sexta-feira, abril 7

Trilha sonora da semana - o retorno I

Elis, claro, Elis. O disco dela que mais marcou minha adolescência, sem sombra de dúvida, foi o Falso Brilhante, de 1976, com arranjos do César Camargo Mariano. Descobri esse lp (que gravei numa fita e ouvia dia e noite) lá pelos idos de 1982, 1983, nos bons tempos dos meus 12, 13 anos. Tenho gravado aqui na minha (fraca) memória uma tarde, em Bertioga, na colônia de férias do Sesc (onde passei parte da minha infância - e agora vou pra fazer shows), em que eu fiquei o dia enfiada no carro ouvindo esse disco e cantando essas músicas, loucamente. Meu pai ficou preocupado, porque eu não queria sair do carro, não queria largar minha fita querida. Praia? Almoço? Nada! Só queria ouvir e cantar. Realmente é um disco muito forte, várias músicas fizeram sucesso. Elis Regina era genial. Corajosa! O disco abre com duas pérolas de Belchior, a primeira fez um sucesso estrondoso, a segunda, nem tanto:

Como Nossos Pais

Não quero lhe falar, meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado
Pra nós, que somos jovens
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz

Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada com uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
O cheiro da nova estação
Eu sei de tudo na ferida
Viva do meu coração

Já faz tempo eu vi você na rua
Cabelo ao vento, gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança
É o quadro que dói mais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos
E as aparências não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer que eu tô por fora
Ou então que eu tô inventando
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê
Que o novo sempre vem

Hoje eu sei que quem me deu a idéia
De uma nova consciência e juventude
Tá em casa guardado por Deus
Contando vil metal
Minha dor é perceber que apesar de termos feito
Tudo, tudo, tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais.
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Gravada por Belchior, Selma Reis, Jessé, Biafra, Banda do Canecão, etc.

Velha Roupa Colorida

Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer

Nunca mais teu pai falou: "She's leaving home"
E meteu o pé na estrada like a Rolling Stone
Nunca mais você buscou sua menina
Para correr no seu carro
Loucura, chiclete e som
Nunca mais você saiu à rua em grupo reunido
O dedo em V, cabelo ao vento
Amor e flor, que é de cartaz?

No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa
Que não nos serve mais

Como Poe, poeta louco americano
Eu pergunto ao passarinho:
"Blackbird, o que se faz?"
Raven never raven never raven
Blackbird me responde
Tudo já ficou pra trás
Raven never raven never raven
Assum-preto me responde
O passado nunca mais

Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer
E precisamos rejuvenescer.
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Gravada também por Belchior.

Em seguida um clássico do grande compositor argentino Atahualpa Yupanqui (Héctor Roberto Chavero, 1908-1992), que fez muito sucesso na voz de Mercedes Sosa:

Los Hermanos

Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
En el valle, la montaña,
En la pampa y en el mar
Cada cual con sus trabajos
Con sus sueños cada cual
Con la esperanza delante
Con los recuerdos detras
Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar

Gente de mano caliente
Por eso de la amistad
Con un lloro pa’ llorarlo
Con un rezo pa’ rezar
Con un horizonte abierto
Que siempre esta mas alla
Y esa fuerza pa’ buscarlo
Con tezon y voluntad
Cuando parece mas cerca
Es cuando se aleja mas
Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar

Y asi seguimos andando
Curtidos de soledad
Nos perdemos por el mundo
Nos volvemos a encontrar
Y asi nos reconocemos
Por el lejano mirar
Por las coplas que mordemos
Semillas de inmensidad
Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar

Y asi seguimos andando
Curtidos de soledad
Y en nosotros nuestros muertos
Pa’ que nadie quede atras
Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
Y una hermana muy hermosa
Que se llama libertad.
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Também foi gravada lindamente pela minha querida amiga Carmen Queiroz, em seu LP Flor da Paz. Não sei se tem algum erro aí na letra, não entendo nada de espanhol ;-)

Um clássico de João Bosco e Aldir Blanc que não fez sucesso. Linda de morrer, música complicada mas forte, muito forte:

Um Por Todos

Do ventre chão da terra mãe
Nasce o herói improvisado
Querido filho pranteado da fortuna e do acaso
Avante, um por todos e todos por um!
Ficam das lutas ao longe
Duas medalhas pregadas em peitos de bronze

E as bandeirinhas e as rifas
O foguetório e a fanfarra
Meio velório, meio farra
O sentimento dos teus pares
Herói dos escolares e das lavadeiras
Ó Deus, das moças solteiras
Que rezam ao teu retrato sobre a penteadeira

Eu te conheço, sei o preço da fama
E não esqueço
Que deitei em tua cama, em teu berço
Eu sei teu preço, eu te conheço
Meu oportuno herói
Eu lavo as mãos, Pôncio cônscio pilhado em flagrante
Lavo as mãos e prossigo adiante
Eu por mim mesma
Todos por mim, meu oportuno herói.

