quinta-feira, setembro 20

Ai! Se Sêsse...

Zé da Luz

Se um dia nós se gostasse
Se um dia nós se queresse
Se nós dois se impariásse
Se juntinho nós dois vivesse
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse
Se juntinho nós dois morresse
Se pro céu nós assubisse
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse
te dizê quarqué toulíce
E se eu me arriminasse
e tu cum insistisse
pra qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse
e o buxo do céu furasse
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge todas fugisse!!!
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Severino de Andrade Silva (1904-1965), mais conhecido como Zé da Luz, nasceu em
Itabaiana, na Paraíba, e faleceu no Rio de Janeiro, onde viveu boa parte da sua vida.
Há umas três semanas estive no maravilhoso programa Sr. Brasil, do Rolando Boldrin, gravando com a cantora Ilana Volcov. Um pouquinho antes da nossa apresentação, quando já estávamos no palco, um jornalista da platéia (que eu esqueci o nome, claro!) recitou esse belíssimo poema. Fiquei apaixonada por Zé da Luz, um dos grandes artistas da literatura de cordel. Abaixo, um outro poema dele, triste, triste...

Cunfissão di Caboclo

Seu doutô sou criminoso
Sou criminoso de morte
To aqui pra me entregá
Vosmicê fique sabendo
Qui a muié qui traz a sorte
De atraiçoá o isposo
Só presta pra se matá

Li peço um grande favô
Antes de vosa mercê
Mi butá daqui pra fora
É a licença do doutô
Pr´eu li contá minha istóra

Sinhô, doutô delegado
Digo a vossa sinhuria
Qui inté onte fui casado
Cum a muié qui in vida
Se chamou Rosa Maria

Faz dez mês qui nós morava
Cumo pobre, é verdade
Mas a gente se sintia
Rico de filicidade

Pras banda qui nós morava
No lugá Chão – da – Cutia
Morava tombém um cabra
Chamado Chico Faria

Esse cabra mais pra trás
Tinha gostado de Rosa
Chegaro inté a ser noivo
Mas não fizero a introsa
Do casamento, pru mode
Mané Uréia de Bode
Que era padrim de Maria
Tê dismanchado essa prosa

Entonce, Chico Faria
Adispois qui nós casamo
In conversa as vez dizia
Qui ainda mi dava fim
Pra se casá cum Maria

Dessas coisa eu sabia
Mas nunca dei importança
Tinha toda confiança
Na muié qui eu amava
Ou mais mió adorava
Cum toda minha sustança

Dispois disso, o meu rijume
Era vivê trabaiano
Sem da muié tê ciúme

A muié, pru sua vez,
Num me dava cabimento
Deu pensá qui ela fizesse
Um dia um farsejamento
Mas seu doutô tome tento
No resto da minha istóra
Qui o ruim chegou agora

Se não me farta a mimóra
Já faz assim uns três mês
Qui o cabra Chico Faria
Todo prosa, todo ancho
Quage sempre, mais das vez
Avisitava o meu rancho

Purali discunfiado
Cuma quem qué e num qué
Eu fui vendo qui o marvado
Tentava minha muié

Ou tentação ou engano
Eu fui vendo a coisa feia
Pru derradero eu já tava
- mosca detrás da ureia

Os tempo foram passando
E o meu arriceiamento
Cada vez ia omentando
Seu doutô, vá iscutando

Onte já de tardezinha
Meu cumpade Quinca Arruda
Me chamô pra nós dançá
Num samba lá na Varginha
Na casa de Mestre Duda

Mestre Duda é um cabôco
Um tocadô de premêra
É o imboladô de coco
Mais bom daquela ribêra

Entonce, Rosa Maria
Sempre gostou de sambá
Mas porém, discunfiada
Me dixe já de noitinha
Qui pru samba ela num ia
Qui tava muito infadada
Precisava se deitá...

Eu fiquei discunfiado
Cum a preposta da muié
Dispois qui tumei café
Quage puro, sem mistura
Cum a faca na cintura
Fui pru samba, fui sambá
Cheguei no samba, doutô
Quem era qui tava lá?
O cabra Chico Faria
Qui, quando foi mi avistando
Foi logo me preguntando:
Cadê Sá Dona Maria?
Num veio não, pra dançá?

