu
Que o ciúme é um mal de raiz
E que ter medo de amar
Não faz ninguém feliz
Agora vá sua vida
Como você quer
Porém não se surpreenda
Se uma outra mulher
Nascer de mim
Como no deserto uma flor
E compreender que o ciúme
É o perfume do amor.
_____________
Foi gravada também por Elizeth Cardoso, João Bosco, etc.
Basta de Clamares Inocência
(Cartola)
Basta de clamares inocência
Eu sei todo mal que a mim você fez
Você desconhece consciência
Só deseja o mal a quem o bem te fez
Basta, não ajoelhes
Vá embora
Se estás arrependida
Vê se chora
Quando você partiu
Me disse chora, não chorei
Caprichosamente fui esquecendo
Que te amei
Hoje me encontras tão alegre e diferente
Jesus não castiga um filho que está inocente
Basta não ajoelhes
Vá embora
Se estás arrependida
Vê se chora.
_______________
Lindamente gravado por Elis Regina, muita gente desconhece que o autor deste samba divino é Cartola. Conheço também a gravação da Cláudia Telles.
Bolero de Satã
(Guinga/Paulo César Pinheiro)
Você penetrou como o sol da manhã
E em nós começou uma festa pagã
Você libertou em você a infernal cortesã
E em mim despertou esse amor
Atormentado e mau de satã
Você me deixou como o fim da manhã
E em mim começou essa angústia, esse afã
Você me plantou a paixão imortal e malsã
Que se enraizou e será meu maldito final amanhã
E agora me aperta a aflição
De chorar louco e só de manhã
É a seta do arco da noite
Sangrando-me agora
São lágrimas, sangue, veneno
Correndo no meu coração
Formando-me dentro esse
Pântano de solidão.
__________
Mais uma do repertório da Elis (com Cauby Peixoto), por quem sou apaixonada, claro.
20/03/2004 04:05
Aviso da Lua que Menstrua
(Elisa Lucinda)
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
Cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
Às vezes parece erva, parece hera
Cuidado com essa gente que gera
Essa gente que se metamorfoseia
Metade legível, metade sereia
Barriga cresce, explode humanidades
E ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
Mas é outro lugar, aí é que está:
Cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
Que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
Transforma fato em elemento
A tudo refoga, ferve, frita
Ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
É que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
É que tô falando na "vera"
Conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
Delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
Ou sem os devidos cortejos...
Às vezes pela ponte de um beijo
Já se alcança a "cidade secreta"
A Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
Cai na condição de ser displicente
Diante da própria serpente.
Ela é uma cobra de avental.
Não despreze a meditação doméstica.
É da poeira do cotidiano
Que a mulher extrai filosofia
Cozinhando, costurando
E você chega com a mão no bolso
Julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
Tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
Então esquece de morder devagar
Esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
Chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
Ora, não ofende. Enaltece, elogia:
Comparando rainha com rainha
Óvulo, ovo e leite
Pensando que está agredindo
Que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!
------------------
Conheci Elisa Lucinda numa festa. Ela parecia mil mulheres numa só. Que vida, que energia, que luz. Fiquei impressionadíssima. E quando ela começou a declamar seus poemas? A festa toda ficou muda, muita gente chorou. Ela é um espetáculo!
19/03/2004 02:22
Mundo melhor
(Vinícius de Moraes/Pixinguinha)
Você que está me escutando
É mesmo com você que estou falando agora
Você que pensa que é bem
Não pensar em ninguém
E que o amor tem hora
Preste atenção, meu ouvinte
O negócio é o seguinte
A coisa não demora
E se você se retrai
Você vai entrar bem, ora se vai
Conto com você, um mais um é sempre dois
E depois bom mesmo é amar e cantar junto
Você deve ter muito amor pra oferecer
Então pra que não dar o que é melhor em você
Venha e me dê sua mão
Porque sou seu irmão na vida e na poesia
Deixa a reserva de lado
Eu não estou interessado em sua guerra fria
Nós ainda havemos de ver
Uma aurora nascer
Num mundo em harmonia
Onde é que está a sua fé?
Com amor é melhor, ora se é.
___________
Choro gravado por Teca Calazans, Elizeth Cardoso, Beth Carvalho, Alcione, Quarteto em Cy, MPB-4, Clara Nunes com Toquinho e Vinícius, Mulheres em Pixinguinha, etc.
Fala Baixinho
(Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho)
Fala baixinho só pra eu ouvir
Porque ninguém vai mesmo compreender
Que o nosso amor é bem maior
Que tudo aquilo que eles sentem
Eu acho até que eles nem sentem, não
Espalham coisas só pra disfarçar
Daí então porque se dar
Ouvidos a quem nem sabe gostar
Veja só, meu bem, quando estamos sós
O mundo até parece que foi feito pra nós dois
Tanto amor assim, é melhor guardar
Pois que os invejosos vão querer roubar
A sinceridade é que vale mais
Pode a humanidade se roer de desamor
Vamos só nós dois
Sem olhar pra trás
Sem termos que ligar pra mais ninguém.
___________
Este choro foi gravado por Maria Bethânia, Ademilde Fonseca, Teca Calazans, Clementina de Jesus, Elizeth Cardoso, etc.
18/03/2004 18:13
Projeto Choro no Café Piu Piu
Ontem o Bola Preta se apresentou no Café Piu Piu, na Bela Vista. A casa, que é muito bonita, já teve sua programação voltada para música brasileira, mas atualmente é referência dos roqueiros, que se apresentam por lá vários dias da semana.
Agora, numa tentativa de recuperar o bom gosto (desculpem, roqueiros) e a boa programação de outrora, estão com um projeto de choro todas as quartas. Confesso que, num primeiro momento, fiquei com preguiça. Sabe como é, tocar por couvert, levar público, uma chatice. Mas tenho que admitir que a dona da casa está realmente investindo. Fomos extremamente bem tratados, a casa tem um público e a receptividade foi total. Ficamos muito felizes, e acho que o projeto vai vingar. Em maio vai ter uma superapresentação: Marco Pereira e Hamilton de Holanda... imperdível, não? Sem falar no maravilhoso grupo Nosso Choro, que também vai se apresentar numa quarta de maio. E o legal é que a casa é grande, cabem umas 350 pessoas sentadas mais umas muitas em pé. Que bom!!!!
Mas, claro, precisamos prestigiar, pra ver se vira mais um ponto para nós, amantes da boa música brasileira. Parabéns, Café Piu Piu.