E a famosa versão de Fascination (F. D. Marchetti, M. Feraudy, versão de Armando Louzada):

Fascinação

Os sonhos mais lindos sonhei
De quimeras mil um castelo ergui
E no teu olhar
Tonto de emoção
Com sofreguidão
Mil venturas previ
O teu corpo é luz, sedução
Poema divino cheio de esplendor
Teu sorriso prende, inebria, entontece
És fascinação, amor.
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Recebeu diversas regravações: Carlos Galhardo, Agnaldo Rayol, Waleska, Francisco Petrônio, Carlos Poyares, Waldir Silva, Gilberto Alves, Leny Eversong, Nana Caymmi, Lana Bittencourt, Edson Cordeiro, Dilermando Reis, etc.

A sexta música do CD é Jardins de Infância, da superdupla João Bosco/Aldir Blanc:

É como num conto de fada
Tem sempre uma bruxa pra apavorar
O dragão comendo gente
A bela adormecida sem acordar
Tudo o que o mestre mandar
E a cabra-cega roda sem enxergar
E você se escondeu, e você esqueceu

Pique, palcos, tem distância
Pés pisando em ovos, vejam vocês
Um tal de pular fogueira
Pistolas, morteiros, vejam vocês
Pega a malhação de Judas
E quebra-cabeças, vejam vocês

E você se escondeu
E você não quis ver

Olha o bobo na berlinda
Olha o pau no gato, policia e ladrão
Tem carniça e palmatória bem no teu portão
Você vive o faz-de-conta, diz que é de mentira
Brinca até cair
Chicotinho tá queimando, mamãe posso ir

Pique, palcos, tem distância
Pés pisando em ovos, bruxa, dragão
Um tal de pular fogueira e a cabra-cega vai de roldão
Pega a malhação de Judas
E um passarinho morto no chão
E você conheceu
E você aprendeu.
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Gravada também por João Bosco

Uma das minhas prediletas do disco, de Thomas Roth (dono da ótima gravadora Lua Discos), que tocou muito pouco no rádio:

Quero

Quero ver o sol atrás do muro
Quero um refúgio que seja seguro
Uma nuvem branca sem pó
Nem fumaça
Quero um mundo feito sem porta ou vidraça
Quero uma estrada que leve à verdade
Quero a floresta em lugar da cidade
Uma estrela pura de ar respirável
Quero um lago limpo de água potável

Quero voar de mãos dadas com você
Ganhar o espaço em bolhas de sabão
Escorregar pelas cachoeiras
Pintar o mundo de arco-íris

Quero rodar nas asas do girassol
Fazer cristais com gotas de orvalho
Cobrir de flores campos de aço
Beijar de leve a face da lua.
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Gravada também pelo grupo Terramérica

Outro grande sucesso de Mercedes Sosa, de Violeta Parra:

Gracias a la Vida

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dió dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el oído que en todo su ancho
Graba noche y día grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él, las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano
Y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto

Gracias a la vida, gracias a la vida.

Outra obra-prima da dupla Bosco/Blanc:

O Cavaleiro e os Moinhos

Acreditar na existência dourada do sol
Mesmo que em plena boca
Nos bata o açoite contínuo da noite
Arrebentar a corrente que envolve o amanhã
Despertar as espadas
Varrer as esfinges das encruzilhadas
Todo esse tempo foi igual a dormir num navio
Sem fazer movimento
Mas descendo o fio da água e do vento

Eu, baderneiro, me tornei cavaleiro
Malandramente, pelos caminhos
Meu companheiro armado até os dentes
Já não há mais moinhos como os de antigamente.

E a última, pra fechar com chave de ouro, Tatuagem, de Chico Buarque e Ruy Guerra (apesar de que prefiro a gravação do Chico, sem sombra de dúvida):

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava

Quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo se alucina, salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta, morta de cansaço

Quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas quando a noite vem
Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva

Corações de mãe, arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes.
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Gravada por Maria Bethânia, Cristina, Cida Moreira, Nelson Ayres e Roberto Sion, Ned Helena e Conjunto Garra Brasileria, etc.