-Não sinhô, ficou in casa
Pru Faria arrispondi
Sintí entonce uma brasa
Queimando meu coração

Nunca mais pude tirá
As palavra desse cabra
Da minha imaginação
Perdi o gosto da festa
E não pude dançá não
O cabra, pru sua vez
Não dançava, seu doutô
De vez in quando me oiava
Cum oiá de um traídô

Meia noite, mais ou menos
Se adispidindo dos povo
Disse: - Adeus, qui eu já vou

Quando ele se arritirou
Eu tombém me arritirei
Atrás dele, sim sinhô

Ele na frente, eu atrás
Se o cabra andava depressa
Eu andava muito mais
Noite iscura cumo breu
Nem eu avistava o cabra
Nem o cabra via eu
sempre andando sempre andando
ele na frente, eu atrás

já nem se escutava mais
a voz do fole tocando
na casa do mestre Duda

a noite tava mais preta
que a consciença de Judas

sempre andando sempre andando
eu fui vendo seu dotô
que o maivado ia tomando
direção de minha casa
minha casa sim sinhô
ja pertinho do terreiro
eu me escondi pro detrái
de um pé de trapiazeiro
abaixadinho escundido
prendi a respiração
abri os óio, os uvido
pra mió ver e uvi
quá era sua intenção
seu dotô repare bem
o cabra oiando pra trás
do mesmo jeito que faz
o ladrão pra ver aiguém
nao tendo visto ninguém
na minha porta bateu

de lá dentro uma voz
bem baixinho arrespondeu
ele entoce cá de fora
quem tá batendo sou eu
de repente abriu-se a porta
ai seu dotô nessa hora
a esperança tá morta
tava morto meu amor
no escuro uma voz falou
taqui seu chico um carta
que a tempo tinha escrevido
´pra mandar pra vóis micê
pro favor não leia agora
vá simbora va simbora
que que quando chegar em casa
tem muito tempo pra ler...

Quando minhas oiça uviu
As palavra qui Maria
Dizia pru desgraçado
Eu fiquei amalucado
Fiquei quase cumo um louco
Ou mió, cumo um cabôco
Quando tá chei de isprito
Dum sarto cumo um cabrito
Eu tava nos pés do cabra
E sem querê dei um grito
-Miseráve! E arrastei
minha faca da cintura
Naquela hora, doutô
Eu vi o Chico Faria
Na bêra da serputura
Mas o cabra teve sorte
Sempre nessas circunstança
Os hôme foge da morte

Dei de garra do papé
O portadô da traição
Machuquei nas minha mão
A honra, doutô, a honra
Daquela farsa muié

Dispois oiando pra carta
Tive pena, pode crê
De não tê prindido a lê
Nas letra ali escrivida
O que dizia Maria
Pru marvado traídô

Tive pena, sim sinhô,
Mas qui haverá de fazê
Se nunca prindí a lê?

Maria me atraiçuou
Essa muié qui um dia
Jueiada nos pé do artá
Jurou in nome de Deus
Qui inquanto tivesse vida
Havera de mi honrá
E mi amá cum todo amô

Cum perdão de seu doutô
Quando vi o miseráve
Na iscuridão da noite
Dos meu zóio se iscondê
Sem dexá nem sombra inté
Entrei pra dentro de casa
Pra me vingá da muié
Doutô, qui hora minguada
Maria tava ajueiada
Chorando cum as mão posta
Cuma quem faz oração...

Oiando pra eu pidia
Pelo Cali, pela ósta
Pelo amô qui eu li amava
Qui eu num fizesse isso não

Sem dizê uma palavra
Agarrei das sua mão
Levantei ela pra riba
E interrei inté o cabo
O ferro da parnahyba
Pru riba do coração

Sarvei a honra, doutô
Sarvei a honra, apois não
Dispois qui vi Maria
Cair sem vida no chão
Vim falá cum vosmicê
Vim cunfessá o meu crime
E mi intregá as prisão

Se seu doutô num credita
Se sou criminoso ou não
Tá qui a faca assassina
E o sangue nas minha mão
Cumo prova da traição
Tá qui a carta, doutô
Li peço um grande favô
Antes de vossa sinhuria
Me mandá lá pras prisão,
Me leia aqui essa carta
Pr’eu sabê cumo Maria
Preparava a traição

A CARTA
“Seu Chico. Chã-de-Cutia

Digo a vossa sinuria
Qui só li faço essa carta
Pru sinhô ficá sabendo
Qui eu não sou a muié
Qui o sinhô tá entendendo

Se o sinhô continuá
Cum seus dibique atrevido
O jeito qui tem é contá
Tudo tudo a meu marido
O sinhô fique sabendo
Qui cum seu discaramento
Não faz nunca eu quebrá
O sagrado juramento
Jurado nos pés do artá
No dia do casamento

Se o sinhô é inxirido
Incontrou uma muié forte
O nome do meu marido
Eu honro inté minha morte
Sou de vossa sinhuria
Sua criada Maria.”

Doutô, doutô me arresponda
O qui é qui eu tô uvindo
Vosmicê tá lendo a carta
Ou tá... tá me inludindo?
Doutô, meu Deus, doutô
Maria tava inucente...
Mi arresponda, pru favô

-Inocente, sim sinhô.

Matei Maria inucente...
Pruquê, seu doutô, pruquê?
Matei Maria somente
Pruquê num prindi a lê
Mangine agora o doutô
Quanto é grande o meu sofrê
Sou duas vez criminoso
Qui castigo, qui horrô!
Qui crime num sabê lê!