_______________
Simplesmente
(Paulinho Nogueira)
Quantas vezes eu já fracassei
Quantos bons momentos desprezei
Por pensar demais, por ouvir demais
Por não saber olhar a vida simplesmente
Dentro desse louco turbilhão
Cada um querendo ser melhor
É muito melhor se deixar ficar
Por tudo o que você sentir simplesmente
E, logo de manhã, olhar bem dentro de você
Das coisas como você vê
Duvidar, então, do que querem fazer você olhar
Fazer você sentir, fazer você pensar
E, chegando a noite devagar,
Descontrair sua atenção
Soltar de leve o coração
Procurar alguém, o seu bem verdadeiro
E, tão somente, vai saber simplesmente
O que é bom pra você!
______________
Paulinho Nogueira tem músicas lindas, pouquíssimo conhecidas. Tive a honra de conhecê-lo. Éramos praticamente vizinhos, ele não saía do Parque da Água Branca, um parque delicioso que tem aqui perto da minha casa. Tive um prazer enorme ao gravar com ele, no disco da pianista Dudáh Lopes (Dudáh Lopes interpreta chorões de SP, Umes, 2002), gravamos o Choro Chorado. No mesmo disco Dudah gravou ainda a famosa Bachianinha n.1. Aliás, é um disco muito bonito, que tem grandes autores como Dilermando Reis, Laércio de Freitas, Esmeraldino Salles, Canhotinho, Zequinha de Abreu, Israel Bueno de Almeida, Orlando Silveira e a própria Dudáh.
Outra música de Paulinho Nogueira que eu ADORO:
Procissão de Sexta-feira Santa
(Paulinho Nogueira)
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo
Nesse dia lá em casa
Nem mesmo criança podia brincar
E quase ninguém sorria
A gente não podia nem assobiar
Sempre a procissão passava
Lá na minha rua, ao anoitecer
Chegavam muitos amigos
Parentes antigos, que vinham pra ver
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo
Batia o sino da igreja
Todos pra janela, pra pegar luar
Gentarada na calçada
Esperando, cansada, mas sem reclamar
Lembro a figura do Jonas
Um homem estranho, tipo popular
Sempre passava na frente
Avisando a gente que ia começar
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo
Silêncio na minha rua
Todos se ajoelhavam pro Senhor passar
Cada um como Jesus
Carrega a sua cruz, sem se desesperar
O canto atroz da Verônica
Me transmitia uma forte impressão
Mostrando o lenço manchado
Sangue derramado do Cristo, em vão
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo
Vinha o corpo carregado
Daquele que um dia, por amor morreu
Ave Maria por Nossa Senhora
Que chora o Filho que perdeu
E a multidão seguindo
Alimentando sonhos, tudo em seu louvor
Acho que todo esse povo
Espera de novo o seu Salvador
É dia de procissão de Sexta-Feira Santa
Meu pai saía na Irmandade do Santíssimo.
________________
O Guia da Folha da semana passada anunciou um show curioso: Tetê Espíndola (se não me engano) com Paulinho Nogueira. Não é espantoso? :-(
Agora uma música de outro compositor que eu adoro
Unha de Gato
(Elton Medeiros/Antonio Valente)
Benedito Pereira era um homem comum
Era pobre, dinheiro não tinha nenhum
Era um pobre coitado, apenas mais um
Morador lá do morro
Se amarrava num samba e sem nenhum favor
Era forte nas rimas sofridas do amor
Não fazia arruaça,
Era até boa praça e trabalhador
Todo dia descia no trem da Central
Carregando a marmita embrulhada em jornal
Domingo era visto em pé na geral
Lá no Maracanã
Mais um dia num bar de esquina
Ele foi apanhado sem os documentos
Passou muito tempo entre maus elementos
E o que ele aprendeu nem preciso contar
Hoje ele mudou
Já não é mais aquele sujeito pacato
É mais conhecido por Unha de Gato
E pro morro voltou
É mais um marginal
____________________
Samba-choro divino, nada cantando nas rodas paulistanas. Alguém sabe quem é esse parceiro do Elton, Antonio Valente? É homônimo do meu avô...
15/03/2004 14:59
AMOR SÓ DE LETRAS
Mário Prata
Conta a história que dom Pedro II casou-se sem conhecer a sua noiva. Tinha visto um quadro com a cara da princesa. Casamento de interesses políticos lá dos portugueses, fazer o quê? E quando a moça chegou no porto do Rio de Janeiro - consta que ele fez uma cara emocionada. Pela feiúra da imperial donzela. Mas casou, era o destino, era a desdita.
Tenho um avô que foi pedir mão da moça e o pai dela disse: - Essa tá muito novinha. Leva aquela. E ele levou aquela que viria a ser a minha avó. Ah, a outra morreu solteirona.
Quando aconteceu o grande boom da imigração japonesa, alguns anos depois, familiares que lá ficaram mandavam noivas para os que cá aportaram. Tudo no escuro. E de olhinhos fechados, ainda por cima.
De uns tempo para cá, o conceito da escolha foi mudando. Até ir para a cama antes, valia. Ficava-se antes. Só que agora, finzinho do finzinho do século, surgiu um outro tipo de casamento. O casamento de letras. Letras de textos. O texto - finalmente, digo eu, escritor - virou casamenteiro. Apaixona-se, hoje em dia, pelo
texto. Via internet. Via cabo, literalmente.
Conheço quatro casos bem próximos. Gente que desmanchou o casamento de carne e osso por uma aventura no mundo das letras.
Claro que estou me referindo aos encontros via Internet. Começa no chat, com o texto. Gostou do texto, leva para o reservado. E lá, rola. Eu mesmo já me envolvi perdidamente por dois textos belíssimos. Moças de vírgulas acentuadas, exclamações sensuais e risos de entortar qualquer coração letrado ou iletrado.
Sim, pela primeira vez nesta nossa humanidade já tão velhinha, as pessoas estão se conhecendo primeiramente pela palavra escrita. E lida, é claro.
Já disse, isso envaidece qualquer escritor. Agora, o texto pode levar ao amor. Uma espécie de amor-de-texto, amor-de-perdição.
A relação, o namoro, começa ali no monitor. Você pode passar algumas horas, dias e até semanas sem saber nada da outra pessoa. Só conhece o texto dela. E é com o texto que vai se fazendo o charme. Você ainda não sabe se a pessoa é bonita ou feia, gorda ou magra, jovem ou velha. E, se não for esperto, nem se é homem ou mulher. Mas vai crescendo uma coisa dentro de você. Algo parecidíssimo com amor. Pelo texto.
