segunda-feira, agosto 22

O maravilhoso MPB-4

Faz Tempo
(Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)

Faz tempo que eu não sei o que é um sorriso
Livre, espontâneo
Faz tempo, muito tempo que eu preciso
Arrancar esse sorriso
Desse vão subterrâneo de dentro de mim
Faz tempo que eu só sei ficar em casa
Triste, tão sozinho
Faz tempo que ela só vem de visita
Quando eu peço ela me evita
Depois segue o seu caminho e me deixa à merçe
Faz tempo e quanto mais eu rememoro
Mais me calo, bebo e choro
E desespero por você
Faz muito tempo...
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Esse samba é lindíssimo! E totalmente desconhecido. Com meus mais de vinte anos de boemia praticamente diária (calma, não sou tão velha assim, é que comecei cedo demais ;-), nunca, jamais, sequer ouvi essa música cantada por alguém. Rádio? ahaha! Bons tempos em que se ouvia uma música dessa no rádio. Enfim, não me conformo! Como é lindo...
Na verdade, Faz Tempo está presente no disco Cicatrizes, de 1972, que só tem pérolas. É um dos melhores discos do MPB-4, se é que é possível fazer essa classificação. Outras jóias do repertório são Agiborê (Dito - Tom), Canção de Naña (Dorival Caymmi), Viva Zapátria (Sirlan/Murilo Antunes - sobre esta triste canção leiam um texto aqui: www.amar.art.br/opiniao/opiniao_03.htm) e as que vão abaixo:

O Navegante
(Sidney Miller)

Quero um montão de tábuas e um motor de pano
Pra passear meu corpo e adormecer meu sono
Na esburacada estrada do oceano

Aportarei meu barco apenas de ano em ano
E onde houver silêncio eu ficarei cantando
Pra não deixar morrer o gesto humano

Entenderei as águas e os peixes passando
E se me perguntarem pra onde vou e quando
Responderei, apenas navegando, apenas navegando

Embarcarei comigo feminino encanto
Pra que não falte à vida quando for preciso
Uma razão mais forte que o espanto, mais forte que o espanto

Semearei meu sangue, meu amor, meu rosto
Pra que depois de mim eu possa estar presente
Entre as canções que eu não houver composto

Naufragarei um dia em pleno mar sem dono
E submerso em lendas como um visitante
Entre os recifes dormirei meu sono.
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Fez parte da trilha sonora da novela Mulheres de Areia (1973). Sidney Miller é um dos maiores compositores brasileiros. Também pouco conhecido (como tudo que é bom!)

San Vicente
(Milton Nascimento/Fernando Brant)

Coração americano
Acordei de um sonho estranho
Um gosto vidro e corte
Um sabor de chocolate
No corpo e na cidade
Um sabor de vida e morte
Coração americano
Um sabor de vidro e corte

A espera da fila imensa
E o corpo negro se esqueceu
Estava em San Vicente
A cidade e suas luzes
Estava em San Vicente
As mulheres e os homens
Coração americano
Um sabor de vidro e corte

As horas não se contavam
E o que era negro anoiteceu
Enquanto se esperava
Eu estava em San Vicente
Enquanto acontecia
Eu estava em San Vicente
Coração americano
Um sabor de vidro e corte.
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Foi gravada também por Milton Nascimento, MPB -4 e Quarteto em CY, Nonato Luiz, Cesar Camargo Mariano e Trio Esperança.

Desalento
(Hermínio Bello de Carvalho/Maurício Tapajós)

Quem vê o sofrimento
Enorme no meu peito desaguou
Nem vai poder avaliar a dor
Vai ver até vai se desconsolar
Só por me ver tanto chorar

Soubesse o quanto
Se desmandou na vida o coração
A quantas grandes lutas se propôs
E tanta vil derrota padeceu
De quanta flor de sangue se manchou
Mil vezes se acanhou por não berrar
As dores tão imensas que sofreu
Sem atinar por que se umedeceu o olhar

E quantas vezes se desmoronou
Ao dar-se a quem não mereceu
Pra logo então depois desafiar
A vida pra um duelo desigual
E sair-se novamente vencedor
Ai...
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Não conheço outra gravação deste belo samba.

Cicatrizes
(Paulo César Pinheiro/Miltinho)

Amor que nunca cicatriza
Ao menos ameniza a dor
Que a vida não amenizou
Que a vida a dor domina
Arrasa e arruina
Depois passa por cima a dor
Em busca de outro amor

Acho que estou
Pedindo uma coisa normal
Felicidade é um bem natural
Uma, qualquer uma
Que pelo menos dure enquanto é carnaval
Apenas uma, qualquer uma
Não faça bem mas que também não faça mal

Meu coração precisa
Ao menos amenizar a dor
Que a vida não amenizou
Que a vida a dor domina
Arrasa e arruina
Depois passa por cima a dor
Em busca de outro amor.
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Como já cantei este samba na noite, já curti muita fossa com ele. Letra do genial Paulo César Pinheiro.