Pouco a pouco, você vai conhecendo os detalhes da pessoa. Idade, uma foto, a profissão, a cor. Inclusive onde mora. Sim, porque às vezes você está levando o maior lero com o texto amado e descobre que ele vem lá da Venezuela. Ou do Arroio Chuí. Mas se o texto for bom mesmo, se ele te encanta de fato e impresso, você vai em frente. Mesmo olhando para aquela fotografia - que deve ser a melhor que ela tinha para te escanear (ou seria sacanear, me perdoando o trocadilho fácil) você vai em frente.
"Uma pessoa com um texto desses..."
A tudo isso o bom texto supera. Quando eu ouvia um pai ou mãe dizendo "meu filho fica horas na Internet", todo preocupado, eu também ficava. Até que, por força do meu atual trabalho, comecei a navegar pela dita suja. E descobri, muito feliz da vida, que nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele está lendo ou escrevendo. E mais, conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.
Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto. No caso do amor ali nascido, a feitura, o peso, a cor, a idade ou a nacionalidade não importam. O que é mais importante é o texto. O texto é a causa do amor.
Quando comecei a escrever um livro pela internet, muitos colegas jornalistas me entrevistavam (sempre a mim e ao João Ubaldo) perguntando qual era o futuro da literatura pela Internet. Há quatro meses atrás eu não sabia responder a essa pergunta. Hoje eu sei e tenho certeza do que penso: - Essa geração vai dar muitos e muitos escritores para o Brasil. E muita gente vai se apaixonar pelo texto e no texto. Existe coisa melhor para um escritor do que concluir uma crônica com isso?
Como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras.
Como diria Pelé, love, love, love.
15/03/2004 14:46
Pra Que Discutir com Madame
(Janet de Almeida/Haroldo Barbosa, 1956)
Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba
Madame diz que o samba tem pecado
Que o samba, coitado, devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça, mistura de cor
Madame diz que o samba é democrata
É música barata sem nenhum valor
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que o samba é vexame
Pra que discutir com madame
No carnaval que vem também com o povo
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na avenida entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno
Meu Deus que horror
O samba brasileiro, democrata
Brasileiro na batata é que tem valor.
15/03/2004 14:38
Veneno
(Paulo César Pinheiro/Eduardo Gudin)
Mas o que me faz chorar
É esse fel que você vive a destilar,
É essa paga cruel que você me dá,
Só o melhor meu coração te ofereceu,
Você cuspiu no prato que comeu.
E o mal que isso me faz,
Não esperava isso de você jamais
Eu não sabia que podia ser capaz
De alguém pedir a mão e receber
Depois vingar em vez de devolver.
Dei o manto pra quem vai me desnudar
E em meu peito abriguei quem vai me expulsar
Eu te dei beber
No mesmo copo você vai me envenenar.
_______________
Essa dupla de compositores é tudo! Eu sou apaixonada por ambos. Mas o PCP todo mundo conhece, já o Gudin... Incrível como as pessoas desconhecem a obra dele, que é brilhante. Depois vou dedicar um post aqui comentando os discos dele.
13/03/2004 06:03
Trilha da madrugada
Alguém conhece o Brazilian Guitar Quartet? É um grupo sublime formado por Paul Galbraith, Everton Gloeden (violão de 8 cordas), Edelton Gloeden e Tadeu do Amaral (violão). Tenho vários cds do grupo. Estou ouvindo no momento o Encantamento, lançado em 2001 pela Delos ( www.delosmusic.com). Eles são geniais. O repertório é muito bonito. Tem "Variações Sérias", de Ronaldo Miranda, sobre Iara, de Anacleto de Medeiros, "Frevo", de Cláudio Santoro, "Lenda Sertaneja n. 8" e "Congada", de Francisco Mignone, "Il Neige", "Bébé s'endort" e "Tarantella Op. 14 n. 3", de Henrique Oswald, "Encantamento" e "Quarteto n. 2, em três movimentos (Enérgico, Nostálgico e Allegro)", de Camargo Guanieri. Discaço. O encarte é muito bom, apesar de estar em inglês. Tenho mais dois cds deles, depois transcrevo o repertório aqui. E também um do Tadeu do Amaral, que é o máximo!!!!!! Aliás, sou fã dele de carteirinha. Vou comentar aqui depois o disco dele, lindo de morrer.
_______________________________________________________________
12/03/2004 19:17
Trilha sonora da semana
Esta semana ouvi Mercedes Sosa, muitas, muitas vezes. Não consigo guardar o disco. Mercedes tem um canto forte, contagiante. Lindo. Me diverti muito também ouvindo os programas da PRK-30, nos dois cds que vêm dentro do livro No ar: PRK-30, de Paulo Perdigão (ed. Casa da Palavra). São 52 gravações cobrindo o período de fevereiro de 47 a janeiro de 59, realizadas ao vivo em auditórios. É engraçadíssimo. Este foi o melhor programa humorístico do rádio, feito pelos excelentes Lauro Borges e Castro Barbosa. Vale a pena comprar este livro. Estava esgotado, paguei R$ 50 na Fnac.
E hoje mato a saudade dos meus quinze anos, mais ou menos, ouvindo Guilherme Arantes. Sim, eu também gosto de Guilherme Arantes, sinto desapontar meus fãs, mas esta sou eu ;-)________________________________________________________________________
12/03/2004 19:08
Recesso
Claudia Castanheira
É preciso que silenciem
todas as formas de canção
por um momento
e se reduza o tempo
inútil
maltratado
malcantado
na boca de um qualquer
para que se reaprenda a arte
de gerir uma mulher.
___________________
Minha amiga Anabel Silva me mandou este belo poema. Obrigada, Anabel.
_____________________________________________________________________
11/03/2004 05:28
Êxtase
É o estado em que me encontro depois da noite de ontem. Hummmmm, não, não tive uma noite de sexo ardente, mas foi quase isso. Tivemos a honra de receber a visita de Yamandu e Paulo Moura ontem no Ó do Borogodó. Eles chegaram sem instrumento, para minha tristeza. Mas de repente, quando vejo, Paulo Moura tira seu belíssimo clarinete (transparente) de uma bolsa, e eles dão uma canja que, na verdade, foi um banquete. Pra minha sorte, uma nova amiga e aluna do curso que estou ministrando no Sesc me emprestou um gravadorzinho, e eu, sintonizada com meu sexto sentido agudo, tinha levado uma fita. Estou aqui há horas ouvindo, o som foi maravilhoso, uma noite mágica, inesquecível. Privilégio para pouco mais de 60 pessoas, o bar não estava cheio ontem. Me senti numa cerimônia do Oscar, tal a quantidade de flashes que vieram de todos os lados. Nem imagino de onde surgiram tantas máquinas fotográficas, foi engraçado. Um presente, foi um verdadeiro presente. Grandes músicos têm nos visitado: Sérgio e Odair Assad (que são humildes, generosos, maravilhosos), Hamilton de Holanda, Arismar do Espírito Santo, Luiz Nassif, Beth Carvalho, Rogério Caetano, os meninos do grupo Tira Poeira, Théo de Barros, Léa Freire, Alceu Valença, Elton Medeiros, etc. Que prazer inenarrável, muito obrigada!
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11/03/2004 04:04
São Coisas Nossas
(Noel Rosa, 1932)
Queria ser pandeiro
Pra sentir o dia inteiro
A tua mão na minha pele a batucar
Saudade do violão e da palhoça
Coisa nossa, coisa nossa
O samba, a prontidão
E outras bossas
São coisas nossas
São coisas nossas
Malandro que não bebe
Que não come
Que não abandona o samba
Pois o samba mata a fome
Morena bem bonita lá da roça
Coisa nossa, coisa nossa
O samba, a prontidão
E outras bossas
São nossas coisas
São coisas nossas
Baleiro, jornaleiro, motorneiro
Condutor e passageiro
Prestamista e vigarista
E o bonde que parece uma carroça
Coisa nossa, muito nossa
O samba, a prontidão
E outras bossas
São nossas coisas
São coisas nossas
Menina que namora na esquina
E no portão
Rapaz casado com dez filhos
Sem tostão
Se o pai descobre o truque
Dá uma coça
Coisa nossa, muito nossa
O samba, a prontidão
E outras bossas
São nossas coisas
São coisas nossas.
Este belíssimo samba, do qual tirei o nome do meu blogue, foi gravado originalmente pelo próprio Noel, por Aracy de Almeida (1955), por Marília Batista (1963), pelo conjunto Coisas Nossas (1980), Gal Costa, Garganta Profunda, Ione Papas, etc.
Segundo João Máximo e Carlos Didier no melhor livro do mundo (exagerada, eu?), Noel Rosa - Uma biografia, o compositor fez esse samba inspirado no primeiro filme sonoro nacional, Coisas Nossas, do americano Wallace Downey, que trazia no elenco Procópio Ferreira, Batista Júnior (pai de Linda e Dircinha Batista), Jararaca & Ratinho, Paraguaçu, dentre outros.
O pandeiro, como sempre, está em todas. Este samba me faz lembrar o genial compositor, dançarino, pesquisador, ator, instrumentista, etc. Antônio Nóbrega, que diz que todo brasileiro deveria andar com um pandeiro na pochete ;-)
Falei neste post de três paixões: o pandeiro, o livro que citei acima, minha bíblia, é o livro que todos deveriam ler, pelo menos todos que querem conhecer um pouco da música brasileira. É uma obra-prima, foi por muito tempo minha maior referência. E, por fim, o pernambucano Antônio Nóbrega, um dos maiores artistas deste país, completamente desconhecido da massa, um gênio. Com ele e sua família (que é igualmente maravilhosa, seus pais, D. Celestina e Seu João, seus filhos Maria Eugênia e Gabriel, excelente percussionista, sua esposa Rosane, dançarina exuberante, sua irmã Eugênia, grande flautista), fui pro Recife há alguns anos e tive o privilégio de conhecer de perto o maracatu, o frevo, o caboclinho, a ciranda, o cavalo-marinho, etc. Que riqueza, nossa mãe! Quando assisti o primeiro show do Nóbrega eu chorei copiosamente. Ele é espetacular. Não percam a chance de conhecê-lo.
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09/03/2004 13:56
Ontem o Ney Mesquita foi cantar com a gente o Ó do Borogodó, foi um arraso... nossa, que saudade. Cantamos tantas "velharias" que há muito não eram cantadas por estas bandas... que tristeza, ninguém conhece nada, ninguém pesquisa, ai, acho que eu queria ser cantora... O Ney é um dos melhores intérpretes que temos em São Paulo, sem sombra de dúvida. Ele tem dois belíssimos discos gravados, um só cantando Dori e Dorival Caymmi e outro, Quintal, em parceria com o pianista e compositor Lincoln, da Barca. Um show!!!!
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Meus Vinte Anos
(Wilson Batista/Silvio Caldas)
Nos olhos das mulheres
No espelho do meu quarto
É que eu vejo a minha idade
O retrato na sala
Faz lembrar com saudade
A minha mocidade
A vida para mim tem sido tão ruim
Só desenganos
Ai, eu daria tudo
Para poder voltar
Aos meus vinte anos
Deixaste em minha vida
A sombra colorida
De uma saudade imensa
Deixando-me ficaste
Mostrando-me o contraste
Matando a minha crença
E hoje desiludido
Muito tenho sofrido
Cheio de desenganos
Ai, eu daria tudo
Para poder voltar
Aos meus vinte anos
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Este belíssimo samba foi gravado por Ciro Monteiro, por Elizeth Cardoso e Silvio Caldas, por Rogério Tadeu e pelo maravilhoso Roberto Silva.
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Estrada do Sertão
(João Pernambuco/Hermínio B. de Carvalho)
Coisa que não arrenego
nem tão pouco desapega
ter gostado de você
um gostar desenchavido
encroado e recolhido
de ninguém se aperceber
matutando vou na estrada
e nos meus óio a passarada
faz um ninho pra você
juriti espreita triste
a jandaia não resiste
chora junto por você
Nos meus óio faz clarão
é um verde, um azulão
tiê sangue furta-cor
que me dá desassossego
e me suga nem morcego
mangando que é beija-flor
não me encrespe a vida assim
já me basta o que de mim
esta vida caçoou
não me faz essa graçola
de me abrir essa gaiola
pra depois não me prender
Canta firme juriti
e me entoa uma canção
sabiá me roça aqui
bem de junto ao coração
pousa aqui meu colibri
vê se tu tem pena d'eu
quero ser teu bacuri
quero ser de vois mecê
Quanto mais cê desfeiteia
e me despreza
mais me arrasto pra você
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Gentis, que música maravilhosa! Recebeu algumas gravações (claro, que eu conheço), Alaíde Costa, Alaíde Costa e João Carlos Assis Brasil (piano), a divina Teca Calazans, Tetê Espíndola, Zezé Gonzaga, Carmem Queiroz (em seu disco que vai sair em breve)...