Partido Alto
(Chico Buarque)

Diz que deu, diz que deu,
Diz que Deus dará
Não vou duvidar, ó nega
E se Deus não dá
Como é que vai ficar, ó nega
Diz que Deus, diz que dá
E se Deus negar, ó nega
Eu vou me indignar e chega
Deus dará, Deus dará

Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria nasci batuqueiro (brasileiro)*
Eu sou do Rio de Janeiro

Jesus Cristo inda me paga, um dia inda me explica
Como é que pôs no mundo esta pobre coisica (pouca titica)*
Vou correr o mundo afora, dar um canjica
Que é pra ver se alguém se embala ao ronco da cuíca
E aquele abraço pra quem fica

Deus me fez um cara fraco, desdentado e feio
Pele e osso simplesmente, quase sem recheio
Mas se alguém me desafia e bota a mãe no meio
Dou pernada a três por quatro e nem me despenteio
Que eu já tô de saco cheio

Deus me deu mão de veludo pra fazer carícia
Deus me deu muitas saudades e muita preguiça
Deus me deu perna comprida e muita malícia
Pra correr atrás de bola e fugir da polícia
Um dia ainda sou notícia.
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* termos originais vetados pela censura
Composta originalmente para o filme Quando o Carnaval Chegar, de Cacá Diegues (1972). Recebeu diversas regravações: Caetano Veloso e Chico Buarque, Aquilo del Nisso, Os Caretas, Os Batuqueiros e As Mulatas, Trio Esperança, MPB-4 e Paulo Ricardo, Ney Matogrosso, etc.

Bom dia, boa tarde, boa noite, Amor
(Jorge Ben)

Bom dia, amor, eu gosto tanto de você
Boa tarde, amor, eu gosto tanto de você
Boa noite, amor, eu gosto tanto de você
Dorme, dorme, meu amor
Dorme, dorme, meu amor

Vai sonhar comigo
Que eu também vou sonhar com você

Pois tudo que eu penso,
Que eu falo, que eu olho
Só vejo você, ê, ê, ê

Vai sonhar comigo
Que eu também vou sonhar com você.
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Pesadelo
(Paulo César Pinheiro/Maurício Tapajós)

Quando o muro separa uma ponte une
Se a vingança encara o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem, me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua, ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte
Olha o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós
Olha aí

Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente, olha eu de novo
Perturbando a paz, exigindo o troco
Vamos por aí, eu e meu cachorro
Olha o verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós
Olha aí!

O muro caiu olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo horizonte
Abraça o dia de amanhã,
Olha aí...
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Foi gravada também por Paulo César Pinheiro, o autor desta belíssima letra que fala da ditadura. Leia mais aqui: www.torturanuncamais.org.br/mtnm_mor/mor_introducao/mor_resgatando1.htm.

Última Forma
(Baden Powell/Paulo César Pinheiro)

É, como eu falei, não ia durar
Eu bem que avisei, vai desmoronar
Hoje ou amanhã um vai se curvar
E graças a Deus, não vai ser eu quem vai mudar
Você perdeu
E sabendo com quem eu lidei não vou me prejudicar
Nem sofrer, nem chorar, nem vou voltar atrás
Estou no meu lugar, não há razão pra se ter paz
Com quem só quis rasgar o meu cartaz
E agora pra mim você não é nada mais
E qualquer um pode se enganar
Você foi comum, pois é, você foi vulgar
O que é que eu fui fazer quando dispus te acompanhar
Porém pra mim você morreu
Você foi castigo que Deus me deu

Não saberei jamais se você mereceu perdão
Porque eu não sou capaz de esquecer uma ingratidão
E você foi uma a mais
E qualquer um pode se enganar
Você foi comum, pois é, você foi vulgar
O que é que eu fui fazer quando dispus te acompanhar
Porém pra mim você morreu
Você foi castigo que Deus me deu
E como sempre se faz, aquele abraço, adeus
E até nunca mais!
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Emilio Santiago, Elizeth Cardoso, Zuzuca e Márcia, dentre outros, também gravaram esta obra-prima. Não vou nem comentar. Só registro aqui que esta música me toca profundamente. É uma das cem músicas da minha vida, com certeza.

Ilú-Ayê (Terra da vida)
(Norival Reis/Cabana)

Ilu-Ayê, Ilu-Ayê, Odara
Nego cantava na nação nagô
Ilu-Ayê, Ilu-Ayê, Odara
Negro cantava na nação nagô

Depois chorou lamento de senzala
Tão longe estava de sua Ilu-Ayê

Tempo passou, ôô
E no terreirão da casa-grande
Negro diz tudo que pode dizer

É samba, é batuque, é reza
É dança, é ladainha
Nego joga capoeira e faz louvação à rainha

Hoje
Negro é terra, negro é vida
Na mutação do tempo
Desfilando na avenida
Negro é sensacional
É toda a festa do povo
É o dono do carnaval.
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Côro dos Compositores da Portela, Mônica Salmaso, Clara Nunes, Conjunto Nosso Samba, Martinho da Vila, Exporta Samba, Coral de Joab, Os Caretas, Orquestra de Pereira dos Santos e Coro de JOAB, Carmen Queiroz, Silvinho do Pandeiro, Banda do Canecão, Brasilian Singers, Marçal e Samba Livre também gravaram este samba.

O CD Cicatrizes é uma jóia rara. Quem não o conhece não tem noção do que está perdendo. Item obrigatório pra quem gosta de boa música. Antológico.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Roberta:
Tarde demais?... nunca é tarde para a música, e só agora encontrei o endereço do blog, que estou adorando! encontrein até uma letra do PCP que não tenho! olha só. E as notas de rodapé são ótimas. Vê se não fechas este blog, é algo que eu gostaria de fazer mas cadê tempo e - sobretudo - coragem?...
Sucesso e tudo de bom!
Regina

novembro 02, 2005 1:10 AM  
Anonymous Anônimo said...

Parabéns pelo bom gosto; a letra de Navegante do Sidney Miler é obra prima, e não encontrei em canto algum; estava curtindo a gravação do Zé Renato com o Trinadus português e providencialmente encontrei seu blog.

março 29, 2007 10:40 AM  

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