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A bunda, que engraçada
Carlos Drummond de Andrade
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda
redunda.
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poema publicado postumamente em "Amor Natural", ed. Record, 1998.
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Canção das mulheres
Lya Luft
Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dói a idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco — em lugar de voltar logo à sua vida, não porque lá está a sua verdade mas talvez seu medo ou sua culpa.
Que se começo a chorar sem motivo depois de um dia daqueles, o outro não desconfie logo que é culpa dele, ou que não o amo mais.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo "Olha que estou tendo muita paciência com você!"
Que se me entusiasmo por alguma coisa o outro não a diminua, nem me chame de ingênua, nem queira fechar essa porta necessária que se abre para mim, por mais tola que lhe pareça.
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que quando levanto de madrugada e ando pela casa, o outro não venha logo atrás de mim reclamando: "Mas que chateação essa sua mania, volta pra cama!"
Que se eu peço um segundo drinque no restaurante o outro não comente logo: "Pôxa, mais um?"
Que se eu eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro — filho, amigo, amante, marido — não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa — uma mulher.
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Este poema é para nós, mulheres, pelo aniversário de seu dia ;-)
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Ontem ao Luar
Catulo da Paixão Cearense e Pedro de Alcântara
Ontem ao luar
Nós dois em plena solidão
Tu me perguntaste
O que era a dor de uma paixão
Nada respondi, calmo assim fiquei
Mas fitando o azul
Do azul do céu a lua azul
Eu te mostrei
Mostrando-a a ti
Dos olhos meus correr senti uma nívea lágrima
E assim te respondi
Fiquei a sorrir por ter o prazer
De ver a lágrima nos olhos a sofrer
A dor da paixão, não tem explicação
Como definir o que só sei sentir
É mister sofrer, para se saber
O que no peito o coração não quer dizer
Pergunta ao luar, travesso e tão taful
De noite a chorar na onda toda azul
Pergunta ao luar, do mar a canção
Qual o mistério que há na dor de uma paixão
Se tu desejas saber o que é o amor
E sentir o seu calor
O amaríssimo travor do seu dulçor
Sobe o monte à beira-mar ao luar
Ouve a onda sobre a areia a lacrimar
Ouve o silêncio a falar na solidão do calado coração
A penar, a derramar os prantos seus
Ouve o choro perenal
A dor silente universal
E a dor maior que é a dor de Deus
Se tu queres mais
Saber a fonte dos meus ais
Põe o ouvido aqui na rósea flor do coração
Ouve a inquietação da merencória pulsação
Busca saber qual a razão
Por que ele vive assim tão triste
A suspirar, a palpitar em desesperação
A teimar de amar um insensível coração
Que a ninguém dirá
No peito ingrato em que ele está
Mas que ao sepulcro fatalmente o levará.
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Pedro de Alcântara editou a polca Dores do Coração em 1907. Ela foi gravada em 1909 pela Banda da Casa Edison e recebeu gravação do próprio autor na flauta e de Ernesto Nazareth ao piano em 1912. Em 1918 recebeu nova gravação, desta vez cantada, por Vicente Celestino, com versos de Catulo da Paixão Cearense e um novo título: Ontem ao luar. A canção Love Story, do filme homônimo, foi apontada como plágio de Choro e Poesia.
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Paciente
(Pixinguinha e Daniel Santos, gravada por César Costa Filho no lp Nina)
Sou paciente
Vou esperando
Fico pensando, meu amor, quando lhe vejo
Que bom seria se você pudesse me compreender
Você passando
E eu lhe seguindo
Com olhar tristonho
Seu amor eu vou pedindo
Mas você finje não ligar meu sentimento
Nem sequer por um momento me permite ser feliz
Somente por prazer
Você me faz sofrer
Procuro compreender sem saber que fazer
Na sua indiferença
Eu vejo um amor criança
Matando a esperança de me ver feliz
Por que você não vive um pouco a realidade
Amor que é de verdade é fácil de notar
Lhe quero tanto
Fico pensando
Lhe vejo em sonho perto do meu coração
Agora vou mudar o meu jeito de querer
Você tem que entender
Que o tempo vai passar
E eu que sou tão paciente
Estou perdendo a paciência
Ver você sempre sozinha
Com vontade de ser minha
Vou lhe beijar, meu coração
Pra ver a sua reação
E o seu espanto de criança tão mulher
Aí então nesse meu beijo
Lhe direi que o meu desejo é te fazer feliz.
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Domingão
Há muito tempo não ficava sem fazer nada como fiquei ontem à noite e hoje o dia todo. Que bom. E passei o dia ouvindo Mercedes Sosa, que mulher maravilhosa. Depois ouvi dois discos que foram trilha sonora de novela e que eu não ouvia há muito: Semideus e Nina (ambos lançados pela Som Livre, o primeiro em 73 e o outro em 77).
Semideus traz só composições de Baden e Paulo César Pinheiro:
Lado 1:
1. Solidão (Canção do Mar), com Amália Rodrigues e Don Byas
2. Refém da solidão, com Maria Odette
3. Figa de guiné, com Ana Maria e Maurício
4. Despedida, com Victor Hugo
5. Destinos, com Marília Barbosa
Lado 2:
1. Paciência, com Trama
2. Uma canção a mais, com Orquestra e Coro Som Livre
3. Eu não tenho ninguém, com Claudia Regina
4. Até eu, com Maria Creusa
5. A volta, com Djalma Dias
6. O semideus, com Orquestra Som Livre
O disco é realmente muito bonito. A única música que ficou "famosa" é Refém da Solidão. Esta gravação, com a Maria Odette, é linda. Aliás, tenho vários lps de novelas com grandes músicas.
Nina:
Lado A
1 - Vamos Deixar de Intimidade - João Nogueira (Ary Barroso)
2 - Paciente - César Costa Filho (Pixinguinha e Daniel Santos)
3 - Brejeiro - A Cor do Som (Ernesto Nazareth)
4 - Eu Dei - Marília Barbosa (Ary Barroso)
5 - Nego Véio Quando Morre - Os Originais do Samba (D.P. - arranjo e adaptação de Pachequinho)
6 - Apanhando Papel - Luiz Ayrão (Getúlio Marinho e Ubiratan Silveira)
7 - Primeiro Amor - Altamiro Carrilho (Patápio Silva)
Lado B
1 - Quem é - Sônia Santos e Grande Otelo (Custódio Mesquita e Joracy Camargo)
2 - Atraente - Os Turunas da Paulicéia (Chiquinha Gonzaga)
3 - Há uma Forte Corrente Contra Você - Os Frajolas (Francisco Alves e Orestes Barbosa)
4 - Choro e Poesia - Altemar Dutra (Pedro de Alcântara e Heloísa Alcântara)
5 - Urubu Malandro - Netinho e seu Conjunto (Louro e João de Barro)
6 - Flor Amorosa - Maria Martha (Catulo da Paixão Cearense e Callado)
7 - O Almofadinha - Ivon Cury (J. Poliegoni - De Castro e Sousa)
Vale observar que essa música Choro e poesia é Ontem ao luar, gravada por Vicente Celestino com letra de Catulo da Paixão Cearense.
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Molambo
(Jayme Florence/Augusto Mesquita, 1952)
Eu sei que vocês vão dizer
Que é tudo mentira, que não pode ser
Que depois de tudo que ele me fez
Eu jamais deveria aceitá-lo outra vez
Bem sei que assim procedendo
Me exponho ao desprezo de todos vocês
Lamento, mas fiquem sabendo
Que ele voltou e comigo ficou
Ficou pra matar a saudade
A tremenda saudade que não me deixou
Que não me deu sossego um momento sequer
Desde o dia em que ele me abandonou
Ficou pra impedir que a loucura
Fizesse de mim um molambo qualquer
Ficou desta vez para sempre, se Deus quiser.
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Escrevi a letra deste samba-choro que eu amo loucamente para publicar aqui. Mas aí me empolguei e resolvi divulgá-lo também no blog eucantosamba.blogger.com.br , do qual eu participo divulgando letras de sambas. Mas esta música é tão maravilhosa que tem de ser muito divulgada.
Molabo recebeu muitas gravações. A minha predileta é com a Elizeth Cardoso, com Jacob do Bandolim e Regional do Canhoto. É simplesmente pra ouvir uma semana seguida (pare quando estiver com vontade de cortar os pulsos ;-). Outras gravações conhecidas: Tito Madi, Thereza Tinoco, Waldir Calmon e seu Conjunto, Waleska, Wanda Sá, Célia Vaz e Quarteto em Cy, Yvette, Zezé Gonzaga, Tania Alves, Som Bateau Orquestra, Sílvio Caldas, Salvador Martins, Roberto Luna, Raphael Rabello, Ney Matogrosso, Nélson Gonçalves, Maysa, Maria Bethânia, Leo Galdelman, Jamelão, Irany (violino) e seu conjunto, Jair Rodrigues, Cláudia Versiani, Cauby Peixoto, Claudete Soares, Guilherme Vergueiro (piano), Carlos José, Ana Bernardo e Osvaldo Colagrande (violão), Almir, etc.
Jayme Florence, o Meira, nasceu em 1/10/1909 em Paudalho, PE, e morreu em 8/11/1982 no Rio de Janeiro, RJ. Era violonista, compositor e professor. Iniciou-se no violão orientado por seu irmão Robson. Em 1927, passaram a integrar o conjunto Voz do Violão, organizado pelo bandolinista Luperce Miranda, do qual também faziam parte Minona Carneiro (cantor) e José Ferreira (cavaquinho). Em 1928, transferiram-se para o Rio de Janeiro.
Logo que chegou ao Rio, residiu por um período em companhia de João Pernambuco, seu conterrâneo. Tornou-se um apaixonado torcedor do time de futebol São Cristóvão. Foi vizinho de Noel Rosa no bairro de Vila Isabel, com quem participava de apresentações na Casa de Caboclo.
Na década de 30, teve sua primeira música editada, "Falando ao teu retrato", com De Chocolat, gravada por Augusto Calheiros em 1935. Em 1934, estreou em disco, participando da gravação do choro "Primavera" com o regional de Benedito Lacerda. Em 1937, passou a integrar o Regional de Benedito Lacerda, um dos mais importantes e atuantes conjuntos da música popular brasileira. Naquele ano, o conjunto chegou à formação que iria perdurar por cerca de meio século: Lacerda (flauta), Canhoto (cavaquinho), Dino (violão) e Meira (violão). O regional acompanhou em programas e gravações os mais importantes artistas de sua época. Junto a Dino Sete Cordas, realizou no conjunto um trabalho de duplas de violão com uma atuação marcante no âmbito da música popular. Em 1941, foi convidado pelo violonista Dilermando Reis para acompanhá-lo em sua primeira gravação. Desde então, todas as gravações de Dilermando em 78 rpm tiveram a sua participação. Em 1943, alcançou êxito com "Aperto de mão", com Dino e Augusto Mesquita, gravada em disco por Isaurinha Garcia, música que a tornou conhecida em todo o Brasil. Em 1946, Pixinguinha e Benedito Lacerda realizaram várias gravações, acompanhadas pelo regional que se tornaram célebres. Como compositor destacou-se ainda com o choro "Deixa pra lá", com Augusto Mesquita" lançado também por Isaurinha e "Amar foi minha ruína", lançado por Gilberto Alves em 1947.
Em 1950, Benedito Lacerda deixou o conjunto, que passou a ser liderado por Canhoto (cavaquinho), continuando assim a carreira altamente prestigiosa do conjunto, que passou a ser denominado Regional do Canhoto. Esse trio, Canhoto, Dino e Meira foi o suporte de acompanhamento de regional da MPB até sua morte e a de Canhoto na década de 1980. Seu grande sucesso como compositor foi alcançado com o samba Molambo. O regional tomou parte em gravações e shows memoráveis, entre os quais "O samba pede passagem" de 1965, organizado por Sidney Miller e o LP "Rosa de ouro", lançado pela Odeon. Participou de inúmeras gravações. Altamente reconhecido por sua atividade didática, iniciou no violão grandes artistas como Baden Powell, João de Aquino, Raphael Rabello e Maurício Carrilho.
A biografia do Meira foi retirada daqui.
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Para quem quiser saber um pouco mais sobre marchinhas e/ou músicas carnavalescas, indico o site do Roberto Lapiccirella. Nesse site tem boa parte da minha pesquisa musical (nós lançamos um livro com 108 marchinhas, partituras, histórias, etc.) É maravilhoso.
Vírgula
(Alberto Ribeiro-Erastótenes Frazão)
Teu amor é fatal - vírgula
Qual mulher sensacional - ponto e vírgula
Queres dar teu coração - interrogação
Que pecado original - exclamação
Teu amor é fatal - vírgula
Qual mulher sensacional - ponto e vírgula
Queres dar teu coração mas comigo não
Ponto final
Teu amor entre aspas
Já consegui descrever
Reticências reticências
Agora adivinhe o que eu quero dizer
GRAU DEZ
(Lamartine Babo-Ary Barroso, 1935)
Yo te quiero
A vitória há de ser tua, tua, tua
Morenininha prosa
Lá no céu a própria lua, lua, lua
Não é mais formosa
Rainha da cabeça aos pés
Morena eu te dou grau dez!
O inglês diz "yes, my baby"
O alemão diz "iá, corração"
O Francês diz "bonjour, mon amour"
Très bien! Très bien! Très bien!
O argentino ao te ver tão bonita
Toca um tango e só diz "Milonguita"
O chinês diz que diz, mas não diz
Pede bi! Pede bis! Pede bis!
Yo te quiero
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Carnaval de verdade
Meu carnaval foi maravilhoso, como há muito não era. Primeiro em matéria de trabalho. Toquei no sábado, na segunda e na terça, à tarde no Sesc Pompéia e à noite no Ó do Borogodó. Cansativo? Super. Mas que delícia. Segundo porque há muito tempo eu não pulava, não cantava marchinhas, não paquerava e não beijava no carnaval. Neste ano fiz logo tudo isso ;-)
E os shows do Sesc foram simplesmente maravilhosos. No último, para vocês terem uma idéia, eu chorei lá no meio do palco, olhando pra platéia. Foi tão emocionante... tinha umas 700 pessoas, a Choperia lotada, principalmente com crianças e velhinhos, mas tinha gente de todas as idades. Todo mundo dançando, um monte de gente fantasiada, vi pessoas chorando de emoção ao recordar algumas marchinhas... e, claro, vi meus pais dançando feito loucos, cada um com seu par, meus irmãos, meu sobrinho... Todo mundo pulando. E ainda tem gente que diz que as marchinhas estão por fora. Meu Deus. Aquilo é que é carnaval. Confete e serpentina pra todo lado. Foi realmente um privilégio.
E no Ó então? Lotação máxima todas as noites. Fomos fantasiados, foi bastante divertido. Astral máximo. E no domingo, que tive folga, como não poderia deixar de ser, fui para meu refúgio n. 1, a casa dos meus queridos amigos Ângelo e Mazé, em Sorocaba, local em que vivi as melhores rodas de choro da minha vida.
Mas ainda faltaram tantas marchinhas...
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Há três semanas fui chamada pra dar uma aula sobre samba. Pronto: duas noites sem dormir preparando o curso, pânico total. Levei uns 10 livros, uns 20 cds, fitas de vídeo, etc. Quer saber? Não usei nada. Entramos num bate-papo tão interessante, numa discussão sobre MPB, quando eu vi já tinha acabado. Ufa ;-)
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Vou postar aqui uma letra linda, maravilhosa esta música. Ouvi uns dois dias seguidos, sem parar...
DE ONDE VENS
Dori Caymmi/Nelson Motta
Ah quanta dor vejo em teus olhos,
quanto pranto em teu sorriso,
tão vazias tuas mãos
De onde vens assim cansado,
de que dor, de qual distância,
de que terras, de que mar
Só quem partiu pode voltar,
eu voltei pra te contar
dos caminhos onde andei
Fiz do riso amargo pranto,
meu olhar sempre em teus olhos,
no peito aberto uma canção
Se eu pudesse de repente
te mostrar meu coração,
saberias num momento
quanta dor há dentro dele,
Dor de amor quando não passa
é porque o amor valeu.
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Desejo
Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.
Vitor Hugo
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Semana tensa
Estou dando um curso no Sesc Vila Mariana sobre a História do Choro. Responsabilidade e tanto. Fiquei tão nervosa na primeira aula, na terça, que não consigo lembrar direito tudo que falei, acreditam? E olha que eu não sou muito tímida pra falar não. Mas realmente deu um branco. Fiquei muito chateada.
Ontem, quinta-feira, dei aula de pandeiro pra duas japonesas. Foi muito engraçado, porque elas não falam nem português, nem inglês. E eu, claro, não falo nádegas de japonês. Mas foi divertidíssimo, e elas me deram vários presentes do Japão, me beijaram tanto, me agradeceram tanto... fiquei emocionada. E foram embora, sem pagar a aula! Aí eu pensei, bom, acho que me expressei mal, elas não entenderam que tinha que pagar. Quer saber? Deixa pra lá. Daqui a pouco as duas voltam, morrendo de vergonha pq tinham esquecido de pagar... ahahahahahhaahha. Foi demais. A música faz umas conexões muito loucas, não?
Hoje, sexta, vou tocar com a Eliane Faria no Supremo Musical. Aquele show que você conhece todo mundo na hora, sabe cumé? Tomara que dê certo... ;-)))))))
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A Mulher que eu Gosto
Ciro de Souza e Wilson Batista
Lá vem a mulher que eu gosto
De braço com meu amigo
Ai meu Deus, até parece castigo
É uma dupla traição
Ao meu pobre coração
Eu gosto desta malvada
E ele é meu camarada.
Há muito tempo ela sabe
Que eu lhe tenho grande amor
Preferiu o meu amigo
Fez de mim um sofredor
Ele também é culpado
Da nossa situação
Pois sabia que ela era
Dona do meu coração!
Samba gravado por Ciro Monteiro. Já passei pela situação descrita na letra acima, acho que foi uma das situações mais difíceis da minha vida. Fiquei até doente. É muito, muito triste. Que pena que tem gente que passa por cima de todos os valores (coisa que não existe mais, inclusive) para conseguir o que quer.
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Chorando as Pitangas
Chorar as pitangas é uma expressão bastante conhecida de onde tirei o nome de um dos grupos de choro que eu participo (o Chorando as Pitangas, formado por mim no pandeiro, Luisinho 7 cordas, Vitor Lopes na gaita, Milton de Mori no bandolim e Ildo Silva no cavaquinho). Luís da Câmara Cascudo, no seu maravilhoso livro Locuções Tradicionais no Brasil (Ed. Itatiaia, 1986), explica a possível origem da expressão: A Eugenia Uniflora (nome científico da pitanga) "é uma mirtácea brasileira e dificilmente forneceria material para uma expressão popular portuguesa. Em Portugal existe, há séculos, o lágrimas de sangue, que Morais registrou. Pitanda, piranga, em tupi, vale ´vermelho´. O fruto globular é de linda carnação rubra. A imagem associada impôs-se: ´chorar pitanga´ pelo lusitano ´chorar lágrimas de sangue´, na sugestão da cor."
A verdade é que acabamos de gravar um belo CD pela Lua Discos, que vai sair em breve. Aguardem!
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Luiz Levy
Outra característica minha é mudar de som radicalmente. Saí do Dusek e agora estou ouvindo Luiz Levy. Será que alguém conhece? Nessas horas me sinto tão solitária...
;-)
É que gosto dessas músicas desconhecidas. Luiz Levy (1861-1935), pianista e compositor paulistano. Tem um irmão também músico, encontrei uma página com dados de Alexandre Levy:
http://www.geocities.com/Vienna/Strasse/8454/levy.htm
Esse lp, lançado pela Eldorado em 1984, traz como intérprete o pianista Cláudio de Brito e um texto de Arnaldo José Senise. Foi então que descobri que os irmãos Levy "constituíram uma dupla célebre de concertistas que imprimiriam vivo dinamismo à nossa vida artística. A crônica lhes é pródiga e entusiástica. Pois Luiz já era impressionante virtuose aos dez anos e também camerista; em 1878 fez-se aplaudir com arroubo, em Paris, por alguns milhares, durante a Exposição Universal ali instalada." Seu pai, Henrique Luiz Levy, era "protetor de Carlos Gomes" e fundador da famosa casa Levy, que vendia artigos musicais (será que ela ainda existe?).
Bom, o disco é bonito à beça. O que me chamou mais atenção foram as músicas que ele compôs em resposta a Ernesto Nazareth:
Vicilino (polca em resposta à polca Beija-flor, de Nazareth) e Captivaram-me os teus olhos (polca em resposta à polca Teus Olhos Captivam, de Nazareth).
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Olhar brasileiro
Esse é o nome de um belíssimo lp do Eduardo Dusek (ouvi dizer que, por questões numerológicas, ele agora assina Dussek), lançado em 1981 pela Polygram. Há muitos anos não ouvia esse disco, que imensa alegria senti ao ouvi-lo hoje, o dia inteiro. Porque esse é um defeito grave que tenho: fico dias seguidos ouvindo o mesmo disco, o que me atrapalha muito, visto que tenho muitos cds ainda pra explorar. Mas é um vício. Aí vou descobrindo música por música, instrumento por instrumento. Quanto mais ouço, mais gosto (quase sempre). Relembrei sucessos como este abaixo:
Nostradamus
Naquela manhã, eu acordei tarde, de bode
Com tudo que sei, acendi uma vela, abri a janela e pasmei
Alguns edifícios explodiam, pessoas corriam
Eu disse bom-dia, ignorei
Telefonei prum toque-tenha qualquer e não tinha
Ninguém respondeu, eu disse Deus, Nostradamus,
Forças do Bem e da maldade, vodu, calamidade, juízo final
Então és tu?
De repente, na minha frente, a esquadilha de alumínio caiu
Junto com o vidro fumê
O que fazer, tudo ruiu
Começou tudo a carcomer
Gritei, ninguém ouviu, e olha que eu ainda fiz psiu!
O dia ficou noite, o sol foi pro além
Eu preciso de alguém
Vou até a cozinha, encontro Carlota, a cozinheira, morta
Diante do meu pé, Zé, eu falei, eu gritei, eu implorei
Levanta, me serve um café, que o mundo acabou.
Mas o que me deixou louca mesmo foi este samba-choro, Olhar brasileiro (em parceria com Luis Carlos Goes). O maravilhoso cantor Marcos Sacramento gravou essa música de forma magistral, mas a gravação original, com o Dusek, é mais forte ainda. Foi gravada com um regional, violão de 7, violão, pandeiro, piano, trompa, clarinete e orquestra de cordas. Lindíssima. A gravação do Marcos Sacramento (vocês ainda vão ler muito aqui este nome, pois é um dos meus cantores prediletos, sou louca por ele) é apenas com violão (não um violão qualquer, não, mas o excelente Maurício Carrilho). Bom, não interessa, a música é linda:
Olhar brasileiro
E agora a sós, sentados nesta sala que não é minha
E que claro, por ironia, me parece tão familiar
Me vem você, me vem a sua cara
Sua conversa apimentada e rara
E assim digamos, tão particular
Escuto o ritmo daquele teu simples pandeiro
E até sinto aquele cheiro de amor e de samba espalhado no ar
E minha nossa, de repente eu me lembro,
Era verão e a gente ficava bebendo e ía vivendo à beira mar
Todo mundo sentado na varanda do nosso sobrado
E sonhando altas horas acordado olhando fixo pro luar
Era seresta, era uma festa ver vocês se apaixonar
Era seu jeito, seus defeitos, sua maneira de se dar
Era tão quente, era pra gente tão maneiro que de repente
Você ganhava o mundo inteiro simplesmente com o menor piscar
E mesmo agora, sendo eu o único que resta
Talvez daquela festa, talvez daquele mar
Eu dou um jeito, tento fugir, tento esconder, mas me ajeito
Me acomodo pois me dói no peito somente por tentar lembrar
Daquele cheiro, daquele pandeiro, daquele Rio de Janeiro
Daquele teu verde olhar brasileiro que era meu...
Viva Eduardo Dusek. A biografia dele pode ser lida aqui.
5 Comments:
Olá robertinha!
Eu conheço uma outra "vingança" do Lupcínio (você deve conhecer) começa assim.
"eu gostei tanto, TANTO, quando me contaram. que lhe encontraram chorando e bebendo na mesa de um bar...."
eu adoro "sangui nus óio".
tenho blog também, é só clicar no meu nome.
Você não é mais aquela, agora até lembra os nomes dos maridos....
respondendo sua pergunta, nós já casamos (carnaval 2004 - você de noiva - Ó do Borogodó).
"O remorso talvez seja a causa do seu desespero. Você deve estar bem consciente do que praticou."
acho que a Dona Inah cantava isso.
Você vai nessa gafiera do Blem blem?
Beijo
Aprendi muito
otimo blog! parabéns!
descobri otimos musicas, e nao pude ver tudo ainda, viva a cultura brasileira e quel sabe valoriza-la!
Obrigada, queridos. beijão e apareçam!
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